terça-feira, outubro 05, 2010

Dia da Primeira Comunhão e Centenário da implantação da República



(Coisas de Casa)

Todos os anos na mesma altura, Maio segundo me recordo, começavam os preparativos para o dia da Comunhão. As mais pequenas iam de anjinhos, umas grandes asas nas costas, uma coroa de flores na cabeça, um vestido comprido.

Assim me vejo numa fotografia dessa altura, com 5 anos. O vestido branco comprido, cinto de cordão à cintura, sandálias abertas como se fosse de uma ordem mendicante; mas o cabelo comprido ondulava sobre os ombros tocado pelo vento e as flores na cabeça e as longas asas faziam-me sentir como se fosse, de facto, um ser celestial, especial – e as pessoas diziam que eu estava bonita e, de facto, assim eu me sentia.

Por isso, nessa fotografia, estou a rir, é festa, é descoberta e é alegria, tudo em estado puro.

Ensaiávamos a pequena procissão, a missa, os cânticos, e era uma responsabilidade e uma agitação, toda aquela coreografia, desfila, senta, levanta, canta, e, se não canta, está em silêncio e desfila, e leva uma cesta de flores, e sempre a sorrir, e sempre em silêncio. Ou então a cantar. Ave, ave Mariiiia, as vozes infantis enchiam a capela bonita e solene.

Por essa altura as rosinhas brancas e rosadas estavam floridas e enchiam o ar com o seu perfume. E havia uma flor com um nome extraordinário: gipsofila e era uma coisa quase mágica, aquelas florzinhas minúsculas que enchiam os arranjos florais, decoravam as jarras nos altares, davam um ar etéreo aos ramos, às coroas.

Depois, um ano, chegava o nosso Dia. Nós próprios, ex-anjinhos, éramos as estrelas do dia, éramos nós os primeiro-comungantes, sentíamo-nos bafejados pela sorte, era em nosso nome que tudo aquilo agora se organizava, avé, avé Mariiiiia, na Cova d’Iria.

E os vestidinhos brancos eram rodados e rendados, e os sapatinhos eram brancos, e tínhamos um pequeno e transparente véu e os meninos, se bem me lembro, iam de fatinho, alguns com calções e blaser e penso que tinham uma fita no braço e uma vela na mão.

À frente, novos anjinhos, meninos pequenos, ainda numa fase que nós já tínhamos ultrapassado e a quem agora dávamos conselhos, nós que já tínhamos atingido um estatuto superior.

E as famílias iam assistir e era como se colectivamente festejássemos um aniversário especial com banquete no final.

A capela perfumada, iluminada pelas velas gotejantes, os cânticos sentidos, a nossa responsabilidade reverente, a coquetterie da toilette, a cumplicidade com os nossos amigos, todos igualmente ansiosos, felizes.

Eram tempos de inocência e festa. O mundo inteiro pela frente, sem mácula. Não sabíamos de políticos, de campanhas de imagem, de desemprego, de globalização, de mercados financeiros, de crise, de impostos em cima de impostos, de crispações partidárias. Éramos felizes e não o sabíamos.

E hoje, dia da República, em que se comemora um dia de há muitos anos, um dia cheio de esperança e de crença num modelo de governação livre e democrático, apeteceu-me recordar o dia da 1ª Comunhão, em nome de todas inocências e de todas as alegrias passadas, presentes e futuras.
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