quinta-feira, abril 04, 2019

Ser avó



Nobody can do for little children what grandparents do.  
Grandparents sort of sprinkle stardust over the lives of little children.  
– Alex Haley


Gostava de ter tido irmãos. Durante anos pedinchei à minha mãe que tivesse mais um bebé. Queria um irmão, de preferência mais velho do que eu. Contudo penso que não foi pela dificuldade na concretização do pormenor cronológico que tal não aconteceu. Penso que terá sido por o meu nascimento ter sido tão atribulado e assustador, quase me mandando desta para melhor e identicanente quase deixando a minha mãe fora de combate, que ela deve ter apanhado um medo de morte, resolvendo não arriscar outra vez.

Tinha primos e amigos sempre por perto pelo que nunca cresci solitariamente mas, claro, ter um irmão teria sido outra coisa. Já ter tido uma irmã poderia ter reduzido ainda mais a paz de espírito lá de casa. Digo eu. 


Our grandchildren accept us for ourselves, without rebuke or effort to change us, 
as no one in our entire lives has ever done, not our parents, siblings, spouses, friends,
and hardly ever our own grown children. 
– Ruth Goode


Depois foi a minha vez de ter filhos. Mal acabei o curso e estando já casada há dois anos, achei que não havia mais razão para protelar. Não me sentia jovem demais para isso. 
Aliás, ia parir apenas uns meses mais cedo que a minha mãe e bem mais velha do que as minhas avós tinham tido os meus pais. O meu avô paterno, quando soube que eu me ia casar aos vinte, disse que achava bem, que assim é que era mesmo, que a minha avó, por exemplo, tinha sido mãe aos dezoito. Já a minha avó materna teve a minha mãe aos dezassete, perdida de amores por um rapaz um pouco mais velho. E, quando morreu e se encontrou o seu registo de nascimento, ficámos a saber que toda a vida tínhamos festejado o aniversário dela na data errada porque, de facto, tinha parido ainda aos dezasseis e não quis que ninguém o soubesse. Portanto, sou filha e neta de jovens parideiras.

There is no grandfather who does not adore his grandchild.
– Victor Hugo

Veio, pois, a minha filha e algum tempo depois veio o meu filho. Já contei tantas vezes que não vou repetir o salsifré que foram aqueles dois partos. Presumo que aconteceu o que tinha acontecido vinte e poucos anos antes, quando nasci. Só que, nessa altura, ninguém se lembrou de usar fórceps para me puxar cá para fora, tal como não haveria meios para detectar que eu estava já em sofrimento, sem oxigénio suficiente, coberta de limos verdes, inanimada. Quando nasceram os meus filhos, sabia-se que estavam bem, os partos foram induzidos e eles tirados a ferros (a sangue frio), tendo chegado cá fora em bom estado. Felizmente, felizmente, felizmente. E tão feliz e eternamente agradecida fiquei que todos os dias aqui poderia descrever os partos, o prazer de senti-los a saírem de mim, o prazer de tê-los nos meus braços, o prazer de vê-los crescer, o prazer de vê-los felizes e a construirem as suas famílias.


It is as grandmothers that our mothers come into the fullness of their grace. 
– Christopher Morley

Como já contei muitas vezes, tivesse eu tido, na altura, uma vida mais fácil, com algum apoio familiar, e teriam vindo mais uns poucos. Sentia a necessidade de ter uma casa cheia de crianças. Assim, foram só dois.

E estar grávida e tê-los foi daquelas coisas que me marcaram, me realizaram, me encheram de orgulho e felicidade. E tudo de forma permanente. Preocupo-nos com eles, por vezes aborreco-nos, mas o aborrecimento é sempre superficial porque o afecto que por eles sinto é profundo e indelével. E eles são parte de mim e só estou bem quando os sei bem.

Mas o tempo passa muito rapidamente. Tempus fugit. 


Grandchildren are God’s way of compensating us for growing old. 
– Mary H. Waldrip

Ainda estava eu a digerir o facto dela sair de casa para ir viver com o namorado, já ela estava a casar-se. E foi um casamento lindo (contei-o em vários posts lá mais para trás). E a seguir foi o meu filho a ir viver com a namorada. E quando estava eu a digerir também isso, já aí vinha o primeiro bebé. E aí eu senti uma felicidade ainda mais imensa. Ver a minha filha, já mãe, com o seu bebé ao seu lado, foi mais do que consegui suportar. Chorei por não conseguir conter tamanha emoção. Já o contei: quis dar a notícia ao meu marido e o que consegui foi pregar-lhe um susto pois só chorava, não conseguia falar. E a seguir foi um bebé que se fez anunciar do lado do meu filho e a seguir um casamento e também um casamento lindo, a noiva a entrar pelo braço do pai, barriguda e feliz, e o meu filho emocionado a ver a a sua jovem mulher com a sua bebé na barriga. E pouco depois veio essa menina e eu fiquei, de novo, perdida de emoção e ternura e ver o meu filho com a sua filha pequenina ao colo encheu-me de uma felicidade que voltou a parecer inaugural. Mas já vinha outro bebé a caminho e foi outra alegria imensa e depois mais outro e a alegria não foi menor. Até que, depois de um pequeno intervalo, veio mais outro e a felicidade continua absoluta, infinita.


Grandma always made you feel she had been waiting to see just me all day, and now the day was complete.
– Marcy DeMaree

E os meus filhos queixam-se que, ao contrário do que acontecia com eles, com os menininhos eu deixo tudo, por eles faço tudo, e que comigo eles fazem tudo o que querem. E eu gostava de poder rebater mas não rebato, fico calada, sei que é verdade. Por eles eu perdi as reservas e só sobrou ternura, uma ternura imensa. E isto porque sinto um tal amor por cada um deles que não consigo fazer outra coisa senão amá-los perdidamente. E sei que falar nisto assim, tão excessivamente, pode parecer um exagero. Mas não é. É verdade, verdade em estado puro, e fica aquém, muito aquém do que sinto.

E, é verdade, agora já tenho a casa cheia de crianças.


Perfect love sometimes does not come until the first grandchild.
– Welsh Proverb

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As fotografias tal como as citações provêm do post Gift of Grandparents do blog de Steve McCurry . 

[Como é bom de ver o tema da canção Helplessly Lost do Passenger não tem nada a ver com o tema do post. Está aqui porque é bonita]

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Recomendação: evitem descer para não darem de caras com o Cavaco. 
Avisei.

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4 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Gosto tanto das suas crónicas familiares.

Um abraço.

Isabel disse...

Ora aí está uma coisa que eu nunca vou saber: o que é ser avó!
Já sei o que é ser tia-avó de sobrinhos-netos com os quais não convivo:(

Também gosto muito das suas crónicas familiares!

Beijinhos, senhora avó orgulhosa:)))

AV disse...

As crónicas familiares felizes deixam-me sempre com o coração quente e um sorriso nos lábios.

Um abraço,

Ana

Um Jeito Manso disse...

A todos,

Enterneço-me a escrever sobre a minha família, especialmente sobre filhos e netos. Sou mãe e avó galinha. Mas em versão fofa, não em galinha dominadora. Quando escrevo tenho que me conter para que a escrita não transpareça o estado de derretimento em que fico e para que não soe lamechas e ridículo. Se bem que isto de escrever de coisas de amor pode sempre ser um pouco ridículo, não é...?

Beijinhos e abraços!