quinta-feira, outubro 27, 2022

Ensaio sobre a cegueira -- parte II

 

Já o contei algumas vezes. Não era especial fã do Saramago. Tinha lido o Memorial do Convento, gostei, voltei atrás e fui ler o Levantado do Chão. Também tinha a Viagem a Portugal que gostava de consultar. Nos seguintes vacilei, ou pelos livros em si ou porque não era a altura certa para os ler. Desaderi.

Até que, um dia, um amigo, alguém em quem sempre confiei no que se refere a livros, me disse que eu deveria ler o Ensaio sobre a Cegueira. Falei-lhe das minhas reticências. Ele assegurou que eu ia gostar. Acreditei. Fui ler. Às primeiras páginas ainda estava de pé atrás mas, se ele tinha insistido, eu devia afoitar-me até descobrir porquê. E depois não conseguia parar. Livro extraordinário. Lia até de madrugada. No dia seguinte ele perguntava onde é que eu ia. E eu, impressionada, contava. Ele dizia: 'Vai piorar'. E piorava. 

Livro mais agarrador, mais arrasador. Aqueles que cegavam podíamos ser nós. E eu alimentava a esperança de ser a mulher do médico, não uma cega. Depois disso, em muitas situações vi retratados os que se deixaram cegar e que viraram animais sem tino, cães esfomeados, sarnentos, sem dono.

Posso dizer que foi dos livros mais extraordinários que até hoje já li.

Depois deixei, outra vez, de ser capaz de ler livros dele. Mas aquele ficou-me marcado.

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E hoje, ao ver o vídeo abaixo, voltei a pensar no livro. Não que haja muitas parecenças no enredo mas porque, na realidade, o pior cego é o que não quer ver.

Todos nos deixámos enganar. Eu deixei-me enganar. Os Serviços Secretos de todo o mundo deixaram-se enganar. Apenas uma minoria conseguiu ter a presciência de ver o criminoso em potência que estava ali. E, no entanto, os crimes já se conheciam (prisões, envenenamentos, mortes inexplicáveis). Mas não queríamos ver. A ideia de haver ali alguém que se dava ares de civilizado, apesar de excêntrico, era-nos confortável. Por isso, íamos dando desconto. Perante todas as evidências, mantivemo-nos cegos. 

Vinte Anos de Putin a brincar ao ocidente -- em 3 minutos | NYT Opinion

Vladimir Putin, especialmente nos dias de hoje, é amplamente insultado. Para alguns ele é um criminoso de guerra, para outros ele é um ditador e para muitos ele é simplesmente um homem muito mau.

Mas nem sempre foi assim.

Vasculhámos imagens de vídeo de 20 anos de cúpulas internacionais, discursos e coletivas de imprensa e descobrimos um homem que uma vez foi muito respeitado: aquele que foi pescar e dançar com George W. Bush, que caiu em abraços calorosos com Tony Blair e cujo piadas fizeram os líderes da Nato rebolar de rir.

Como o vídeo revela, os líderes ocidentais já consideraram Vladimir Putin não apenas um aliado, mas também, aparentemente, um amigo.

Mesmo que estivessem simplesmente dando-lhe o benefício da dúvida para fins políticos, estavam fazendo uma aposta ingénua de proporções históricas: seja simpático com Putin, e talvez ele seja simpáticode volta.

É verdade que esse tipo de diplomacia pessoal obteve algumas vitórias significativas de segurança. Tratados de controle de armas foram assinados e Putin permitiu que jatos dos EUA atacassem os talibãs a partir de bases nos estados satélites da Rússia.

Mas quando os tanques russos chegaram à Geórgia em agosto de 2008, Bush descobriu que a sua amizade de oito anos com o líder russo lhe rendeu zero influência sobre as ambições territoriais de Putin.

Embora seja discutível se os governos ocidentais poderiam ter previsto o horizonte sangrento da visão de Putin, agora vamos esclarecer uma coisa: a diplomacia pessoal não funciona quando você mais precisa.

[tradução do google e tentativamente ajeitada por mim a partir do NYT] 


Isto no dia em o psicopata assassino assistiu a treinos de simulação de um ataque nuclear.  A besta a brincar com o fogo.

Vladimir Putin watched military training drills which intended to simulate a “massive nuclear strike response to an enemy attack,” according to a Kremlin statement


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Um bom dia
Saúde. Presciência. Paz.

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