domingo, agosto 31, 2014

'E se os bárbaros vierem desta vez?' e 'A palavra no osso' - Ana Cristina Leonardo no seu melhor no Actual e o Expresso de parabéns por saber valorizá-la. Os leitores agradecem.


Eu sei que, no post abaixo - no qual falei na oposição a sério ao Governo feita este sábado por Marques Mendes na SIC (e agora até me estou a lembrar que o PS e o PCP bem que poderiam aprender com ele em vez de andarem na brincadeira, como andam) - disse que o post seguinte seria sobre o que andei a fazer durante o dia e que ia mostrar fotografias e tudo.

Mas, como também referi, pelo meio ainda ia dar uma espreitadela ao Expresso. E assim fiz. E aqui estou para dizer uma coisa que me faz adiar para amanhã a reportagem fotográfica prometida.









E o que quero dizer é que gostei muito da crónica da Ana Cristina Leonardo 'E se os bárbaros vierem desta vez?'. Muito justamente o seu espaço no suplemento Actual do Expresso chama-se Isto anda tudo ligado pois de liaisons, geralmente pouco inocentes, se constroem os textos de Ana Cristina. 


Desta vez, começa por ir buscar a abertura de 'Este país não é para velhos' para citar Cormac McCarthy e para depois perguntar, ela própria, Como se enfrenta o Mal sem arriscar a alma?

Um pouco mais adiante, Ana Cristina  prossegue: É impossível para quem esteja minimamente atento ao que acontece no mundo, não ter dado conta dos profetas da destruição. Perseguições e limpezas étnicas e religiosas, mortandade desenfreada, violações de mulheres, raptos de jovens e crianças, execuções sumárias, gente enterrada viva, conversão ou morte! Como uma onda gigante que se adivinhou muito ao longe e que vem galgando o mar já próxima das margens. No terreno onde tudo isto germina jorram poços de ouro negro, estende-se uma manta de petróleo. Convém não esquecer. Perante isto há quem olhe atónito a televisão, leia, incrédulo, as notícias, vá sabendo coisas de que preferia continuar ignorante. Há cerca de 70 anos, a Europa despertava do pesadelo nazi levado a cabo em nome da superioridade rácica. Hoje o que se ouve são gritos de 'Allah Akbar'. A burocracia da morte foi substituída pelo tumulto guerreiro mas depois de Auchwitz ninguém terá perdão se desviar o olhar.


Mais uma crónica marcante de Ana Cristina Leonardo. 

Têm sido variadas e todas muito boas as suas crónicas. No outro dia escreveu uma outra cheia de sul, de sol, de cheiro a figos, de sons da infância. Sendo eu neta de algarvios que rumaram a norte mas que conservaram lá as suas raízes, revi-me naquelas palavras. São assim, como ela as descreveu, as recordações que tenho das estadias nas casas das tias e primas que por lá ficaram. Lembro-me das casas caiadas rodeadas de campo, da quietude noctívaga das casas, do latido abafado dos cães, da sombra de um gato a equilibrar-se num muro, da robustez das figueiras, do leite viscoso dos figos, do aroma inebriante das alfarrobas na zona de Loulé, lembro-me de uma casa grande e fresca numa rua de Faro, do olhar reptiliano das gaivotas e do gingado nervoso das andorinhas-do-mar, de faróis, do horizonte iluminado por traineiras, da rouquidão dos motores que passam ao largo apontando à barra, lembro-me de outras casas, de outras vozes, de outros calores. Estava lá tudo, na bela crónica de Ana Cristina.

Esta semana assina também uma excelente recensão: deu-lhe o título A palavra no osso e fala do livro Ouro e Cinza de Paulo Varela Gomes. Ultimamente têm sido bissextas as suas incursões nesta área e é pena. Esta de hoje não apenas está muito bem escrita como dá uma visão muito clara do que deve ser o livro e, lendo a sua opinião, dá vontade ir conhecê-lo. Quando regressar à cidade, irei certamente comprá-lo.


Transcrevo parte do seu texto: O rigor da informação presente na frase serve-nos de trampolim: (...), não existe na escrita de Paulo Varela Gomes uma palavra a mais nem uma palavra a menos. Apenas a palavra (eticamente) justa. Ao rigor da sintaxe alia-se o rigor semântico. Em contracorrente, o edifício de palavras construído por P.V.G. não corre o risco de se desmoronar no vazio. Aqui não há crochet, há carpintaria. Não há frases em bicos de pé, há proposições com sentido. 


Os seus textos e os de Pedro Mexia, quer nas crónicas quer nas breves (e irregulares no caso dela) recensões críticas são das razões que me fazem ter vontade de ler o Expresso, fidelizam-me como cliente do jornal em papel.

Depois de no outro dia ter criticado a falta de critério na selecção de alguns colaboradores para o Expresso Diário não posso agora deixar de felicitar o Expresso pela valorização de Ana Cristina Leonardo como crítica literária. E, se me é permitido, aqui deixo uma sugestão:  bem que a sua crónica semanal Isto anda tudo ligado poderia ter mais espaço e estar em lugar de maior destaque.



Critico quando acho que devo criticar, louvo quando acho que devo louvar. E isto aplica-se a tudo e a todos.


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A música lá em cima é Big My Secret de Michael Nyman e faz parte da banda sonora de The Piano. Acho que liga bem com a Ana Cristina Leonardo.

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E por tudo e por todos, permitam que vos diga que, caso queiram saber o que achei da charla semanal de Marques Mendes na SIC e do que acho dos socialistas e comunistas que nem a brincar sabem fazer oposição, deverão descer até ao post já a seguir.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores um belo dia de domingo.



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