Com a casa virada do avesso, limpezas profundas em curso e a mente totalmente aberta à mudança, estou a aproximar-me daquela fase que me põe a adrenalina a esvoaçar dentro de mim como uma borboleta impaciente. A arrumação dos livros. Volta e meia é isto. Reorganização. Adoro.
Há tópicos que ficam mal resolvidos e que, sozinhos, fazem o seu caminho de forma a que a questão em aberto se transforme em imposição, em tema a resolver. Por exemplo: se tenho os autores portugueses arrumados na mesma estante, devo pôr tudo junto, seja ficção, ensaio, correspondências ou poesia desde que o autor seja português? Ou devo ter uma estante para poesia portuguesa? Outra para diários? E essa, então, dividida entre autores portugueses e outros? Ou, mesmo que não encha uma estante inteira, devem estar numa zona específica da estante dos portugueses? E devem ser autores portugueses ou de língua portuguesa? Brasileiros, angolanos, etc. Mas por zonas dentro da estante ou tudo de seguida desde que de língua portuguesa?
E depois os de ficção estrangeira: por ordem alfabética? Por nacionalidade? Por tipo? Os policiais, por exemplo, devem estar num local autónomo? Ou policial é ficção e o resto é conversa e, portanto, devem estar ao pé dos outros?
Dúvidas assim. Isto deveria aprender-se na escola. Ou deveria haver clubes dedicados à arrumação de livros. Uma pessoa não deveria ser deixada assim, à sua mercê, na mais completa das ignorâncias.
Dúvidas assim. Isto deveria aprender-se na escola. Ou deveria haver clubes dedicados à arrumação de livros. Uma pessoa não deveria ser deixada assim, à sua mercê, na mais completa das ignorâncias.
E depois aquela severa dúvida de fundo: livros lidos e não lidos: tudo ao molho e fé em deus ou os não lidos devem estar segregados? É que se forem misturar-se com os lidos, a gente perde-lhes o rasto, esquece-se da incumbência de os ler.
Mas, se for esta a opção, a de estarem segregados, como é? tudo na maior promiscuidade -- portugueses, japoneses, ensaio, filosofia, o que for -- e, de cada vez que se quer procurar, nada a fazer, é revirar tudo até que apareça?
Mas, se for esta a opção, a de estarem segregados, como é? tudo na maior promiscuidade -- portugueses, japoneses, ensaio, filosofia, o que for -- e, de cada vez que se quer procurar, nada a fazer, é revirar tudo até que apareça?
E tudo isto, claro, tentando conciliar as necessidades em termos de medida linear com as estantes existentes, com as zonas onde estão as estantes. Não vou, por exemplo, pôr os de língua portuguesa num lugar em que não caiba tudo e tenha que continuar numa outra divisão da casa, não é?
Penso que isto está é a pedir que eu crie um modelo matemático, quiçá recorrendo a programação linear, que me optimize o espaço e que obedeça às exigências e condicionantes concretas. O pior é que não atino com os critérios, senão a ver se não me abalançava. Coisas malucas é comigo (e falta aqui na frase a palavra 'fazer' para ficar gramaticalmente correcta mas, ainda assim, vou deixá-la ficar como está, com ar de coxa).
Olhem. Tive uma ideia -- e que ninguém se apodere dela; aqui fica publicada como a prova documental que a ideia é minha. Tal como existe uma Marie Kondo para arrumar roupa, preparem-se que, um dia destes, vão perceber que existe uma UJM que anda de casa em casa a arrumar os livros dos outros. Mas antes tenho que estudar a melhor forma de arrumar os meus, aproveitando para fazer tutoriais e tornar-me uma YouTuber, uma influencer. Capaz até de me pôr a falar em brasileiro para ter mais saída.
Com estes temas em mente claro que nem tenho cabeça para aqui escrever sobre outra coisa.
Mas o dia foi muito bom. Os leões estão em força. Aniversários nesta semana já são dois. Desta saison, já vai três. E não fica por aqui. Os leoezinhos pequeninos estão crescidos, qualquer dia uns teenagers, o mais crescido já com doze.
Tudo muito estranho. No outro dia, o meu marido estava com um álbum de fotografias na mão e perguntou qual dos miúdos era aquele bebé. Tive que me concentrar um bocado para perceber pois se, na verdade, me parecia um, aquele que de facto era, a verdade é que tinha ideia de que a minha mãe não tinha ido e afinal estava lá. E vi outras pessoas de quem já não me lembrava assim. Há uma fotografia, em particular, muito bonita. Um grupo de vistosas e sorridentes mulheres sentadas em frente de uma tapeçaria lindíssima. As cores do fundo diluíam-se na luz que envolvia o grupo e tudo estava harmonioso, elegante. Foi no baptizado do mais velho. O pai e a família paterna quiseram que houvesse baptismo. Tenho ideia que foi o meu filho e o meu marido que foram os padrinhos do menino. O meu filho ainda parecia um jovenzinho. E não é baptizado, ele. Se calhar por isso, é que o meu marido também foi. Se é que não estou a baralhar tudo. Ligo tão pouca importância a essas coisas que agora nem sei. Na volta não é nada disso. Que vergonha, credo. Devia saber isto.
Sempre achei que os baptizados são uma coisa sem qualquer sentido. Por isso não baptizei os meus filhos. Quando era miúda, treze anos, a minha tia quis que eu fosse madrinha da minha prima mais nova. Achei graça a isso. Já não frequentava a igreja, mas ser madrinha, coisa de gente crescida, achei boa ideia. Mas, quando os meus cunhados quiseram que fossemos os padrinhos do nosso sobrinho mais velho, não quisemos, parecia hipocrisia da nossa parte alinhar numa coisa em que não acreditávamos minimamente. Com os meus netos já foi diferente, pelos meus filhos e netos faço o que for preciso. Se quiserem que eu própria volte a ser baptizada pois com certeza, um mergulho na pia baptismal e lá vai disto, com benzedura a óleo (perfumado, espero) na testa e tudo.
Hoje o mais novo, o de três anos, queria ser ele a apagar as velas. Como não era o aniversariante, não o deixaram e, todo sentido, coitadinho, foi amuar para um canto. Fiquei logo com pena e com vontade que o deixassem fazer a vontade. Os pais não quiseram, dizem que tem que aprender que não pode ser sempre ele o menino dos anos. Fiquei com pena do menino. O meu filho perguntou-me: 'Qual é o mal? Não consegues lidar com a situação?'. De facto, não. Não gosto de ver os meninos tristes.
Hoje o mais novo, o de três anos, queria ser ele a apagar as velas. Como não era o aniversariante, não o deixaram e, todo sentido, coitadinho, foi amuar para um canto. Fiquei logo com pena e com vontade que o deixassem fazer a vontade. Os pais não quiseram, dizem que tem que aprender que não pode ser sempre ele o menino dos anos. Fiquei com pena do menino. O meu filho perguntou-me: 'Qual é o mal? Não consegues lidar com a situação?'. De facto, não. Não gosto de ver os meninos tristes.
Bolas... isto é do sono, só pode, já estou em piloto automático, já nem sei a que propósito isto veio. Vou acabar. E desculpem lá o desnorte do texto que começou nas estantes e acabou nos amuos dos meus ricos meninos. Que nonsense.
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Pinturas de Lasar Segall e Mercy de Max Richter
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E um sábado à maneira!
1 comentário:
Quanto ao título, pode sempre recorrer ao O'Neill:
"Uma coisa em forma de assim".
Bom fim-de-semana, de preferência, com assistência familiar.
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