sexta-feira, março 01, 2019

A beleza efémera das borboletas




A beleza efémera é qualquer coisa que me emociona. Por exemplo, se vejo a transparência e intangibilidade de todo o espectro cromático a atravessar um céu pesado e cinzento, penso que isso vai durar apenas uns breves instantes, um arco-íris perfeito a nascer para logo desaparecer como se fosse um golpe de magia,  uma aparição inesperada, fatal. 

Ou uma flor que nasce, perfeita, e que, passados uns dias, já não existe. Um espanto. Talvez por isso, quando me oferecem flores e começam a secar, deixo que sequem, deixo que fiquem assim, acho-as bonitas na mesma, tenho pena que acabem, custa-me deitá-las fora. A minha prima, há algum tempo, ofereceu-me um ramo de flores lindas. Ainda as conservo. Estão na jarra em que as coloquei na altura, continuam lindas.

E aquela borboleta tão bonita que tenho lá in heaven. Tão linda. Foi ficando lá, eternamente bela. E, no entanto, que vida curta teve.


Tenho, desde sempre, o prazer -- e a necessidade -- de fazer fotografia. Captar o instante. O instante breve, efémero, para sempre fixado. 

Quem escreve um livro, quem pinta um quadro, quem compõe uma música tenta conquistar a eternidade, deixar a sua marca para todo o sempre. Há quase um egoísmo, um lutar contra a efemeridade. Sabe-se que alguns autores ou pintores ou músicos editam e editam e editam a sua obra em busca da perfeição. Não querem correr o risco de deixar marcas da sua imperfeita humanidade.

Mas há algumas pessoas para quem não é bem assim. Há pessoas que fazem belas esculturas de areia sabendo que virá uma onda ou a chuva ou o vento e que toda a obra se esvairá, o trabalho tido em vão. Surpreende-me que, apesar disso, os autores se dediquem com um afinco total como se estivessem a produzir uma obra eterna. Acho que há nisso uma certa bravura e uma espécie de generosidade absoluta. São a excepção. São quem está mais perto do mundo da beleza natural, perecível, desinteressado. 


Volto às borboletas. In heaven há borboletas amarelas ou brancas ou castanhas e amarelas. Lindas. Parece mentira que existam. Parece mentira que apareçam, quase do nada, de onde menos se espera, uns seres alados, coloridos, perfeitíssimos, quase etéreos. Seres de uma coragem abnegada. Nascem para embelezar o espaço por onde andam e para dar a vida por outros seres. Um milagre quase incompreensível. Uma ficção em que ninguém acredita.

E, no entanto, quase não as vemos, como se fossem banais. Não são. São magia em estado puro.

As imagens que aqui partilho convosco são verdadeiras obras de arte, fotografias muito ampliadas de borboletas ou traças que integram a série Metamorphosis. O autor é Jake Mosher. Parecem pinturas, tapeçarias, obra laboriosa, inventada, infinitamente editada. 


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Que a beleza, em qualquer das suas múltiplas formas, vos acompanhe. 

4 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Ter o gosto de apreciar a efemeridade, no fundo, pode-se traduzir num gosto pela vida, sabendo que esta por mais longa que seja também passará. Perante a eternidade, então, somos como um suspiro.

Claro que "todos" nós procuramos um modo de permanecer além desse tempo que é o nosso* e é maravilhoso, sobretudo, permanecermos pelo amor que partilhámos. Se amamos, a obra que fizermos configura-se símbolo dessa partilha generosa, seja uma obra duradoura ou efémera.

Um rico fim-de-semana com muitas belezas no seu heaven.

*Erradiquemos a expressão "no meu tempo", pois o nosso tempo é cada dia da nossa existência.


Anónimo disse...

Olá UJM, toda a beleza é efémera e ao mesmo tempo eterna, depende de quem a está a observar. Para alguns um segundo é uma vida, literalmente. Para eles a beleza das borboletas será eterna.
Conheci um artista que fazia instalações temporárias. Sempre achei que as suas obras eram demasiado boas para serem desmontadas, mas ele diziam-me que o importante era conseguir fazê-las, tudo o resto era vaidade. Um bom fim-de-semana. Rita

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Gostei de ler o que escreveu. E sabe que me arrelio imenso quando ouço que 'no meu tempo isto e aquilo'? Acho até ofensivo como se já não vivêssemos, apenas tivéssemos vivido em tempos passados. Eu digo sempre: 'eu ainda estou viva e este é o meu tempo, o tempo em que vivo'

Os instantes são efémeros mas as memórias boas são duradouras, não são? E o futuro é feito de longos instantes à espera de serem vividos.

E um sábado feliz, Francisco.

Um Jeito Manso disse...

Olá Rita,

Palavras certeiras e acertadas, as suas.

E dá vontade de preservar as obras de arte efémeras, não dá? Parecem 'mal empregadas', sendo destruídas ao fim de pouco tempo. Mas na perspectiva de desaparecerem reside também o encanto de usufruirmos delas enquanto duram. E, quando existe esta espada do tempo a acabar, melhor se desfruta do que se tem, enquanto se tem.

Obrigada pelas suas palavras, Rita. E um bom sábado para si.