sábado, outubro 07, 2017

As cores do calor de Verão no Outono in heaven





Está-se bem aqui. Muito calor de dia e sempre muito trabalho, mas bom na mesma.

Esteve cá um rapaz que tinha vindo fazer um arranjo e disse que, num lugar assim, nunca nada está feito porque há sempre coisas para se ir fazendo. É mesmo.

Depois calou-se. Parecia que tinha uma coisa para dizer. Baixou os olhos. Depois perguntou: 'Gostam muito da natureza, não é?'. Dissemos que sim. E, então, ganhou coragem e disse: 'No outro dia trouxe a minha mulher para ela ver. Ela andou por aí. Gostou muito. Os poemas, as pinturas. Gostou muito'. Sorri. Fiquei a simpatizar ainda mais com ele. Não é a primeira vez que acontece. Vêm fazer algum trabalho, acham graça, trazem as mulheres.


Mas não se dá conta disto. A natureza tem uma força gigantesca. O que as árvores crescem não tem explicação. Numa terra que é toda de pedra, e sem chover há meses, que fenómeno é este?

Quando toda a gente achava que era uma loucura eu andar a plantar arvorezinhas de um palmo no meio de pedras, eu dizia aquilo que tinha lido: que a verdadeira sabedoria era plantar árvores à sombra das quais sabia que nunca me sentaria. Perguntavam-me, então, para que as plantava. Respondia: para os meus filhos, para os meus netos. Acreditava, nessa altura, que nunca poderia eu usufruir da sua sombra. De facto, durante anos não medraram. Muitas morriam, muitas eram comidas pelos coelhos. E depois deu-se o milagre que não pára de acontecer todos os dias. Sento-me à sua sombra, caminho sob as suas perfumadas copas, ouço o cantar dos pássaros que nela se acolhem.


Mas as árvores têm que ser desbastadas, as silvas cortadas, o mato limpo. Só que, com o nosso pouco tempo de permanência cá e dado que, ao chegarmos, vimos com vontade de descansar, nunca fazemos um milésimo do que deveríamos fazer.

Hoje fomos comprar tinta para pintarmos a parede no sítio dos roços. Aproveitei para trazer um estendal de pé para, no inverno, podermos estender roupa debaixo do telheiro ou podermos deixar dentro de casa quando nos vamos embora e a roupa não está bem seca. E finalmente descobrimos uma escada desdobrável que serve também de escadote e que coube no carro. Lamentavelmente é pesada para burro, é de ferro, e ver-me-ei aflita se tiver que ser eu a levá-la para algum lado mais longe. Mas como espero não ter que ser eu a ir tirar folhas do telhado ou a endireitar alguma telha ou coisa do género, talvez não seja grave. A questão é que as mais leves, de alumínio, não cabiam no carro.


No entanto, aconteceu-me hoje aquilo que tantas vezes me acontece quando cá estou. Ajudei a descarregar as coisas do carro, entretanto chegou o canalizador que veio arranjar a coisinha que não tinha ficado bem, entretive-me a tirar os plásticos da escada e do estendal, andei por ali a fotografar e, quando o senhor se foi embora, peguei num livro, deitei-me no sofá e acho que não cheguei ao fim da segunda página. Dormi profundamente umas duas horas de seguida. Acordei com o meu marido a perguntar se eu achava razoável dormir tanto de dia e, todo com ar de censura, a antecipar que, à noite, haveria de me ir deitar a lindas horas.

Lá acordei. Disse-lhe: 'Apaguei'. E ele respondeu: 'Apagas sempre. És desregrada. Se não dormisses de dia, a ver se não ias cedo para a cama'. Como estava ainda estremunhada não o esclareci que não tem nada a ver. Em dias de trabalho não durmo a sesta (mas devia!) e deito-me tarde na mesma.

Fui até lá fora, olhar o céu, as árvores, a fruta que já escasseia. Os marmelos já foram apanhados. Há-de a minha mãe fazer marmelada que distribuirá pelos netos, por mim, pelo meu tio que talvez leve metade para a minha prima, talvez uma tigelinha para as duas vizinhas mais amigas. Depois vi um dióspiro. O último. Este ano não deu muitos. Fotografei-o.


Carnudo, dulcíssimo, um sumo delicioso, uma cor tentadora. Comi-o. A esta hora deve estar a correr-me nas veias. O meu marido disse há bocado: 'Estás com os lábios mais vermelhos'. Quando fui à casa de banho, vi-me ao espelho e confirmei. Deve ser isso, a carne outonal do dióspiro a misturar-se com a minha.

Isso e a romã. Que romã, oh deuses...!

Parámos numa senhora que, à beira da estrada, vende fruta. Fruta deliciosa. Maçãs-bravas-de-esmolfe doces e cheirosas que só visto, uvas douradas, ameixas negras e suculentas. O meu marido foi buscar uma romã. Fiquei admirada. Geralmente quer é que me despache, não é de andar a escolher coisas. Justificou-se: 'É diferente'.

E é. Ou melhor, era. Já não existe. Já me corre também nas veias.

Fotografei-a, antes, para vos mostrar. Casca rubra, linda. Até deu pena desfazer uma obra de arte tão perfeita. Comemo-la depois do jantar. Tão boa, tão boa. Nunca tinha comido uma romã tão boa. A ver se, quando voltarmos a passar por lá, ainda há mais destas. 


Bem. Voltando à minha (fraca) lida.

De útil depois de dormir, conclui as pinturas que o meu marido tinha andado a fazer, varri uns restos de entulho e enchi o carrinho de mão, andei por ali, arrumei a roupa que ontem tinha lavado, estendi a mangueira para regar à noite. Não tive que fazer jantar pois havia restos. 

Entretanto, as cores do pôr-do-sol foram tingindo as árvores, as paredes. O céu ficou ao rubro, verdadeiramente cor de fogo. Até a lua ficou tingida de luz ardente. E eu deixei-me ficar a olhá-la, o meu olhar sonhando nela.

Até que noitou mesmo. Depois, recolhemos a mangueira, as laranjeiras que estão tão secas já regadas, o resto não, que não queremos gastar água que tanta falta faz. E tomei um duche e fui jantar e telefonei e li e enviei mails (de trabalho que aos outros não, tanta a preguiça), fiz um pagamento, passei fotografias para o computador, li umas coisas -- e vim, então, para aqui para conversar um pouco convosco. E agora que já vos macei o suficiente e que a noite vai alta vou pregar para outra freguesia.


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E queiram continuar a descer. Apesar de haver muito a dizer a propósito da actualidade, hoje não me deu para isso, preferi ficar-me pelo registo a modos que entre a reportagem fotográfica e o diarístico e etc e tal. A ver se amanhã encontro disposição para falar nos alegados cálculos mentais do deputado, advogado e comentador televisivo Montenegro e do deputado europeu e comentador televisivo Rangel que, por razões familiares ($$$$), disseram que está bem abelha. Aquilo serve é para quem esteja a precisar de ganhar uns trocos, não para eles que estão bem como estão. Está bem, está.


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