quinta-feira, outubro 25, 2018

Uma revolução na calha




Pois bem. A régua de tomadas que estava atrás da secretária já foi retirada e colocada na ponta da parede que vai ficar livre pois a parede vai levar a meio uma estante e não podíamos ficar sem tomadas à vista. Na parede da frente tem um armário fechado, na do lado tem outra estante e noutra uma porta-janela que dá para a varanda. Agora ainda tenho que tirar os quadros e um espelho que ainda estão nessa parede e arranjar-lhes outro paradeiro. Vai ser outra luta. Vai dizer que não gosta de esburacar as paredes. Mas a mudança das tomadas ficou muito bem, com calha e tudo. Ainda nem estou em mim. Já lhe disse que, se afinal leva jeito, tenho outros trabalhinhos em carteira. Não gostou da sugestão.


Agora estou é desejando que venham trazer as estantes. Não vejo a hora de virar a casa de pantanas, reformulando toda a organização da biblioteca. Ainda não pensei bem como vai ser. Se calhar, nesta alta e estreitinha que vem para encostar à coluna desta sala vou colocar a poesia portuguesa. Acho que esse vai ser o ponto de partida. 

Penso que o critério seguinte será o de, nas prateleiras de baixo das várias estantes, colocar os livros menos interessantes. Não dá jeito nenhum uma pessoa procurar livros em prateleiras ao nível do chão. Tenho que me dobrar toda ou sentar-me no chão. Um desconforto. Não dá para ser frequente. Por isso, para lá... o quê?

Não sei. Por cada ideia que me ocorre, logo a rejeito. Revistas Ler? Colóquios Letras? Não sei. Pouco interessantes não são. Menos susceptíveis de querer ir à procura de algum número? Não sei. Não sei mesmo.

Não é fácil.


Entretanto, estou com outro problema que carecia de resolução antes da revolução. A estante baixa, em cima da qual está a televisão, está a abaular. Tem dois metros e meio de comprido e deveria ter mais apoios do que tem ou, então, ter menos livros. Eu acho que deveria ser esvaziada e analisada para se perceber como desabaulá-la. O meu marido diz que não é marceneiro, que não faz ideia do que lhe fazer. Aliás, fez uma coisa que achei um disparate e que aceitei pacificamente porque achei que era temporária. Tirou os livros da posição normal e fez pilhas nas pontas para retirar peso do meio das prateleiras e para que sustenham as prateleiras de cima. Com isto só vejo as lombadas de baixo. Se quiser procurar um livro é impossível. Mas ele acha isto normal. Por ele ficavam assim. 

Como tenho os livros de literatura estrangeira por ordem alfabética de autores (não os russos, não os latino-americanos, não os brasileiros, não os portugueses e não os de séries completas de autores -- que esses têm espaços próprios noutras estantes) e nesta estante estavam, salvo erro a partir do S, tenho que ter a estante disponível pois, obviamente, entre os que estão agora espalhados há nomes a partir do S. 

Portanto, arranjar esta estante vai ser outra luta. Diz que por saber que uma decisão de ter estantes novas esconde uma série de mil outras decisões e que o trabalho acaba sempre por sobrar para ele é que tenta sempre adiá-las até mais não poder. 


E debato-me, internamente, com um grande dilema. Se não arrumo os livros novos, acabam por se formar montanhas deles, uma coisa ingerível. Mas, se os arrumo, perco-lhes o norte. Tenho a sensação que se perdem de mim. Só os encontro se me lembrar deles. Caso contrário, ali enfiados entre outros, perdem identidade, afastam-se de mim, parece que passam à história. Na última reorganização que fiz, deixei-os à larga para que fosse mais fácil manuseá-los caso quisesse puxá-los para fora. Mas é para esquecer. É como se ficassem arquivados, arquivo morto, esquecido, como se já tivessem sido lidos, como se já tivesse desistido deles. Por isso, prefiro-os por aqui, em pilhas ad-hoc.

Penso que a solução para este dilema passará por uma arranjar uma arrumação inteligente, acessível.


Tenho ainda um outro assunto para resolver. No que era o quarto da minha filha e que, quando ela saíu, açambarquei, há uma estante cheia dos livros, cadernos e sei lá que mais do meu filho. Conservou religiosamente todo o seu material de estudo mas não tinha onde guardar tudo quando se mudou para a sua casa que era pequena. Agora já tem uma casa grande mas nos pisos que estão habitáveis não tem espaço para mais livros e a cave e o sótão ainda não estão arranjados. Mas, logo que ele tenha condições para levar tudo aquilo, fico com mais umas prateleiras livres. Talvez aí pusesse enciclopédias médicas, livros de puericultura, plantas medicinais, coisas assim. E com isso libertava outras estantes.

Enfim.

Tal como aquele meu amigo caçador que vibra com a perspectiva de se levantar de madrugada, de chegar ao campo ainda frio e orvalhado, de sentir os rumores que se começam a levantar com a chegada da madrugada, assim eu com a chegadas das novas estantes, com a perspectiva de ter o chão da sala e corredor pejados de livros, com a emoção de voltar a tocar, um por um, todos os livros, com saber que durante dias esta parte da casa fica intransitável.

Parece loucura e, na volta, é.


E hoje passei por uma rotunda e já estavam a montar umas estruturas para as iluminações de natal e eu fiquei a pensar que passou já um ano desde que, o ano passado, me surpreendi com a mesma coisa. O tempo passa de uma forma um bocado inclemente. O que vale é que os meus livros não passam, não envelhecem, não são de modas.

E hoje é tarde, e eu adormeci em vez de me despachar e daqui a nada tenho que estar a sair de casa e estes tempos não andam fáceis e cai-me trabalho em cima de uma forma estúpida e eu tento lembrar-me que o povo é sereno porque os meus problemas são coceirinha inofensiva aos olhos de quem tem problemas de verdade.


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Partilho convosco dois vídeos que mostram duas casas extraordinárias. Eu que gosto tanto de decoração, pelo-me a ver casas assim.




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As pinturas que plantei ao longo do texto são de Egon Schiele

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Uma boa quinta-feira a todos

6 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Estou a ver que tem uma biblioteca mais preenchida quiçá que algumas públicas.
Bem sei que a capacidade de esperar é elemento fundamental de boa saúde mental, mas realmente ainda não ter as suas estantes, que seca. Foi por essas que o tal sofá de que lhe falei, mesmo ficando um bocado de fora do carro, veio logo direto. Na mesma compra fiquei servido de cadeira para a secretária.
Só falta um quadro, que vou buscar daqui a um bocado, e a expedição ao IKEA.

Boa 5f!

Pôr do Sol disse...

Querida UJM,

Acompanho as suas lutas todos os dias e vou gostar de saber como vai terminar essa revolução literária. Arrumar livros e revistas não me foi fácil.

A ultima vez que me meti numa dessas demorei mais de um mês e jurei que nunca mais. Decidi(mos) então que não se compraria mais revistas, só da Visão tinha muitas dezenas, o meu marido achava que alguns artigos seriam sempre uteis. Quando as quis dar, ninguem tinha interesse, nem estabelecimentos prisionais, nem bibliotecas. Aos alfarrabistas nem dadas.

Os livros foram outra odisseia. Em cada um que pegava, via dedicatorias, preços ainda em escudos, fazia a comparação, dentro encontrava fotos, poemas, recortes, o ultimo postal de Boas Festas de uma amiga que nos tinha deixado recentemente. Embora não seja saudosista nem agarrada ao passado, havia ali bocados das nossas vidas.

Depois de vistos era optar por arrumá-los por autor ou por tema? Acabaram por ser por autor o que por vezes quero reler alguma passagem e não me lembro por quem foi escrita.

Na arrecadação temos uma estante grande com livros escolares, alguns cadernos e dossiers nossos e da filha. O meu marido insiste em deitar grande parte fora, mas ainda não consegui. Descobri as primeiras redacções da minha filha, era assim que se chamavam as composições de hoje e os desenhos... uma delicia.

Nas férias fui mostrar os livros da mãe à minha neta mais velha e divertimo-nos tanto que de vez em quando pergunta-me quando vamos de novo ao "sotão".

Mas conservar tudo isto livre de pó não é fácil.

Compreendo que pô-los nas prateleiras como arquivo morto não é fácil.

Um beijinho e boas arrumações.





Janita disse...

Este foi um bom postal - ou post, como queira - que me encheu as medidas, UJM!

Falem-me em livros e em estantes, com muitas prateleiras, mas e o espaço? Esse grande óbice de que sofre a maioria da gente? Aí é que a porca torce o rabo.
Eu tenho montes de livros em caixas no sótão que acabam por ficar esquecidos, por não ter essa grande benesse de possuir uma divisão cheia de estantes, onde pudesse colocar todos os meus livros, de uma já longa vida, a que desse o nome de Biblioteca.

Ah, mas que sortuda é a UJM, para além de ter um marido, que é um "Cristo, mas em bom", ainda tem um companheirão que, mesmo refilando, lá a vai ajudando a realizar os seus intentos sejam de que ordem forem...e mais não digo.

Gostei muito de ir repousando os olhos nas belas pinturas, entre um desabafo e outro.
Excelente esquema de publicação.

Um abraço. :)

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

E o quadro é bonito? Espero que seja para o conjunto ficar harmonioso.

Eu também gostava de ter trazido mas tem dois metros e tal de altura e são duas para encostar uma à outra e mais uma outra para outro lado e não cabiam de todo no carro. E com portas de vidro e tão grandes, o melhor é não apenas contratar o transporte como a montagem. Senão seria uma trabalheira para a qual talvez não estivéssemos à altura.

Agora é verdade... não vejo a hora...

Eu depois mostro.

Uma boa friday, Francisco.

Um Jeito Manso disse...

Olá Querida Pôr-do-Sol,

Por causa do pó, quase todas as minhas estantes têm portas de vidro. Não é que não entre pó. Entra mas muito menos. Basta limpar quando o rei faz anos.

Também tenho os trabalhinhos e cadernos dos meus filhos. In heaven tenho uma arca enorme cheia. O meu marido também me diz que eu, a querer guardar tudo, nunca tenho espaço livre para arrumações. Mas não consigo deitar fora. São memórias, não é?

E de livros nunca me desfaço. Sou ciosa. É como se fossem preciosidades.

Quando começar a dessarrumar ou a arrumar, mostro.

A sua menina já deve estar grande, não? Uma companhia sempre cheia de alegria, não é?

Beijinhos, Sol Nascente!

Um Jeito Manso disse...

Olá Janita,

Começo por dizer que li o seu post do dia em que desabafou e compreendo a sua saturação e cansaço com tantas horas de espera. Imagino também o receio que deve sentir enquanto não lhe chegam os resultados. Espero que esteja tudo bem e que logo, logo, se veja livre de preocupações.

Tenho livros espalhados um bocado por vários sítios. Nesta sala onde estou é onde há mais mas são um bicho muito invasivo, espalham-se muito por aí.

Quanto ao meu companheiro de luta, só fisicamente é que dá ares de Cristo e é preciso algum esforço de memória, lembrando-o quando tinha cabelo pelos ombros. De resto, de santo não tem nada. Eu é que não venho para aqui expôr o seu lado menos favorecido, só o mostro segundo o seu melhor ângulo. ;)

E quando me faz alguma vontade, o que eu tenho que sofrer antes. Sabe lá.

Mas não me queixo. Estamos bem um para o outro.

Um abraço, Janita