No fim da jornada, fomos passear para a beira mar. Apetecia-me algo -- e perdoem-me mas não vou explicar porquê. Aliás, teria desejado estar despachada mais cedo mas a reunião da tarde alongou-se. Por isso, quando ambos pudemos (porque não fui só eu a não me despachar mais cedo), fomos.
Entardecia.
Pessoas correndo no paredão, pessoas andando de skate, pessoas de bicicleta, pessoas passeando devagar, pessoas simplesmente olhando o mar ou olhando o céu a enlouquecer, tanta a cor.
Com o animal peludo a puxar desvairadamente, a ir de pedra em pedra, a cheirar tudo, um entusiasmo, todo um mundo por descobrir, era-me quase impossível fotografar.
Pelo caminho tinha falado com a minha mãe e com a minha filha. Já a chegar, ligou o meu filho. Por isso, ia falando com ele enquanto aproveitava as delirantes cores do sol já posto para fotografar.
O pequeno urso ia pela mão do dono, de vez em quando abeirando-se de mim, pelo meio olhando para um lado, para outro, para trás, correndo em frente, parando, cheirando, saltando, verificando se estava tudo sob controlo enquanto tentava assimilar tantos novos estímulos.
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E, ao começar a escrever isto, passei pela 2 e estava a dar um documentário sobre Robert Mapplethorpe -- um grande documentário.
Tenho um grande livro de fotografia dele, daqueles que sempre tentei que os meus filhos não vissem. Há imagens que tenho que confessar que me chocam pelo que ali se vê. Receava a reacção deles, receava que pensassem que algumas daquelas coisas eram normais -- ou que me colocassem perguntas às quais teria dificuldade em responder. Tenho um outro sobre ele e a sua fotografia, menos provocador. Mas sempre de uma grande beleza. O seu próprio percurso é fascinante. Focado, ambicioso, excessivo. Sou sua grande admiradora. A estética, a pureza, a perfeição da composição, a depuração superam a estranheza que eu, por vezes, sinto. Muitas vezes, neste meu canto, aqui o tenho tido e certamente muitas mais terei.
Deixei-me ficar a ver e, por isso, agora já são duas da manhã, continuo com o sono ainda não recuperado, esta quarta feira tenho que madrugar... e ainda não comecei a falar do que tinha em mente. Já nem vou conseguir falar.
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E estive a falar de um grande fotógrafo e, em vez de aqui ter a sua obra, estou a plantar fotografias feitas por mim. É o que tenho à mão.
Não consegui fazer muitas, rapidamente caiu a noite e, sem concentração e com um urso peludo que, no meio da alegria, ainda se lembrou de fazer cocó ao pé de um casal de namorados e de fazer chichi ao pé dos bancos por onde passava (agora está a querer ficar um cão-machão: sempre que vê um poste, um candeeiro e, hoje, um banco, encosta-se e começa a querer levantar a perna), poucas mais fiz do que estas que aqui estou a pôr.
Como já era de noite e vi que, por não conseguir estar sossegada e porque as pessoas também não paravam quietas, as fotografias estavam a ficar desfocadas e como se as pessoas estivessem a ser agraciadas por uma chuva de estrelas, decidi parar e dedicar-me apenas à caminhada.
Fomos andando, conversando, aspirando a maresia. Há muito tempo que não íamos para ali. Fomos também buscar comida ao restaurantezinho onde, durante anos, íamos frequentemente à sexta à noite.
Soube-nos muito bem. Logicamente chegámos tarde a casa. Depois o meu marido ainda teve que acabar um trabalho e sei lá mais o quê. Só aterrei aqui já bem tarde e, se não fosse o Robert Mapplethorpe, certamente teria adormecido.
Sei que é aborrecido fazer um post e pôr-me a falar de meu sono mas é o meu ponto fraco. Tanto que preciso de dormir bem e, no entanto, tanta necessidade que tenho de fazer esticar os dias.
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Vou-me e vai ser mais um dia em que não consigo responder a comentários nem a um mail interessantíssimo sobre casas (e sobre o lado humano das casas). Já não consigo.
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Desejo-vos uma quarta-feira feliz
Boas notícias. Boa sorte. Tudo a correr bem.
6 comentários:
Bom dia UJM. Descobri a Vivien Maier há pouco tempo. As fotos de rua....
No documentário, a foto do punho bem que poderia chamar-se:
Cardeal contando votos. Domingo. By night.
Olá Lucy
Sim, conheço. A Vivian Maier apenas se tornou conhecida depois de morrer e por acidente. Alguém comprou uma série de negativos numa loja de velharias, sem saber o que lá ia encontrar. Um tesouro...
Já imaginou... uma pessoa nascida em 1926, com um emprego 'normal' e depois, nas horas livres, andar pela rua a fotografar... Extraordinário, não é?
Um dia feliz, Lucy.
Olá Estevão,
Essa agora fez-me rir... É que, o pior é que, assim de repente, nem percebi a que Cardeal estava a referir-se, pensei que era Cardeal de igreja mesmo, votos religiosos... sei lá... Mas logo percebi... no domingo, na noite das eleições.
Essa é boa...! Você é um ganda maluco, Estevão!
Documentário sobre Vivian Maier, in:
https://www.rtp.pt/play/p9923/a-procura-de-vivian-maier
Olá, Anónimo/a Admirador/a da Vivian Maier,
Vou ver, claro que vou. Obrigadíssima!
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