domingo, outubro 19, 2025

Chega -- ou como a comunicação social portuguesa deu um megafone ao populismo
-- Uma reportagem da Al Jazeera --

 

Há aquilo da atracção pelo abismo. Penso que isso é o que está na base da vertigem: mais do que o receio de escorregar e cair é o receio de não resistir à atracção pela queda. Quando tenho pesadelos, é frequente passar por situações em que vou num sítio alto, escarpado, numa estrada estreitinha em que de um lado é o abismo e parecer-me que, dê lá por onde der, a queda será inevitável. É uma sensação horrível. Lembro-me de ser pequena e de descer por uma escada muito estreita, esculpida na rocha, para irmos para uma praia que apenas tinha esse acesso. Os meus pais gostavam de ter a praia só para eles e, de facto, estando lá em baixo, era maravilhoso, parte do paraíso parecia feita só para nós: lagoinhas nos buracos das rochas, limos, algas, lapas, mexilhões, pequenos caranguejos, aquele odor a maresia, tudo do outro mundo. O sol rodava e podíamos procurar a sombra, havia sempre um rochedo que nos dava o desejado abrigo. Mas, quando se aproximava a hora de subir, já eu ficava outra vez nervosa. Sabia que quando chegasse a meio da escada e olhasse para baixo, sentiria um formigueiro na planta dos pés, aquele desamparo, aquela antevisão de que os meus pés poderiam soltar-se, de que eu iria voar sem apelo nem agravo até onde o abismo me sugasse. Nunca aconteceu mas esse medo nunca me abandonou.

Essa mesma atracção pelo abismo parece ter a comunicação social portuguesa. É impossível que os responsáveis da informação dos diferentes canais não saibam que ao promoverem o Ventura da forma como o fazem de há vários anos para cá estão a levá-lo ao colo até ao poleiro a partir do qual ele pode fazer estragos. Sabem que estão a levar o país até àquela zona de sombra onde todos os perigos estão à espreita. E, no entanto, não resistem à tentação de lhe dar todo o palco que ele quer.

Há mérito nele, não o nego: consegue arranjar sempre motivos para ter coisas para dizer. Ou é candidato disto ou daquilo, ou quer lançar o repto ou quer responder ao repto, ou quer criticar ou quer ameaçar ou quer defender-se. Quer sempre qualquer coisa. E sempre que ele o quer, e ele quer sempre, há uma câmara e um microfone ao seu dispor. Um dia inventou um chilique e as televisões foram atrás da ambulância, outro dia diz que vai ao Entroncamento e uma jornalista enfia-se no carro com ele e outros vão em carros que filmam o seu carro. Haja o que houver, aí está ele a ocupar tempo da antena, a invectivar, a insultar, a vitimizar-se. Tudo anedotas, tudo absurdos. Interesse jornalístico de tudo isto: zero. E, no entanto, porque sabem que ele, qual concorrente histriónico do BB, dá canal, não o largam. Mais do que defender a democracia e honrar a liberdade, o que os canais querem (todos os canais!) é aumentar audiências. Custe isso o que custar.

O vídeo abaixo mostra uma peça da Al Jazeera English sobre o assunto, e ali está tudo: o percurso do Ventura, desde o tempo em que comentaca crimes e futebóis até aos dias de hoje em que parece o emplastro das televisões, sempre presente. Só que não está calado, está a poluir o espaço público e a atrair os ignorantes, os incultos, os broncos, os ressabiados, os tontos, a gente má, os saudosistas dos tempos do breu, os invejosos, os criminosos, os tarados. E porque toda essa gente gosta de ser ver representada por um da mesma laia e é isso que as televisões mostram, aí está ele, cada vez mais perto de fazer estrago a sério.

Chega: How Portugal's media gave populism a megaphone | The Listening Post

O partido de extrema-direita português, Chega, já esteve à margem da política nacional, mas agora faz parte do mainstream.

O líder do partido, André Ventura, tornou-se uma das figuras políticas mais reconhecidas do país. A sua ascensão foi impulsionada pela sua experiência na televisão e pela sua persona mediática cuidadosamente elaborada. O antigo comentador de futebol tornou-se um showman político.

E ele foi amplificado pelos grandes meios de comunicação do país, que procuram audiência em vez de responsabilização.

Colaboradores:

  • Miguel Carvalho - Jornalista
  • Inês Narciso - Investigadora de Desinformação, Iscte-Iul
  • Anabela Neves - Jornalista, CNN Portugal

 

Desejo-vos um belo dia de domingo

8 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom eh eh colaboradores portugueses que só vêem o PS PS PS até espumam raiva, ainda não perceberam que o mundo mudou

Um Jeito Manso disse...

Nada tem a ver com o PS, tem é a ver com o facto de a mudança ser para pior, para desgraçadamente muto pior.

José Monteiro disse...

"O princípio do Fim, mudança de estruturas e mudança de regime". Conferencia de Joaquim Aguiar, na mesa com Adriano Moreira, há poucos anos. Um fim de maiúscula, a economia e sociedade em mudança rápida, que na cultura de empresa dos pp, dominada por lutas estéreis na AR, alternativas de governo sem soluções de continuidade, os profissionais alapados no mundo político, tanto são ministros como deputados a seguir ou autarcas ou vice versa. Os poliglotas do mundo politico da paróquia.

Anónimo disse...

o circo está aberto a todos os ursos, candidata-te.

Anónimo disse...

Quando o locutor diz "Correio da manha" sem til, nunca ele imaginou a verdade que está dentro desse erro! :-)

aamgvieira disse...

Só falta o tino de rans ......e umas burkas

aamgvieira disse...

"Primeiro, opera-se uma transumância de multidões de machos de mochilinha às costas e em idade de ir à guerra (nem que seja armados — para já — só de telemóvel); mouros de trabalho, diz-se e difunde-se pelas tubas da propaganda oficial sem nunca o provar, parece que pela falta de mão-de-obra nativa…

Segundo, espalham-se aqueles machos por reinos e império e mandam-se vir de mansinho as fêmeas em idade de procriar. Vieram antes os machos só de mochilinha, mas passeiam-se agora com a sua trouxa de duas pernas atrás, com a cria em gestação ou já de carrinho de bebé. Com subsídio e mais barriga para continuar…

Terceiro. Os nativos notam meios baralhados o que lhes está a acontecer: estão a ser sitiados na sua terra, na sua casa. Estrebucham (pouco, muito, em surdina, mas são sempre censurados; injuriados até!) E esgrimem (tentam) com leizinhas que encalham em leizorras, mas na realidade tudo isso é só a quinta coluna que mina toda uma civilização com dois mil anos descaradamente a ser tomada de assalto.
Os factos o demonstram, mas a insídia impera.
E prossegue:
No desacreditar dos receios sentidos e no aviso de todos aqueles que alertam.
E, no terreno, no encalhanço das leis, na teia da burocracia, enquanto na realidade as trouxas e as sacas de batatas parem nem que seja de burka, nem que seja num hospital particular, a expensas de quem…?
Em simultâneo o processo acelera-se e mais fardos são trazidos: gado velho, doente, paralítico, demente ou estropiado, o que seja, para fazer número.
A infecção alastra. Todos vêem; ninguém faz nada…
Ou faz.
Com ela, a infecção, vastamente alastrada, exigir-se-á nova ordem para (cuidam) domesticar o gado infecto que vai enchendo o curral. — Já se o vislumbra à porta de S. Bento, e por todo o império onde a infecção alastrou.
Os nativos (tidos também por gado desde o princípio) não tem salvação. Nem lugar. Adeus!,"

VER blog BIC Laranja

Um Jeito Manso disse...

Publiquei este chorrilho de disparates apenas para que se veja o que vai na cabeça de algumas pessoas. O medo, sempre a incentivar o medo, o medo contra os outros, sejam eles judeus (como na altura de Hitler) sejam os que vindos de longe tentam a sua melhor sorte. E esquecem-se de quando fomos nós, os portugueses, a ir para França, para a Alemanha, para aqui e para ali,