sexta-feira, março 12, 2021

Sentámo-nos à sombra de uma árvore e ninguém tinha o coração por inimigo

 



Hoje de manhã estava numa reunião remota quando vi que tinha chegado uma mensagem de uma jovem, aliás já não tão jovem quanto isso, que não trabalhava directamente comigo na outra empresa mas em quem sempre reconheci muito mérito e com quem sempre simpatizei, valorizando-o junto da respectiva hierarquia e incentivando-a a nunca baixar os braços. Ao ver a sua mensagem, curiosa, pelo canto do olho, fui espreitar. Dizia-me que tinha sido promovida e que estava muito contente e que achava que eu também ia ficar contente por saber. Como estava em reunião, não pude deixar que a emoção que senti se manifestasse. Mas fiquei verdadeiramente feliz. Vai para uns nove ou dez meses que saí da empresa e ela nem sequer trabalhava comigo e, no entanto, agora lembrou-se de mim para partilhar a sua alegria. Não há muito foi outra jovem que me ligou para me dizer que tinha terminado o mestrado e para me dizer que tinha tido uma boa nota. Fiquei igualmente feliz. Incentivei-a, fiz com que lhe facilitassem a vida para poder suportar melhor os custos e para estudar. Quando me ligou, fiquei surpreendida. E, depois de ouvi-la, fiquei mesmo contente.

Hoje de tarde estive outra vez na empresa. Grandes mudanças, reviravolta das valentes, frutos já visíveis: quis estar junto de quem anda a dar o corpo ao manifesto. Para uma das missões mais impossíveis, trabalho duro sob todos os pontos de vista, achei que deveria ser um jovem que, à altura fazia um trabalho que nada tinha a ver. Ninguém percebeu a minha ideia, muito menos o próprio que achou que estava a ir de cavalo para burro. Disseram-me que ele dizia que não sabia que mal tinha feito para o irem enfiar a fazer aquilo. Tentaram demover-me. Sugeriram-me várias alternativas. Mas, quando meto uma na cabeça, vai lá vai. 

Pois bem: o trabalho que ele está a fazer é notável. Nunca tal imaginei. Na minha cabeça não havia outro que não ele para fazer aquilo que eu queria que fosse feito. Mas julguei que só se veriam frutos daqui por algum tempo. Está bem, está... Uma motivação, uma genica, um entusiasmo que me emociona. Depois de ele me levar a visitar o trabalho que tem feito, chefiando com denodo uma equipa que não era fácil, disse-lhe: 'Não queria vir para aqui, lembra-se?' Ele sorriu e disse que sim com a cabeça. Perguntei-lhe: 'E está a gostar do que está a fazer, não está?'. Ele sorriu de novo e disse que sim, que está a trabalhar muito porque há muito trabalho para fazer mas que, sim, está a gostar do que faz. E ouvi-lo dizer isso e vê-lo tão motivado, encheu-me de alegria. 

Passei por outro local. Antes um espaço em parte quase ao abandono, pessoas apáticas, hoje fervilhava de actividade. Ao chegar lá, parecia que tinha entrado num outro filme. A máscara não ajuda mas não conheci ninguém. No entanto, eles cumprimentavam-me e vi que sabiam quem sou. Acredito que eles não imaginam como gostei do que vi e como gostei que me tivessem cumprimentado da forma como me cumprimentaram. Pensei que gostaria de, para a próxima, lhes levar flores para lhes oferecer e para agradecer. 

Vim de lá feliz. 

Os dias vão passando. Não tarda, o risco de contágio estará mais controlado. Com Abril à vista, o tempo melhor começa a aproximar-se, o número de pessoas vacinadas vai aumentando, o suave sabor da liberdade de movimentos começa a fazer-se sentir. E isso é muito bom. 

Claro que, no meio destas boas expectativas e das alegrias que vão chegando até mim, algumas saudades pesam no meu peito: saudades pelos que o meu coração ama e têm estado fisicamente distantes, saudades pelos que se foram para sempre, saudades por aqueles com quem gostava de conversar e que se perderam na vida, saudades de alguns momentos com pessoas que antes estavam perto. Ainda no outro dia, ao conversar, lembrei-me de alguns colegas e amigos que me divertiam, inteligentes e bem humorados. Ao relembrar-me algumas situações, voltei a rir-me de gosto. A vida, tantas vezes, vai-nos levando por caminhos distintos. E a vida é mesmo assim, não conseguimos manter-nos sempre junto de todos os que vamos conhecendo, especialmente quando a vida nos vai levando por novos caminhos e trazendo novos caminhantes.

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E é isto. É tarde e não tarda tenho que estar a pé e, pior, sem tempo para acordar calmamente. Se há coisa que vai contra o meu biorritmo é ter uma reunião mal acabo de me pôr a pé, em especial quando sou forçada a estar a pé a horas impróprias para consumo. Mas, enfim, há quem funcione noutros fusos horários e, portanto, o que não tem remédio remediado está. O pior é que ontem ainda estava na cama e já estava a receber um telefonema que tive que atender. E, portanto, estou aqui e a pensar que já devia era estar a dormir. 

Mas antes de me ir deixem que partilhe convosco um poema de Luís Filipe de Castro Mendes dito por Catarina Walenstein que se calhar não tem nada a ver com o que antes escrevi mas é assim mesmo: as coisas, tantas vezes, não têm muito a ver umas com as outras. É também do mesmo poeta o poema do qual extraí o título deste post que, identicamente, não faz questão de ser coerente com tudo o mais que aqui está.

As fotografias de Giuseppe La Spada vêm ao som de She remembers de Max Richter


EM VOZ ALTA OS NOSSOS POETAS | 

Mozart a um anjo de Luís Filipe Castro Mendes por Catarina Walenstein


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Uma sexta-feira muito sexta-feira para todos
Alegria. Esperança. Saúde.

1 comentário:

Maria Dolores Garrido disse...


Gostei imenso de sentir a sua alegria pela alegria e sucesso de outras pessoas, sobretudo mais jovens. É muito bom quando se reconhece a capacidade dos outros e isso fica nos visados para toda a vida.
O post de hoje foi menos sarcástico do que outros, a que acho muito piada.
Um dia bom!