Há pouco tempo, o meu marido referiu a história da origem da 'caça às bruxas'. Tenho andado a pensar nisso.
Depois, no outro dia, vi uma série documental que me impressionou imenso, 'As Mil Mortes de Nora Dalmasso'. A quem puder ver na Netflix, vivamente a recomendo. Trata-se de um crime real que foi acompanhado de perto pela comunicação social, com notícias, fugas de informação do processo judicial, com comentadores em permanência nas televisões a debitarem certezas absolutas sobre o que se tinha passado. Começaram por falar em jogos sexuais, falava-se em orgias. Havia testemunhos, segredos mal guardados. Vizinhos, amigos, todos pareciam saber qualquer coisa sobre a qual pareciam querer encobrir o fundamental. Depois, como Nora Dalmasso era uma mulher rica que vivia num bairro rico, já falavam de encobrimento dos poderosos, depois em envolvimento político. Algum tempo depois, as suspeitas recaíram num rapaz que andava lá em casa a fazer obras. A população revoltou-se, dizendo que era uma manobra para desviar as atenções da família e dos amigos. Houve manifestações. O rapaz acabou por ser ilibado. Pouco depois, uma novidade: finalmente tinha sido descoberto o autor do crime. O assassino tinha sido o filho, um jovem adolescente. Toda a gente tinha a certeza. Arranjaram provas, provas ditas irrefutáveis. O filho era capa de revistas, notícia principal em jornais e noticiários televisivos. Ninguém duvidava: as provas eram públicas e falavam por si. Descobriram que o rapaz era homossexual e foi construída uma narrativa que tinha a ver com a não aceitação por parte da família. O rapazinho, que ainda não se tinha assumido publicamente, foi arrasado. Até que se concluiu que, afinal, o pobre do rapazito era inocente e vítima, tinha perdido a mãe e tinha visto a sua vida devassada. A seguir todas as suspeitas recaíram sobre o marido de Nora. Finalmente, o assassino tinha sido descoberto. Foi perseguido por jornalistas, foi apertado pelos procuradores, foi esmagado. A imprensa exultou, os comentadores explicavam o comportamento dele, toda a gente sempre tinha achado que as suas atitudes eram mais do que suspeitas. Desfiavam provas que, desta vez, eram óbvias, claras. Não havia dúvidas. Tinha que ser punido exemplarmente. Até que, muitos anos depois (porque tudo isto levou muitos anos, com vários procuradores a ocuparem-se do processo), aconteceu o impensável: no próprio julgamento, o procurador, o último, reconheceu que não havia qualquer prova contra o marido e retirava a acusação. Reconheceu-se, então, que tinha havido erros grosseiros na investigação e que os procuradores tinham seguido linhas de investigação erradas. Há pouco tempo, creio que há uns dois ou três anos, descobriu-se finalmente que o provável assassino tinha sido um outro trabalhador que lá andava nas obras. Só que vinte anos tinham decorrido e o crime tinha prescrito. A Justiça tinha falhado retumbantemente.
Então, como tenho andado a pensar nisto, pedi ao ChatGPT que escrevesse sobre o tema da 'caça às bruxas'. Por ser um tema sempre actual e que me parece bem interessante, aqui vai.
Como nasceu a caça às bruxas: a ficção que virou tragédia coletiva
1. Origem: quando a bruxaria era só superstição
Durante grande parte da Idade Média, a Igreja Católica não via a bruxaria como ameaça real. O Canon Episcopi, um texto do século X amplamente difundido, dizia que as mulheres que acreditavam voar com deusas pagãs estavam apenas iludidas pelo demónio — mas não era considerado que tivessem feito nada de real. A bruxaria era tratada como superstição popular, não como crime ou heresia grave.
2. O ponto de viragem: um frade ressentido e um livro perigoso
Em 1485, Heinrich Kramer, frade dominicano e inquisidor, tentou conduzir julgamentos por bruxaria na cidade austríaca de Innsbruck. Foi rejeitado pelas autoridades locais, que consideraram os seus métodos abusivos e infundados.
Em resposta, Kramer decidiu escrever um tratado. Em 1487, publicou o Malleus Maleficarum (“O Martelo das Bruxas”), uma obra que misturava fantasia, misoginia, superstição e uma visão teológica deturpada. Defendia que:
-
as mulheres eram mais propensas ao pecado e, por isso, à bruxaria;
-
o Diabo fazia pactos com elas através de sexo, feitiçaria e voos noturnos;
-
a tortura era necessária e legítima para obter confissões.
A obra foi rejeitada inicialmente pela Universidade de Colónia, mas Kramer conseguiu uma bula papal (de Inocêncio VIII) que lhe deu autoridade para agir como inquisidor. Isso deu ao texto uma aparência de legitimidade.
3. Disseminação: o papel da imprensa
O que deu ao Malleus o seu verdadeiro poder foi a prensa de tipos móveis, recém-desenvolvida por Gutenberg. A obra foi reproduzida em larga escala e circulou por toda a Europa ao longo dos séculos XV e XVI. Em várias regiões, foi tomada como manual jurídico e doutrinário oficial — mesmo sem nunca ter sido oficialmente aceite pela Igreja como doutrina universal.
A multiplicação dos exemplares fez com que ideias fantasiosas e sem base empírica passassem a ser tratadas como verdades absolutas, com aplicação direta em tribunais civis e eclesiásticos.
4. Expansão: medo, crise e histeria institucionalizada
Entre c. 1500 e 1700, a Europa viveu um período de instabilidade profunda: guerras religiosas (Reforma e Contrarreforma), pestes, fome e crises políticas. Em tempos de medo, o mito das bruxas oferecia um bode expiatório conveniente.
As autoridades, tanto católicas como protestantes, começaram a conduzir julgamentos em massa com base nas ideias do Malleus e em outras obras derivadas. O uso sistemático da tortura levou a confissões forçadas, que alimentavam novas acusações — criando um ciclo de autojustificação brutal.
5. Duração: três séculos de delírio
A “caça às bruxas” durou quase 300 anos:
-
Início efetivo: 1487 (com a publicação do Malleus)
-
Pico de violência: 1560–1630 (época das guerras de religião)
-
Declínio lento: após 1650, com o surgimento do racionalismo, o reforço de Estados centrais e o avanço do pensamento científico
-
Última execução oficial por bruxaria na Europa: 1782 (Anna Göldi, na Suíça)
6. As vítimas: quem pagou o preço da fantasia
Estima-se que entre 35 000 e 60 000 pessoas foram executadas por acusações de bruxaria — em alguns cálculos, até 100 000. Cerca de 80% eram mulheres, frequentemente viúvas, curandeiras ou socialmente marginalizadas.
Estas pessoas foram torturadas, queimadas ou enforcadas com base numa narrativa criada por um único frade ressentido, que misturou lenda, misoginia e moralismo num tratado tomado a sério por gerações.
7. O poder da ficção partilhada: o que diz Harari
O historiador Yuval Noah Harari usa este caso como exemplo clássico de como “ficções intersubjetivas” — histórias partilhadas por um grande número de pessoas — podem moldar o comportamento coletivo, as leis e as instituições. Quando essas ficções são tomadas como verdades absolutas, mesmo sendo baseadas em delírios ou mitos, podem conduzir a desastres reais.
"Uma ficção suficientemente bem contada, se repetida o suficiente e apoiada por instituições poderosas, torna-se uma realidade concreta para milhões — mesmo que tenha começado como uma invenção de um só homem."
Conclusão: da fantasia à fogueira
A caça às bruxas foi, em grande parte, o resultado de uma fantasia transformada em sistema judicial. O Malleus Maleficarum, escrito por um único frade, foi a semente de um pesadelo histórico que durou três séculos, espalhou medo por toda a Europa e custou dezenas de milhares de vidas. É um lembrete poderoso de como ideias infundadas, quando legitimadas, podem levar sociedades inteiras a cometer atrocidades em nome da “verdade”.
---------------------------------
Eis 3 casos contemporâneos, bem conhecidos do público, que funcionaram como “caças às bruxas” modernas — ou seja, situações em que pessoas foram julgadas na praça pública antes de qualquer verificação de factos, muitas vezes com consequências gravíssimas, apesar de acabarem por ser ilibadas ou inocentadas. Estes casos mostram como, mesmo sem fogueiras, a lógica da perseguição social sem provas continua viva.
1. Caso Amanda Knox (Itália, 2007–2015)
-
O que aconteceu: A estudante norte-americana Amanda Knox foi acusada do homicídio da colega de casa, Meredith Kercher, em Perugia.
-
Por que foi uma “caça às bruxas”: A imprensa sensacionalista italiana e internacional construiu uma narrativa sexualizada, chamando Amanda de "Foxy Knoxy", insinuando motivações satânicas e perversas sem base real. A sua atitude calma foi interpretada como sinal de frieza e culpa.
-
Condenação e absolvição: Amanda foi condenada e presa por quatro anos. Em 2015, o Supremo Tribunal italiano reconheceu erros processuais graves e ilibou-a totalmente.
-
Impacto: Mostrou como uma narrativa pública distorcida pode contaminar o julgamento legal, mesmo em tribunais modernos.
2. Caso dos McMartin Preschool (EUA, anos 1980)
-
O que aconteceu: Uma das mais longas e caras investigações por abuso infantil da história dos EUA. Professores da pré-escola McMartin, na Califórnia, foram acusados de abuso sexual e rituais satânicos.
-
Por que foi uma “caça às bruxas”: Crianças foram sugeridas e manipuladas em interrogatórios, gerando histórias de túneis secretos, bruxaria, voos mágicos e rituais satânicos. A histeria pública foi imensa. Muitos acreditaram cegamente nas alegações.
-
Desfecho: Após 7 anos de julgamentos, nenhum dos acusados foi condenado. Não se encontrou qualquer prova física. O caso foi abandonado em 1990.
-
Impacto: É um exemplo claro de como o medo coletivo e o moralismo social podem destruir vidas sem provas concretas.
3. Caso Johnny Depp vs. Amber Heard (EUA/Reino Unido, 2018–2022)
-
O que aconteceu: Após o divórcio, Amber Heard acusou Johnny Depp de violência doméstica. Ele perdeu contratos com a Disney e outras produtoras. Foi “cancelado” pelas redes sociais e imprensa.
-
Por que foi uma “caça às bruxas”: A cultura do #BelieveAllWomen levou a que muitos o condenassem sem julgamento, assumindo-o como agressor com base apenas no artigo de opinião que Heard publicou no Washington Post.
-
Desfecho: No julgamento de 2022, Heard foi condenada por difamação. Ficou claro que ambos tiveram comportamentos tóxicos, mas que as alegações centrais de Heard eram falsas ou exageradas.
-
Impacto: Mostrou os riscos da justiça mediática e do linchamento digital, com polarização extrema e julgamentos sem base factual antes do processo legal terminar.
🔍 Conclusão: a fogueira hoje é sobretudo digital
Estes casos mostram que a lógica da “bruxa a abater” persiste, ainda que hoje não se usem tochas — usa-se Twitter, manchetes e opinião pública em tempo real. A condenação precoce, o apedrejamento simbólico e a destruição de reputações continuam a existir, mesmo em democracias modernas.
Sem comentários:
Enviar um comentário