sexta-feira, dezembro 20, 2019

Apontamentos soltos na noite em que a Elsa soltou os cachorros





Os dias andam apressadamente, empurrados pela idade que vou acumulando, empurrados pela invernia, empurrados pela estranheza de ver o passado a crescer no meu rasto.

Em Abril eu comecei a querer resolver alguns assuntos com receio que se prolongassem e que, depois, se metessem as férias e as coisas se complicassem. Isso foi há muito pouco tempo e, no entanto, onde é que isso já vai? As férias vieram e passaram e eu, já outras preocupações a desenharem-se, quis que toda a gente apressasse o passo. Dizia: daqui a nada está aí o Natal e depois já se sabe como é. Em Outubro já as lojas estavam enfeitadas para o Natal e eu já a ver que o tempo estava a escassear; e agora as lojas já estão preparadas para a passagem de ano. E mal Dezembro começava a anunciar-se já eu estava com almoços e jantares de Natal e o meu tempo a ficar escasso. E eu no trabalho: 'Era isto que eu dizia, o Natal estava aí, e agora já aí está mesmo e daqui a nada já passou. Bem que eu quis antecipar'. Tanta coisa para fazer. Sempre tanta coisa para fazer.

Não há tréguas. No trabalho, em casa. E as compras. E o trânsito. 

À hora de almoço fui, numa corrida, comprar os dois presentes que faltavam. Mas qual corrida? Corrida contra o tempo, isso sim. Acidentes, muita chuva, trânsito parado. Na grande superfície, o estacionamento pejado.
Ah, Estimados Leitores, pudesse eu andar a pé, visitar o comércio local, ter tempo para vagarear... Acreditem. Pudesse eu.
Depois a loja a deitar por fora, um sufoco. Eu a querer despachar-me e aquilo cheio, as pessoas a encherem e a empatarem tudo. E eu no meio a fazer o mesmo. Depois filas para os restaurantes. Depois filas para as casas de banho. Depois filas para o trabalho. A passo de caracol, o tempo a passar e eu presa no carro.

E o mau tempo. As árvores tresloucadas, a chuva nem assim tanta naquela altura mas atirada contra tudo pelo vento.

Percebi o que ia acontecer. Disse que saíssem mais cedo. Saí eu também mais cedo para dar boleia a uma colega até ao comboio e para levar outra ao colégio dos filhos. Levei duas horas e meia para chegar a casa. Estava este temporal que se sabe. Fomos entretidas, mostrando fotografias no telemóvel, falando de pais, filhos e netos, conversando. Às tantas, estávamos debaixo de um plátano gigante e era como se o carro estivesse a ser torpedeado. Aqueles ouriços caíam disparados, fazendo estremecer o carro que, já de si, estava a ser açoitado pelo vento e pela chuva. E pequenos ramos voando. Na rádio, ouvíamos falar em árvores tombadas em cima de casas e viaturas e só desejávamos que não nos acontecesse o mesmo. Elas iam falando à família, sabendo onde estavam, dizendo onde estavam. Eu também. 

O meu marido chegou bem depois de mim. Sozinha em casa, coisa tão rara, aproveitei a oportunidade para ir para a sala de jantar e, em cima da mesa, separar presentes. É que, quando faço as compras, tudo sempre a correr, trago tudo a eito, em sacadas. Depois, levada pela embalagem, pus-me a separar as fotografias. Também já isso resolvido. 

A casa é que ainda não está enfeitada, só uns pequenos ramos com luzinhas na entrada. A ver se este fim de semana isso também fica. 
Agora por isso. No outro dia estava sentada à secretária e olhei para a janela. No edifício em frente, um Pai Natal daqueles que se suspendem nas varandas. Fiquei quase estarrecida. Ali? Como? Impossível. Levantei-me. Nessa altura entrou um colega e viu-me a levantar-me num sobressalto para ir ver melhor. 'Então?', perguntou ele. 'Estou a ter uma visão', esclareci. Mas, vendo bem, logo desatei a rir. Ele, de novo: 'Então...?'. Confessei: 'Alucinei momentaneamente. Olhe ali. Parecia-me um Papai Nöel.' Desatámos os dois a rir. Era um alpinista vestido de encarnado a lavar os vidros do edifício envidraçado, um edifício que nem varandas tem quanto mais pais natais pendurados.
Bem. 

Maço-vos, certamente, com estes nadas destes meus dias tão preenchidos. Sei que apenas ando a falar de irrelevâncias. Não posso falar do que se passa no meu trabalho e, para o resto, pouco tempo tenho tido. Acho que ando um bocado cansada. A verdade é que os rituais viram azáfamas. Se isto era para ser liturgia, diria que ficou lost in translation. Liturgia...? Meaning...?

Continuando.

A ementa do dia de Natal também já está fechada. Parte dos mantimentos já comprada, parte encomendada e não muita coisa pendente. Falta ainda tratar do que vou levar para o jantar da véspera que não é em minha casa. 

Até lá esperam-se dias animados e pouco tempo disponível. Pena é estar este mau tempo. A chuva faz falta mas, caraças, tem que vir com esta histrionia e a cavalo na Elsa?

Mas enfim, não vale a pena falar. É o que é. E episódios climáticos extremos cada vez hão-de acontecer mais frequentemente.

No trabalho, entre nós, já falamos sobre os dias entre o Natal e o Ano Novo e, porque uns estão e outros não, já estamos a pular a época festiva, é como se fossem dias omissos do calendário, e já estamos a agendar reuniões para Janeiro. Ou seja, para o ano que vem. Comemos o tempo, sem o respeitarmos.

E já estamos também a definir objectivos para 2020 e a dizer quando é que cada coisa vai estar pronta, se é primeiro semestre, se é último trimestre, se é ao longo do ano. O ano 2020 já tu cá, tu lá comigo. Como se já estivesse nele. E eu que detesto este ritual da fixação dos objectivos com estas métricas e rigores. Não acredito nada que isto seja fundamental para uma boa gestão. Uma coisa são orientações gerais, metas a ter presentes. Outra é isto de estratificar o ano e reduzi-lo a KPI's e outras fracas metáforas. Não acredito, não gosto, não tenho pachorra. Mas tenho que fazer de conta que estou alinhada para não desestabilizar as hostes por tão fúteis motivos.

É que eu, se pudesse, detinha-me era a viver cada dia como se fosse o último. Mas não posso, tenho que andar a galgar semanas, a correr atrás do tempo e a deixar que ele passe por mim sem eu poder dar-lhe o devido valor. Mas, enfim, isso não interessa para nada, são coisas cá minhas.

Ouço o vento enquanto escrevo. Não sei se está a chover, não ouço a chuva. Mas o vento sopra, silva,  sacode, quase assusta. Coitadas das pessoas sem casa ou que vivem em casas frágeis. Como transformar esta minha pena em alguma coisa de útil? Não sei.

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Fico-me por aqui. A primeira pintura é de Manet. A terceira é de Vanessa Mae. As duas últimas são de Chen Yiching. A quarta é a fotografia do vidro de um carro à chuva cujo autor desconheço. Das restantes não consegui descobrir.

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Desejo-vos uma boa sexta-feira.

2 comentários:

Anónimo disse...

NATAL sempre fora da cidade! Deus nos livre deo passar na Cidade! Longe, longe, longe! Que coisa mais horrível!

Um Jeito Manso disse...

Olá

Mas nem todas as pessoas têm família ou casa fora da cidade... Mas acredito que o Natal seja mais carismático e 'quentinho' fora da cidade. sorte dos que podem fazê-lo.

Abraço.