Como é que se esconde um buraco negro do tamanhão do que se tem vindo a descobrir na Madeira? Inquietante. Quanto ao que se passa no Instituto do Desporto ainda não percebi. Falam sem conseguir usar uma linguagem precisa. Se se trata de facturas ainda não pagas, isso é o banal, não tem qualquer mal. Raras são as facturas que são pagas de imediato. Mas, do que percebi estão contabilizadas. Se for outra omissão, facturas escondidas na gaveta, será grave (embora coisa de ínfima dimensão).
Porque grave é a omissão, dado que provoca distorção de números, porque parece que isto é terra sem rei nem roque, uns mediterrânicos trafulhas, uma chafarica que nem contabilidade organizada tem - e é a vergonha em que isso nos deixa.
Quanto à entrevista de Passos Coelho, devo dizer que acho que esteve melhor do que eu estava à espera.
Claro e firme ao demarcar-se de Alberto João Jardim (que já reagiu, azedo), claro a responder às perguntas. Pena que o entrevistador fosse fracote. Mas enfim, lá foi perguntando e Passos Coelho, afável e directo, lá foi respondendo.
Por exemplo, gostei de ver a prudência pragmática com que abordou o assunto TSU.
A ver vamos.
Mas acho que esteve fraco quando assumiu que as despesas a cortar são as que Sócrates já tinha inscrito no orçamento de 2011 e que já vinha cumprindo. Não foi apenas para fazer o que Sócrates estava a fazer que ele foi eleito.
Também que esteve bastante fraco, débil mesmo, quando parece que não tem vontade própria e que se está a limitar a executar ou a divergir pontualmente da troika, não revelando quaisquer medidas integradas e concretas para relançar a economia que deveria ser, no momento, a grande preocupação (com a economia a definhar, a execução fiscal tenderá a enfraquecer e, de novo, mais uma dose de impostos - e o ciclo acelerará a caminho do zero, como já aqui o referi).
Teve também o que terá sido um deslize, ao deixar transparecer que estão em marcha negociações para renegociar a dívida, provavelmente pedindo um novo empréstimo. Não foi boa ideia dizer já isso. Os ditos mercados devem estar já com as orelhas a arder e vamos lá a ver se não vem aí mais um sobressalto.
Mas estamos a 3 meses do início e, abstraindo-me do que referi, surpreendeu-me pela positiva.
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De resto, estamos a viver uma situação deveras preocupante em que todos os dias caminhamos um pouco mais no sentido do empobrecimento, quando, pelo contrário, os povos deveriam caminhar sempre no sentido do desenvolvimento.
A situação mais que eminente de bancarrota da Grécia, provavelmente escamoteada através de um 'incumprimento controlado', a instabilidade financeira em toda a Europa, a fragilidade do euro, as condições impostas pelos chineses para 'ajudar', os avanços imparáveis dos angolanos e brasileiros, qualquer dia a tomarem conta disto tudo – tudo coisas que me incomodam e contra as quais me sinto espectadora impotente.
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Por isso, hoje não vou falar nisso para não me ia deitar aborrecida. Hoje vou falar de outra coisa. Vou falar-vos da minha casa, de que tanto gosto, o sítio do mundo onde melhor me sinto.
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No outro dia, ao ler a Marguerite Yourcenar referir que se podia sentir amizade por pedras, falei das muitas pedras que, in heaven, habitam o local e por quem sinto verdadeiro amor.
Já uma vez aqui o referi: o terreno foi, em tempos, uma pequena pedreira de onde era enviada pedra para as calçadas de Lisboa.
Por isso, nalguns locais a pedra está descarnada, à vista, noutros está coberta por uma fina camada de terra onde dificilmente medra qualquer coisa. Que, após anos de persistência, algumas árvores tenham vingado (depois de muitas, muitas, terem perecido) é quase milagre. Um senhor lá da aldeia uma vez, referindo-se àquela terra, dizia ‘Ah terra ingrata’. Eu sou incapaz de lhe chamar alguma coisa que soe a depreciativo pelo que direi que é, isso sim, uma terra que é preciso amar apesar das suas características. Está, em geral, absolutamente seca pois toda a água que lá cai infiltra-se imediatamente rocha abaixo e, passado pouco tempo, nem vestígio de gota de água.
Quando se quer cavar para plantar qualquer coisa só saem pedras e, frequentemente, são pedras tão grandes que se tem que desistir de ali tentar abrir algum buraco.
Por isso, o que lá nasce espontaneamente é mato bravio e das duas vezes que lá se meteu uma máquina a desbastá-lo e a alisar uma parte do terreno, a máquina, ao meter a pá ao chão para arrancar arbustos maiores, arrancou grandes pedras.
Lembrei-me então de dispor essas pedras de diferentes maneiras: umas como bancos, outras formaram uma mesa,
outras como belas esculturas naturais.
Em dois locais lembrei-me de as colocar como bancos dispostos em círculo. Nunca nos sentamos lá mas eu tenho o hábito de, de vez em quando, me colocar no centro de um deles (o outro círculo tem uma pequena árvore ao meio) e, dali, olhar o céu.
Curiosamente alguns anos depois de se ter feito esta ‘instalação’, li que o feng shui identifica que isso se torna um local particularmente auspicioso, um local quase mágico onde convergem as forças do universo, um local que transmite força a quem está no seu interior. E eu acho que sim.
Quando, há muitos anos, adquirimos esta casa no meio do mato, a casa já tinha a configuração que tem hoje. Um núcleo constituído por uma pequena construção muito antiga (secular, dizem) e, encostado, um ‘acrescento’. A parede interior desta parte mais recente é a parede exterior da parte antiga. Ora, essa dita parede tem para cima de um metro e meio de largura.
Como eu tinha falta de estantes (problema recorrente na minha vida) e como também tinha falta de espaço para as colocar, tive uma ideia luminosa: no corredor, escavar uma parte da dita parede e embutir umas prateleiras, transformando em estante a cavidade assim aberta. Bastaria cerca de 40 centímetros de profundidade.
O meu marido não achou nada bem não apenas porque era pó, sujidade e maçada de obras dentro de casa mas, sobretudo, porque a construção é antiga, não se sabia se era inócuo escavar. Mas eu, nestas coisas, sou persistente, maçadora mesmo, e tanto insisti que ele acabou por condescender, embora muito contrariado. Chamámos um pedreiro lá da aldeia. Estranhamente o senhor também se mostrou desconfortável dizendo não saber o que se ia encontrar na parede.
Eu não percebia tanta hesitação. A parede tem uma espessura tal que mesmo retirando-lhe, numa pequena extensão, uma dentada de 40 cm, ficaria ainda com mais de 1 metro de fundura. Qual o problema?
Mas o pedreiro coçava a cabeça e o meu marido já queria desistir. Cedi parcialmente, fazer-se-ia então uma coisa pequena, em vez da larga estante que eu tinha imaginado, quase ao longo de todo o corredor, apenas duas aberturas de 80cm de comprimento por cerca de 2 metros de altura e os tais 40 cm de profundidade, separadas também por 80 cm de parede, como se fossem duas estantes ao alto, inseridas na parede.
Deixámos a chave com o senhor e ele faria o trabalho durante a semana. Depois colocar-se-iam lá dentro prateleiras de madeira e umas portas de madeira com vidrinhos para minimizar a entrada de pó.
A semana passou.
Quando lá chegámos na sexta-feira seguinte, à noite, ia-me dando uma coisa.
À porta da casa estavam umas pedras monstruosas que dificilmente adivinhávamos de onde tinham aparecido.
Sem percebermos o que era aquilo, entrámos em casa. Um cheiro a humidade pouco usual. Uns cartões no chão até ao corredor. As ditas cavidades já lá estavam e já estavam cimentadas, embora ainda em tosco. Grandes tábuas escoravam as paredes assim revestidas, apoiando-se nas paredes contrárias do corredor e no chão.
O meu marido, contrariado, já me recriminava, ‘coisas que tu arranjas; mas se não levasses a tua avante, não descansavas’.
No dia seguinte logo de manhãzinha, apareceu o pedreiro. Ainda preocupado, dizia, ‘Sabem lá o que foi isto aqui. As paredes são todas feitas destes grandes pedregulhos, uns por cima dos outros. Não foi possível tirar só os 40 cm que os senhores queriam, para sair tinham que sair as pedras inteiras. Ficou aqui um buraco que nem queiram saber. O que a gente aqui penou. E o pior foi para conseguir tirar as pedras pela porta. Teve que se tirar a porta, teve que se chegar aqui à porta um carro com guincho, teve que se montar aqui umas alavancas para as conseguir pôr a jeito e passar uns cabos e foi mesmo à justa que se conseguiram tirar cá para fora sem ter que partir a parede que dá para fora. Estava a ver que eu e os meus ajudantes não dávamos conta disto. E agora já enchemos o buraco e está todo escorado para suster as pedras que se apoiavam nas que saíram’.
O meu marido olhava-me recriminador e eu assustada. A medo perguntei, ‘mas há risco de a casa se desmanchar toda…?’. O senhor disse-me que o medo deles ao retirar aquelas grandes pedras era que acontecesse uma desgraça dessas e que fizeram com muito cuidado, partindo dos lados para terem pontos de apoio para escorarem antes de as retirar, que fizeram esse trabalho com o credo na boca.
Isto já aconteceu há mais de 10 anos e está tudo bem, nenhuma desgraça aconteceu mas, quando penso nisto, ainda sinto um susto, o medo que a casa se tivesse desmoronado. É que vocês não estão a ver o tamanho das pedras que de lá saíram.
Colocava-se depois a questão: então e agora o que é que se faz a estas pedras?
O meu marido, sentido prático, atalhou logo, ‘é carregá-las daqui para fora, aí para um sítio qualquer, onde não estorvem a passagem’.
Mas eu, claro, que ‘nem pensar’. Pensei logo que era uma pena não lhes dar um aproveitamento condigno e, então, imaginei colocá-las num recanto das traseiras, onde existe um muro e umas azinheiras e fazer uma espécie de jardim zen. Colocava gravilha no chão e poder-se-ia ir para lá meditar.
Nova crise. ‘Jardim zen?! Só parvoíces! Sempre quero ver quantas vezes vais para lá meditar. Levam-se mas é lá para baixo e acabou-se.’
E eu que não, que não, perdíamos o rumo a essas pedras (e o meu marido ‘E então? Qual é o problema? Não são iguais às outras todas? Não inventes mais chatices! E só gastar dinheiro para nada’) e eu na minha, que jardim zen é que era mesmo bom.
Só que o dito local onde eu imaginava o jardim zen é do outro lado da casa, num recanto muito complicado. Ter-se-ia que levar as pedras por fora e entrar por um portão lateral e era difícil chegar com a camioneta onde eu queria.
Os meus filhos nisto eram relativamente neutros, mas pendiam mais para o lado do pai, parecia-lhes mais razoável, e também se assustavam com os sarilhos que estas manobras sempre envolviam. Máquinas para içar as pedras, pedras para cima do estrado de uma camioneta, máquina para desiçar – mas isso tinha que ser feito de qualquer maneira, excepto a última operação, se fosse apenas despejar ‘à balda’ (‘tinha que ser feito de qualquer maneira, dizes tu, porque se não nos tivesses metido nesta complicação toda, só para fazer 2 estantes que eram dispensáveis, a esta hora não andávamos aqui metidos nesta trapalhada de nos vermos livres de pedregulhos do tamanho de uma casa’, remoía o meu marido)
Mas depois de muita luta, lá consegui levar a minha adiante. Pois bem. Na semana seguinte já lá tinha o meu jardim zen e já lá tinha também o senhor a explicar como tinham todos suado as estopinhas para conseguir fazer o pretendido. O meu marido abanava a cabeça, censurava-me, censurava-se por ter alinhado numa aventura daquelas, todos achavam uma excentricidade incompreensível. Os pedreiros então, gente do cammpo, que nunca tinham ouvido falar no tal de jardim zen.
O meu marido voltou à carga: ‘Depois disto tudo eu sempre quero ver quantas vezes te vou lá ver a meditar’.
Passados mais de 10 anos, continua com essa conversa. Ainda não engoliu a ideia. ‘... Jardim zen…!’ ou então, provocador, gozão, 'então, não vais meditar para o jardim zen...?'
Pois... Mas eu não sou data a meditações, o que é que hei-de fazer?
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PS: De qualquer forma, para vos ajudar a vocês a meditar, sugiro que me acompanhem até à sala abaixo, vamos ouvir a loura 'Elina de Riga', vão já fechando os olhos para ouvirem melhor e, descendo um pouco mais, a seguir vamos até onde se fala e vê chocolate. Nham, nham.... Bon apetit.