domingo, março 18, 2012

A magia do Ginjal, um lugar de casas abandonadas e de veleiros, pescadores e gaivotas, o lugar de onde Lisboa é mais bela, o lugar em que o rio corre impaciente até se perder no grande oceano


Música, por favor

Claude Debussy - Sirenes



Há um lugar que é pouco mais que uma longa rua. Esse lugar é, para mim, o mais belo do mundo. 


Assim são as janelas neste local, assim são as pareces deste casario

Nesse lugar apenas há casas de um dos lados da rua e são casas esventradas, destelhadas, paredes gastas, janelas sem vidros. Ultimamente as paredes aparecem escavadas, alguém abre buracos para entrar naqueles espaços vazios, sujos. Por vezes, à noite, vem um cheiro a queimado lá de dentro, talvez façam fogueiras, não sei, não se vê ninguém, à noite é um lugar deserto, um pouco assustador. Outras vezes, de dia, de uma das raras casas habitadas vem uma música alta, e acontece que alguém abre a porta de chapa, afasta o pano sujo que serve de cortina, assoma para espreitar e logo se mete para dentro.

Na estação dos barcos, vulto de homem que espera, reflectindo os restaurantes cá fora
Lá dentro a imagem do rio e a grande cidade, do outro lado

Num dos lados, essa rua vai dar a um largo onde geralmente cheira a carvão e a peixe assado e ao qual chegam pessoas que saem dos barcos a correr, com sacos nas mãos e que, sempre a correr, se dirigem para os autocarros ou para o comboio.

Na outra ponta, a rua vai ter a um pequeno jardim e, a  seguir, a um fontanário e dali segue por uma rua que sobe para zona antiga da cidade. A essa zona alta da cidade que se debruça, lá em cima, sobre o pequeno jardim, chama-se Boca do Vento.

Hoje, de lá lançaram-se, que eu tenha visto, três pessoas. 

A primeira foi uma mulher que voou em silêncio, passou pelas árvores, pelos telhados, voou como um pássaro suave. 

A mulher suspensa e silenciosa.
Lá em baixo, casal que passeia rente ao rio, fotografa  esta mulher corajosa

A seguir foi um homem que se atirou com elegância e em silêncio, como se mergulhasse no espaço. 

Homem que voa como se fosse nadar, contido, elegante, também silencioso

O terceiro era um histriónico, gritou, saltou no ar, gritava não sei se de susto, se de alegria, os seus gritos rasgavam o lugar, penso que era o mais jovem.

O terceiro a voar: ruidoso, agitado, encheu o peito de ar e voou como um pássaro jovem

Do outro lado dessa rua não há casas porque essa rua acompanha o rio. Um casario degradado e digno de um lado e o rio largo e azul do outro. E depois Lisboa.

Nesse lugar mágico, a manhã hoje estava estava húmida, uma leve névoa envolvia o rio e as árvores do pequeno jardim. Em dias assim a magia é ainda maior.

A envolvência deste lugar único - o rio sobe aos telhados, os veleiros quase roçam o céu

Hoje o rio estava cheio de veleiros, veleiros de todas as cores e tamanhos, veleiros sobre os telhados, veleiros no meio das árvores. 

Este jardim que desce até ao rio tem relva e os veleiros vêm abrigar-se junto às suas árvores

E os gatos, depois de tantos dias de sol, estranhavam esta fresca humidade e deslizavam intrigados, abrigando-se debaixo dos arbustos. 

Um gato silencioso que desliza com subtileza e que vem esconder-se no meio dos arbustos

E olhavam, admirados e discretos, querendo uma explicação para esta alteração da ordem natural das coisas.

A gata dos olhos verdes que sempre me olha, cúmplice, e que se imobiliza enquanto lhe falo

Outro esgueirava-se pelas rochas, espreitando, e eu falei com ele e ele parou para me ouvir. Era aquele belo gato malhado de lindos olhos verdes que já fotografei outras vezes. Gosto de pensar que é uma gata, a gata que se esgueira pelos buracos e desaparece nas paredes, a gata que ama este lugar tanto como eu.

Barco de guerra, tão grande que quase questiona a harmonia da escala mas que, avistado daqui,
perde qualquer vestígio de belicismo, é apenas um navio pousado no rio e abrigado junto às árvores

Do outro lado do rio, mais a oriente, um enorme porta aviões, outra escala, outra coisa. Mas estava também aqui, abrigado debaixo destas árvores escuras que hoje destilavam uma humidade fresca.

Os verdes e as sombras, a intimidade e a paz de um local que acolhe todos os afectos

À noite este lugar está deserto, apenas vagas sombras solitárias se arriscam a atravessá-lo mas, de dia, há sempre uma ou outra pessoa que contempla a beleza e fica em paz, ou casais que se abraçam e que estão também em paz e doçura.

O pescador que espera o peixe, que aspira a maresia, que lava os olhos, que lava a alma

E há os pescadores que aqui estão também em paz, e a harmonia entre as suas figuras, o rio, os veleiros, a cidade do outro lado, é total.

Passaram por mim, indiferentes a quem passa, concentrados nas suas ideias: o pescador e a gaivota

E há as gaivotas que ora se elevam no ar e, com as suas longas asas, descrevem arabescos, planam, mergulham no rio, ora se colocam em contemplação, solenes, indiferentes. Ou, então, passeiam-se na rua, olhando a paisagem, as paredes, as janelas e, ao vê-las, sinto que são mulheres como eu. Ou seguem os pescadores, irmãs e amigas.

Este local que é pouco mais que uma rua, é um local de uma beleza quase transcendente. Se há névoa ou chuva ou se há sol e intensa luminosidade, ou se o sol se põe, dourado e quente, ou se é noite e me apetece voar atravessando o rio negro e flutuar no céu imenso e cúmplice, eu sinto sempre que sou daqui, que nasci desta água, que nasci neste céu, que vivi nestas casas esventradas que abrigam gatas vadias, que tenho as gaivotas por irmãs, que eu não seria eu se não respirasse este ar que cheira a limos e se o meu olhar não se lavasse com esta imensa beleza, tão natural, tão eterna.

Este local é o Ginjal.

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O voo das gaivotas

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E tenham, meus Caros, um belo domingo.

15 comentários:

Olinda Melo disse...

Minha amiga

Ao som de Debussy acabo de percorrer, pela sua mão, esse local que tenho aprendido a amar
através das suas impressões, das suas excelentes prosas no 'Ginjal a love affair'. Agora, de uma forma apaixonante, é-me dada a oportunidade de tomar contacto com muitos dos pormenores que fazem dessa rua, e tudo o que ela permite alcançar, um lugar verdadeiramente mágico.
A rematar 'O voo das gaivotas'. Lindoooo!

Um bom domingo.

Beijinhos

Olinda

Um Jeito Manso disse...

Olinda, olá, bom dia!

Ontem apenas peguei no computador já era quase 1 da manhã mas apenas acabei 'o trabalho' já depois das 3 porque primeiro estive a passar as fotografias para o computador e depois tive que escolher algumas, não podia colocar todas e tinham que vir a propósito com o texto que, entretanto fui escrevendo.

É uma rua degradada junto ao rio mas eu encontro-lhe motivos de beleza todos os dias que por lá ando. E aquele ar fresco revigora-me, sabe? Há dias em que estou cansada depois de um dia de trabalho mas, ao andar lá, ganho quase instantaneamente uma energia e alegria quase inexplicáveis.

E lembrei-me dos sons do mar de Debussy para acompanhar porque, ali, o som do rio nas paredes e nos pilares do cais é uma música sempre presente. E ainda consegui descobrir este pequeno vídeo com as gaivotas que eu adoro ver, são lindas a voar.

Ainda bem que gostou, Olinda.

E um bom domingo para si. Um beijinho.

Anónimo disse...

Gosto muito de Debussy. E aqui onde vivo (não longe da sua bela Lisboa, mas o suficiente para me pertimitir distanciar da agitação da cidade, com o mar, lá mais abaixo, como pano de fundo) ouvir as suaves notas musicais de Debussy faz-me bem à alma. A sua relação de amizade e admiração pelo poeta Mallarmé influenciou algumas das suas composições. Num estilo semelhante, se me é permito dizê-lo sendo leigo na matéria, aprecio igualmente Erik Satie. Não sei se sucede com toda a gente, mas ouço musica muito em função de várias circunstâncias. Um dia de sol, um fim de tarde, no sossego da noite, no carro, quando estou no campo, etc e para cada momento, um tipo de música diferente. Saltitando de um Jazz suave para uma Katia Melua (que já aqui ouvi), ou para Debussy, etc. Por exemplo, hoje, tendo o Tejo, ou o mar, perante os nossos olhos, sentados a apreciar a beleza serena desta tarde de Domingo, proponho, para além de Claude Debussy, igualmente Chopin e imaginar como terá sido o seu romance com com a escritora George Sand. Terá Chopin sabido do relacionamento amoroso de Mme Sand com Mme de Stael?
Nisto de romances entre alguns dos conhecidos compositores e famosas Grandes Cocott tem o que se lhe diga, pois, quem sabe, se não acabaram por influenciar, de algum modo, algumas das suas composições! Por exemplo, Offenbach teve um relacionamento “muito próximo” com uma tal Hortense Scheider, que chegou a ser sua intérprete, e era conhecida como “le passage des princes”.
Um bom resto de Domingo...ao som de Debussy (La Mer?).
P.Rufino

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Ontem tive cá os meus meninos até tarde. Hoje, acordei a horas impróprias. Liguei o computador e vim aqui. Acabei de acordar com as "Sirenes" de Debussy. Acordei de uma forma doce, sem sobressaltos, sem pensar no almoço para fazer. Só eu e Debussy.
A janela do Ginjal, agradou-me. Não sei porquê, comovo-me com ruínas. As casas têm alma. Onde está a alma das casas do Ginjal? Talvez por trás da janela, olhando o Tejo.
A seguir um vulto de homem. Espera o barco, ou recorda alguma coisa?
Há um jardim com o estranho nome de "Boca do Vento". Há gatos espertos, à espera que o pescador largue um peixinho.
Como eu gostava de fazer dsportos radicais! Fiz ginástica de toda a espécie e adorava. Quando os radicais aparecram, já era tarde para mim. Sonho com a sensação de me atirar presa a um elástico. Juízo, Maria! Olha que te partes toda.
E vem o Tejo, os barcos, as gaivotas. As fotos, parecem quadros de Sisley. Enevoadas, doces, melancólicas. Água, árvores, barcos.
Porque será, que vista do outro lado, em dias chuvosos, Lisboa me faz pensar em Sisley?
Que saudades do Ginjal! Gostava de atravessar o rio de barco, sentir o cheiro a maresia, olhar Lisboa e comer uma caldeirada!
Beijinhos.
Vou ficar mais um bocadinho a ouvir Debussy.
Maria

Tété disse...

Olá!
Hoje estou no meu "Heaven" e é mais árvores e o som dos passarinhos. Já estive a apanhar banhos de sol e espero não ter remoques da minha constipação.
Já agora, morando do lado de cá como me parece que mora, gostava de saber o porquê desse seu amor pelo Ginjal. É que os seus pormenores influenciam-nos e tal só é possível na presença de um gosto levado quase à paixão.
Acho que, mais que tudo, é ótimo que se sinta feliz com os seus passeios.
Resto de bom domingo para si e um abraço apertado.
Teresa

Anónimo disse...

Cara UJM:
Gostei desta agradável e detalhada visita guiada ao seu Ginjal lugar mágico, que desconheço, e o mais bonito, sem dúvida, ao seu olhar.
Na maioria das vezes estou de acordo consigo, mas neste ponto permita-me a discordância.
Temos tendência a ver os lugares com a realidade do coração e a virgindade do olhar com que nascemos, e eu tive o privilégio de nascer num lugar mágico onde corre o rio mais belo do mundo. Este lugar, como diz João de Araújo Correia «Tem montes que não param de crescer, videiras que ninguém pode contar, oliveiras que vivem a rezar, E um rio que não pára de correr.» e Miguel Torga também o descreveu «Doiro, rio e região, é certamente a realidade mais séria que temos(…) E é na pequenez que nos coube, a única evidência incomensurável com que podemos assombrar o mundo».
E é sempre que regresso a este lugar e piso esta terra que, como Anteu, ganho forças e vivo verdadeiros momentos de felicidade.
Compreenda a minha preferência. Mas um dia atravessarei o rio, coisa que nunca fiz veja só o meu desconhecimento e ignorância, para conhecer o Ginjal.
um abraço da
Leanor,formosa e segura

Um Jeito Manso disse...

Caro P. Rufino,

Deve ser também um bom sítio para viver, esse o seu.

Já estou a compilar todos os casos de sedução que me estão a chegar e nem sei se não me candidate a bolseira para fazer uma tese de doutoramento (como a minha querida amiga Mary, aí já abaixo nos comentários no outro dia referiu ao dizer que isto dava um tratado ou uma tese). Não deve haver tema mais aliciante para uma tese.

Debussy, Chopin, Satie, bom gosto o seu. É a grande música, aquela que nos eleva até lá, onde as pequenas coisas se dissipam.

Muito obrigada pelas suas sugestões/alusões/dicas, sempre tão do meu agrado.

E uma boa semana para si, que seja leve a agradável.

Um Jeito Manso disse...

Radical Mary,

Eu bem digo que a minha amiga é das bravas! Pois olhe que a senhora que saltou e que fotografei já não era nenhuma menina, fiquei admiradíssima.

Eu que tanto gostava de voar (mas com asas), olho estes saltos e fico cheia de vertigens só de os ver. Quando se põem do lado de fora do gradeamento e se preparam para se atirar, credo, até a mim me dá medo, é um salto brutal, se aquilo se parte... Claro que há uma equipa enorme a verificar aquele equipamento todo mas é um voo... Mas no fim, quando aterram vêm com um ar de felicidade que dá gosto.

Também gosto muito de casas antigas, de restos de casas, de portas que em tempos foram bonitas, janelas que foram imaginadas, construidas, estimadas e que, depois, a vida e o tempo, deixaram ao abandono.

Gostei muito de ler o que escreveu, muito bonito. E até fui ao Google para rever as pinturas de Sisley. Tem razão, há uma doçura e uma melancolia que se assemelha a Lisboa vista de frente em dias de neblina.

Um dia destes, Mary, há-de vir andar de cacilheiro, dar um passeio no Ginjal, já não há o Gonçalves e o Floresta (das belas caldeiradas de tempos atrás) mas há o Farol mesmo em frente dos barcos e onde se come muito bem, é a típica cervejaria/restaurante de beira de cais, ruidosa mas com boa comida.

E há outros que também devem ser bons (digo isto para não parecer que tenho percentagem no Farol).

Se eu já tivesse tempo livre durante a semana desafiava-a para passeios e aventuras, íamos as duas. Assim, não posso oferecer a minha companhia mas desafio-a na mesma...

Um beijinho, Mary, e uma boa semana!

Um Jeito Manso disse...

Olá Teresa-Teté,

Eu também adoro a terra e os passarinhos e as flores e sinto-me sempre aconchegada e feliz no meu heaven.

Mas não há muito tempo descobri que este sítio é uma maravilha para fotografar (e eu adoro fotografar), é bom para caminhar (e gostamos os dois de caminhar), tem ar puro e fresco, tem uma vista deslumbrante e fiquei irremediavelmente 'presa'. Também gosto muito da zona de Belém mas falta-lhe a vista de Lisboa inteira que se tem quando se está de frente, como é o caso do Ginjal.

Uma boa semana para si Teresa-Teté e um beijinho.

Um Jeito Manso disse...

Olá Leanor, formosa, segura e assertiva,

Pois... Não tenho como rebater, o amor é quase sempre uma coisa pessoal e intransmissível. O Douro é um rio belíssimo mas, para mim, é uma amor mais distante, mais feito ara a contemplatividade. O Tejo não, o Tejo é um amor de proximidade, chega até nós, salpica-nos, os pescadores quase entram por ele dentro, e aqui no Ginjal ele recolhe-se em duas pequenas praias, é tocável e tem dias em que está agitado e tem já muita influência da proximidade do oceano.

Mas, claro está, eu vejo o Tejo assim e vejo este local gasto pelo tempo, abandonado, e fico fascinada e, no entanto, outras pessoas passarão por ali e verão apenas um local a evitar, inseguro, a precisar de obras.

Mas eu, de nascença, não sou da beira do Tejo mas da beira do Sado. De qualquer forma, sou da beira da água, do ambiente dos cais, dos pescadores, da maresia, das gaivotas. E isso crava-se em nós.

Uma sugestão: um dia que venha conhecer o Ginjal, venha de cacilheiro que é uma maravilha, especialmente se vier cá fora, a ver Lisboa e o rio todo.

Uma boa semana, Leanor.

Traçados sobre nós disse...

Cara UJM:

… Ginjal … pouco mais que uma longa rua … o mais belo do mundo …

… o Doiro … assombrar o mundo … quase o mundo …

Bonitos os olhos que assim vêem!

Gostei! Parabéns!

J. Rodrigues Dias

Um Jeito Manso disse...

Caro J. Rodrigues Dias,

Eu não sei se o lugar é mesmo mágico ou se sou eu que vejo magia naquilo de que gosto mas, seja como for, ainda bem que nos juntamos aqui a falar de um rio ou de vários rios, e de beleza, e de céus e de gatos e pássaros e de gente que se atira a voar neste espaço aberto.

A vida sabe melhor se a vivermos assim, com alguma leveza, dando valor ao que está ao nosso alcance, a beleza verdadeira ou imaginada mas sempre sentida.

Devia ser uma coisa fantástica fazer-se uma sessão de música e poesia aqui à beira deste rio ou à beira de outros rios, não lhe parece?

Obrigada pelas suas palavras, são sempre um incentivo.

Boa semana!

Pôr do Sol disse...

Olá Cara Jeitinho,
Sempre que a leio sobre o Ginjal, sinto-me transportada para os meus oito, dez anos.
Eu explico: o meu pai era mestre de pesca em barcos de longo curso, quando Portugal tinha uma frota de pesca que nos bastava, quando as quotas de pesca eram defendidas com unhas e dentes.
Não era uma vida fácil, basta dizer-se que os barcos faziam viagens de 28/30 dias, depois de descarregado o peixe e abastecido o barco de gelo, combustivel, agua e viveres,o que demorava 3 ou 4 dias, partia para nova viagem.
(E agora um aparte que naquela epoca me amachucava toda por dentro) O dia da partida podia calhar a um Domingo, vespera de Natal ou dia de Pascoa ou no feriado mais patriotico ou catolico, que o barco partia mesmo, não havia feriados ou dias festivos. Esta falta de respeito para com as familias dos tripulantes era humilhante.
Toda aquela preparação para a faina, era feita nos vários armazems do Ginjal e Olho de Boi.Toda aquela rua à beira rio era ocupada por armazems de redes, gelo etc.e o meu pai fazia questão em ter a familia junto de si no dia da saída do barco. Por isso conheci muito bem aquela zona desde Cacilhas.
Há mais ou menos dois anos, andávamos numa de descobertas e numa bela manhã de Domingo, desafiámos um casal amigo e resolvemos fazer turismo, partindo do Cais do Sodré, num Cacilheiro e percorri melancolicamente a pé aquela rua onde já não há armazens nem fabricas de redes, apenas ruinas, casas sem alma. Fomos até ao elevador, subimos ao miradouro e ficámos a descobrir zonas de Lisboa vistas da Outra Banda. Nestes dias vemos coisas que normalmente apenas olhamos.
Continuámos, passeando por Almada Velha apanhámos uma camioneta e fomos almoçar à Trafaria, zona tambem muito típica, onde as gaivotas continuam o seu fascinio.
(Deve ter sido a ultima vez que almocei os maravilhosos petiscos da Dª. Rosa, malvada crise).
Recomendo o passeio.
Vou propôr uma repetição.
Um beijinho e uma boa semana.

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr-do-Sol, está boa?

Que surpresa isso que me conta, que sorte a sua, que infância maravilhosa deve ter tido (embora, sendo criança, se calhar não se entusiasmasse tanto).

E percebo-a quando diz que aquilo agora está abandonado. Está mas eu acho que ainda tem alma, uma alma imensa, uma alma cheia de todas as recordações de quem lá viveu tempos de outras glórias e de todas as fantasias de quem, como eu, apenas me limito agora a andar por lá, deslumbrada com aquela vista maravilhosa, a proximidade do rio.

Gostei tanto de saber que por lá andou em menina...!

Um beijinho, Pôr-do-Sol à beira do Tejo!

Anónimo disse...

Cara UJM:
Porque falou no Sado lembrei-me que foi o rio que mais atravessei e já agora, com a sua permissão aqui fica a declaração.

Tejo, Douro e Sado três rios três maravilhas a preservar no nosso património natural. Tejo, calmo e meigo rio de poetas, artistas e fadistas de todos o mais cantado. Douro rio louco, obstinado, caminho de sedução e de feitiços que emprega dos seus aromas o néctar que vai para todo o mudo pôr à prova os paladares e enfeitiçar as bocas de grandes apreciadores, o mais viajado. Sado rio de águas azuis e tranquilas reserva natural morada de golfinhos, cegonhas e flamingos, o mais atravessado. Era com pressa e sofreguidão que terminado o trabalho, logo que começava a primavera, corria para o cais apanhar o ferry-boat que me iria levar à Troia e lá, gozava todos os prazeres do sol e do mar. No regresso, já com o corpo escaldado aterrava numa tasca da marginal, mesmo em frente ao porto para me refrescar na cerveja e saciar com choco frito. Bons tempos… sim par mim. Mas não, pela primeira vez ouvi falar e vi a crise vivida pelos setubalenses …. E nesse ano houve um eclipse total do sol.

Tenha uma boa semana
um abraço da
Leanor