quinta-feira, julho 01, 2021

A imparável valsa

 


Ontem, depois de ter publicado o post da noite, fui espreitar. E fui apenas porque sim. Porque sim, aliás, não. Estava na data limite e já estava intrigada por ainda não o ter. Mas tinha: já lá estava o relatório do último exame. Li em diagonal e, na minha ignorância, percebi que o cenário não era negro. Uma ou outra coisa confirmada e outra coisa que requeria google. Googlei e fiquei sem perceber bem. Entretanto, os médicos próximos já me descansaram e esta quinta-feira, com todos os exames feitos, vou à consulta da especialidade. Espero que a conclusão seja tão leve quanto o desejo. 

Há bocado, ao falar com o meu filho, dizia-lhe que queria perceber o que me tinha acontecido. Tenho uma questão que é muito minha, muito matricial: perceber tudo. Enquanto não percebo, parece que fico agarrada ao assunto, com necessidade de investigar e aprofundar. O meu marido diz que isto é um defeito meu e passa a vida a dizer-me: esquece. O meu filho diz que eu deveria era estar contente por aparentemente não haver problema de maior em vez de estar a querer perceber o que se calhar não tem grande explicação. Por vezes, as coisas acontecem porque sim e não porque haja uma causa bem identificada. Pode até acontecer que parte das explicações resida numa coisa muito simples: já não tenho vinte anos.

Se as coisas forem tão tranquilas quanto o espero, logo conto. Não gosto de contar coisas quando estou preocupada e, muito menos, contar coisas que possam preocupar alguém.

Por isso, por me parecer que as conclusões do último relatório não são más de todo (capaz de até serem razoáveis) hoje andei ligeirinha, bem disposta, toda cheia de provocações, quase a fazer a cabeça do meu marido em água. Ainda há pouco, quando eu estava a gozar com ele, queixava-se que estava tramado, que tenho andado tão bem comportada... e que, agora, parece que me tiraram a tampa de cima, e já não há quem tenha mão em mim.

Ao fim da tarde, lembrei-me de ir até à praia e ele alinhou. Foi bom. Mas a maré estava cheia, com pouco areal plano e rijo para caminhar e, além disso, estava um bocado ventoso e fresco. Por isso, não deu para lá estar muito tempo. Mas foi bom. 

Vou aprendendo -- ou melhor, forço-me a aprender -- a dosear melhor as horas e o esforço dedicado ao trabalho. 

Mesmo agora, antes de ter começado a escrever este post, estive a ler e a responder a mails e, em alguns casos, estava a escrever e a sentir que estava a stressar. Irritam-me as pessoas irresponsáveis ou os aluados que não percebem o que se lhes diz, plantando-se no meio da organização só para empatar. Então, quando recebo mails daqueles, não consigo evitar aquela vibração negativa que me faz sentir irritada. Mas logo respiro fundo e tento dosear também aquela má emoção que não faz nenhum bem à saúde.

E depois há outra coisa... entrámos em Julho. Começo a sentir o apelo das férias. 

O ano passado, apesar de altamente desafiante, foi um ano tão pesado e tão complexo para mim -- tantas coisas a acontecerem na minha vida, todas ao mesmo tempo, sem conseguir colocá-las em compartimentos que se fossem fechando -- que parece que fiquei a modos que meio esgotada. 

E este ano, apesar de mais sereno -- muito mais, sem comparação -- tem sido também demasiadamente preenchido. Preciso de férias, de um intervalo, de uma interrupção nas minhas rotinas e nas minhas constantes responsabilidades, preciso de conseguir sentir uma coisa que pode parecer básica mas que há séculos que não consigo sentir: que não tenho nada com que me preocupar.

No entanto, esta droga deste coroninha da treta também não ajuda nada.

Devia sentir-me confiante para ir ao cabeleireiro e vir de lá outra, deveria sentir-me confiante para ir para férias, para ir para o Algarve, para um hotel, para ir levar belas massagens com óleos e pedras quentes, deveria  para ir dar um passeio pelo país e sentir-me confiante para ir aos bons restaurantes. Mas ainda não me sinto confiante para isso. Tudo o que sejam espaços fechados me parecem ratoeiras em que, ou estamos sempre de máscara, ou é uma questão de sorte. E custa-me estar sempre de máscara.

Como ando nesta, quando cheguei da praia, peguei na tesoura e cortei um bom bocado o cabelo. Precisei de me agarrar para não ir por aí fora... e fazer um corte 'a garçon'. Mas tenho tanto cabelo que, apesar do lavatório ter ficado cheio dele, ainda mantenho aquela juba que, só de olhar, já me dá vontade de lhe meter a tesoura.

Depois enfiei-me na banheira e tomei um rico banho. 

Havia restos de ontem, não tive que fazer o jantar. Portanto, menos mal. Mas persiste a ideia: tenho que arranjar maneira de descansar mais a sério, de interromper esta sucessão de dias em que há sempre chatices para resolver. Claro que este susto agora também não ajudou nada, foi mais um stress no meio do stress. Mas, enfim, desde que acabe bem, estará bem.

E, de resto, sei bem: sou uma sortuda, na verdade não tenho de que me queixar. 

Portanto, adiante.

[Não tenho paciência para reler este relambório mas receio que esteja num tom de queixume ou lamúria. Não quero isso. Logo, logo, vou lembrar-me de alguma que me empolgue e descanse a cabeça. E logo, logo, hei-de vir para aqui rir e dizer disparates, para espantar estes estados de espírito que não levam a lado nenhum.]

Rir é que é bom. Olhar para a frente é que faz sentido. Nesta valsa a mille temps, o resto -- o tempo em que se olha para dentro ou para trás ou se está a carpir -- é perda de tempo, entretenimento de mau gosto. E essa é que é essa.


And Joy is Everywhere;
It is in the Earth’s green covering of grass;
In the blue serenity of the Sky;
In the reckless exuberance of Spring;
In the severe abstinence of gray Winter;
In the Living flesh that animates our bodily frame;
In the perfect poise of the Human figure, noble and upright;
In Living;
In the exercise of all our powers;
In the acquisition of Knowledge;
in fighting evils…
Joy is there
Everywhere.


– Rabindranath Tagore, Joy
Nobel Laureate

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As fotografias e este poema pertencem ao post Ode to Joy do blog de Steve McCurry.
Jacques Brel interpreta La Valse a Mille Temps

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Desejo-vos um dia feliz com saúde, alegria e boas notícias

6 comentários:

Anónimo disse...

quase a fazer a cabeça do meu marido em água.

Quase ???

Maria Dolores Garrido disse...

Bom dia!
Não está nada em tom de lamúria. Pelo contrário.
E se os relatórios não estão a ser chatos, melhor. Mas isso fica para depois, porque 'há mar e mar, há ir e voltar'. E
Desfrute(mos) do novo dia.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo,

Não, quase não. Corrijo. Muito longe de.

Olhe, não quer formar um sindicato? O dos maridos cujas mulheres estão muito longe de lhes pôr a cabeça em água... um sindicato de homens felizes. Pode ser?

Dias felizes.

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Dolores,

Dias cheios de complexidades, surpresas, dúvidas. Mas, enquanto for assim, menos mal. O caminho faz-se caminhando pelo que vou continuar a andar. Posso ir meio às escuras mas vou andando. E se houver tropeções pelo caminho também não vai ser por isso. Para a frente é que é caminho.

E uma bela sexta-feira!

E muito obrigada pelas palavras simpáticas e solidárias.

antonio disse...

um sindicato de homens felizes. Pode ser?


😊😊😊😊😊👌!!

Um Jeito Manso disse...

Olá António,

Então não? Já estou a vê-los a descer a avenida:

Deixa passar! deixa passar!
Sou um homem feliz e vim para ficar!
Deixa passar! Deixa passar!

Reivindicações? É simples: lutar para que as mulheres os deixem entrar, lutar para que as mulheres olhem para eles.

E vai daqui um big smile e votos de um bom fim de semana.