quarta-feira, abril 10, 2019

Não sei que nome dar a este post




Na televisão, o filósofo de outra nacionalidade dizia que de Portugal só chegam notícias felizes. Dizia que Portugal é um exemplo feliz. E eu também acho. Somos um país feliz, luminoso, diverso. 

Claro que se fizermos zoom começam a aparecer as pequenas histórias. 
A jovem que se enclausurou num compartimento da casa com medo do agressor. A mulher que chora por ter sido agredida e agora a filha, que testemunhou as agressões, está a ser ser obrigada pela Justiça a estar com o pai de quem tanto medo. A mulher que vai fazer um exame médico difícil, que lhe pode trazer más notícias. O homem que vê ser nomeado para seu

chefe o seu colega de quem tem secreta inveja e por quem alimentou durante anos uma imensa raiva. A jovem que sente ter tanto para dar e a quem, no trabalho, tão pouco pedem apesar de haver tanto para fazer. A mulher a quem morreu o marido e que quer reaprender a viver. O homem talentoso que trabalhou numa empresa que era de sucesso e que um dia faliu e que agora se vê atirado para um trabalho que abomina. 
Mas isso são as pequenas histórias, coisas das paredes para dentro, coisas da pele para dentro. Ninguém vê.

O mundo muda, sempre mudou. Chegou a máquina a vapor e tudo mudou. E o facto de já ninguém saber o que é uma máquina a vapor também já não interessa para nada. E um dia, tinha eu uma máquina de calcular que fazia cálculo científico e que tinha funções trigonométricas e de todo o tipo e fui dar com dois senhores, numa sala sombria ao fundo de um corredor ao cimo de uma escadaria que partia de um pátio interior, a fazerem registos numa máquina muito grande, parecia um tear, e davam à manivela para a frente para contas de somar e para trás para contas de subtrair. E pareciam que tinham saído de um filme pré-histórico e pareciam realizados e felizes com o que faziam. E eu achei que alguém se tinha esquecido deles ali. E apesar de o sítio onde isso se passou ser agora um edifício abandonado acho que é possível que eles ainda lá estejam a dar à manivela. 

E eu vejo à minha volta muita gente nova com conversa nova e hábitos diferentes mas inserida num meio velho, de uma outra era, com métodos e procedimentos calcificados, esclerosados. O mundo muda muito rapidamente. E os jovens vivem num país maravilhoso, luminoso, capaz de mudanças corajosas mas que, vendo em zoom, parece querer manter-se imóvel.


E os programas de televisão e os jornais e os livros e as montras das lojas e a gente na rua -- tudo parece não ser capaz de ir buscar o talento novo, a coragem de irromper, o olhar novo, as palavras que transportam a semente da mudança.

Parece haver um casco que protege o mundo velho e uma película que envolve o mundo novo. E não é quem está dentro do casco que tem que ir revolucionar o mundo. Quem está dentro da película é que tem que irromper e fazer-se ao mundo, soltar as asas, voar.






Isamaya Ffrench é a maquilhadora que fascina os millennials

Nick Knight é um fotógrafo muito à frente

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10 comentários:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

"E os programas de televisão e os jornais e os livros e as montras das lojas e a gente na rua -- tudo parece não ser capaz de ir buscar o talento novo, a coragem de irromper, o olhar novo, as palavras que transportam a semente da mudança."

É verdade! Existe um paradoxo tão grande entre as coisas fantásticas que se fazem, entre as pessoas de espírito aberto ao mundo e aos outros e a promoção da mediocridade, do exibicionismo, da invejice, enfim do retrocesso civilizacional quando se vendem verdadeiros mangas-de-alpaca como sumidades, se eleva o pensamento mágico e a pseudociência à vanguarda das ideias, ou quando se confunde o elevador social com dinheiro e imagem para esfregar na cara dos outros e para se poder beijar a mão dos DDT tão odiados outrora.

E agora...ruuuuuuuuf, pling: Modelo Neuroafetivo/da Neurociência Afetiva de Panksepp:

O Modelo Neuroafetivo de Panksepp* define que a personalidade tem como base sete sistemas emocionais primários subcorticais e comuns entre os mamíferos – Seeking, Anger, Fear, Lust, Caring, Sadness e Play – cujo continuum evolutivo se pode traçar sobretudo a partir dos répteis, mormente quanto aos quatro primeiros sistemas listados.
Os sistemas emocionais primários (anoéticos) correspondem, assim, aos circuitos de ação geneticamente codificados e não-condicionados que antecipam as necessidades-chave de sobrevivência, apresentam uma homologia estrutural e química semelhante entre os mamíferos, assim como padrões responsivos específicos associados aos afetos que lhes estão subjacentes. Estes processos emocionais primários estão na base processos secundários de aprendizagem emocional assentes no condicionamento clássico e operante (noéticos), além de contribuírem para a definição de funções superiores terciárias como as funções cognitivas executivas, a ação intencional ou, em modo top-down, a regulação emocional (autonoéticos).

A partir deste modelo desenvolveram-se as Affective Neuroscience Personality Scales – ANPS (Davis & Panksepp, 2011) que configuram um racional que se orienta para a definição de um substrato biológico ao modelo de personalidade descritivo dos “5 Fatores” (FFM – Five Factor Model). As escalas correspondem a seis dos sete sistemas definidos, tendo sido excluído o sistema Lust, mas incluída uma nova escala – Spirituality.
Todas as escalas correlacionam-se fortemente com pelo menos uma das escalas FFM, excetuando-se a escala Spirituality, confirmando o alicerçar dos “5 fatores” nos seis sistemas referidos:

- Seeking – antecipação de experiências positivas com base na curiosidade, capacidade de resolução de problemas e gosto pela descoberta;
- Anger – irritabilidade, frustração, agressividade verbal e/ou física;
- Fear – tendência à ansiedade, preocupação, dificuldades na tomada de decisão, ruminações, tensão, problemas de sono;
- Sadness – angústia face à separação, sentimentos de solidão, saudosismo face a relações anteriores ou pessoas amadas;
- Caring – gosto por cuidar dos outros, tendência a gostar de crianças e animais, bem como empatia para com pessoas necessitadas;
- Play – tendência ao jogo social baseado no contacto físico, no bom humor e na diversão;
- Spirituality – sentido de ligação à totalidade da vida e de unidade com os outros.

Usarei estas escalas para aferição das dimensões de pesonalidade dos meninos.

*Jaak Panksepp (1943-2017) foi um neuropsicólogo de origem estoniana que desenvolveu estes pressupostos a partir de estudos interespécies. Aqui vai um TEDx com o próprio a falar sobre a matéria: https://www.youtube.com/watch?v=65e2qScV_K8

Tenha uma bela 4.ª féria!

Paulo Batista disse...

..."Quem está dentro da película é que tem que irromper e fazer-se ao mundo, soltar as asas, voar."

"There is no time"

https://youtu.be/ygNAnIG8g_E

Um Jeito Manso disse...

Francisco! Ganda lição!

Gostei. Só não gostei que dissesse que ia aplicar aos meninos. E às meninas não? Estava eu a encaixar-me ali, a achar que rebento a escala do Seeking e um bocado bom de Caring e também um bocado de Play e de Spirituality e vai o Senhor Doutor e dá a entender que isto é só para meninos. Não está bem. Tem que adoptar a moda Zippy: para o menino e para a menina.

:) Estou a brincar.

A sério: nas crianças já dá para analisar segundo esta escala? Não é necessário ter a personalidade mais definida?

Estas matérias despertam-me muito interesse. Vou ver o vídeo.

Obrigada! E uma bela 5ª feira.

Um Jeito Manso disse...

Paulo! Lou Reed? Boa!

Não conhecia esta. Estive a ouvir e só não me levantei para dançar porque estou mais para ir para a cama do que para a pista. E estive a ler a letra não fosse alguma coisa ter-me escapado.

Não há tempo.

Força! Vá de "fazer-se ao mundo, soltar as asas, voar."

Uma bela quinta-feira.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Olá UJM,

O português tem o terrível defeito de ter um neutro machista...Hahaha

Esteja descansada que estas escalas são para adolescentes em diante...Hehehe

As meninas e os meninos são estudantes de medicina...Hihihi

Será um estudo longitudinal com recolha de dados no 2º e 3º ano, para ver como evoluem as características e as correlações entre elas, nomeadamente a capacidade empática.

Rico soninho.

Paulo Batista disse...

Esqueci-me de dizer que desse álbum, a minha preferida é a the last great american.
E de álbum ao vivo, gosto muito da reedição do berlin de 2008 (também está no YouTube completo).
Também tem um álbum que gosto muito (mas a crítica não achou grande piada) dedicado a recriações musicais de contos do edgar allan poe.

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Estava a brincar. Quando ouço um político a dizer 'portugueses e portuguesas' penso logo que o tipo é parvo.

E agora a sério: será que há escalas mais populadas por homens ou mulheres ou não tem a ver com género?

E isso do soninho... estou mesmo cheia dele. Hoje adormeço de minuto a minuto. Tenho andado a levantar-me muito cedo e como não consigo compensar indo cedo para a cama, fico assim.

Uma bela sexta-feira!

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Last great american whale, não é? Já ouvi. Gostei, claro. Intemporal, não é?

Pronto, agora vou ter que ir à procura para ouvir essas com letra do Edgar Allen Poe. Não sabia. Curioso. Como descobre tudo isso...?

Paulo Batista disse...

Olá UJM,

Sim, essa mesma. A letra é fantástica. Da leve referência ao moby dick e da consequente reflexão sobre a condição humana no geral, passando pela crítica contundente à sociedade americana... bem... fantástico mesmo! E depois aquela voz fantástica do Lou Reed... os arranjos sempre de grande nível e, neste álbum em particular gosto muito da secção rítmica.

Quanto ao Raven (o tal álbum em que procura musicar alguns contos de edgar Allan poe) fui agora verificar no YouTube e realmente não o encontrei organizado (tenho o cd...).
Mas encontrei esta que é a minha preferida desse álbum:
https://youtu.be/jhWJk0aAyPc

Ps: não se esqueça que amanhã é sexta-feira! :p Tenha uma boa noite e amanhã um bom dia!

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Tenho estado a ouvir. Não sei porquê mas a verdade é que comecei por estranhar. Aquela coisa do primeiro estranha-se... E agora já está a entranhar-se. Jamais chegaria aqui se não fosse pela sua mão. Obrigada, Paulo.

E sabe lá, a sexta-feira foi um dia cheio, e, de facto, um bocado sem dar bem conta de a quantas ando.

Acho que é também isto de estarmos a falar no mês da Páscoa, semanas com dias a menos, o 25 e o 1º. E sempre a querer encaixar mais 'cenas' em semanas já repletas...

Enfim... Espero que os seus dias estejam a correr bem!

Uma bela semana para si, Paulo.