Duarte, que é Duarte Maria, transborda de energia. Onde chega espalha charme, alegria, distribui piropos às mulheres, dá palmadas nas costas dos homens, diz piadas, senta-se à secretária e roda-se na cadeira, pede café, pede telefonemas, chama colaboradores ao gabinete, responde a mails e, pelo meio, ainda consegue enviar sms picantes à namorada.
Escusado será dizer que as mulheres se derretem com ele. A idade nele é um luxo que veste com a mesma elegância com que veste fatos feitos por medida, camisas com monograma, sobretudos que lhe caem como a um modelo Armani.
A manhã foi passada no frenesim habitual, a Secretária numa azáfama. As outras invejam-na. Não há por ali quem tenha melhor chefe que ela. Ele repara no que ela traz vestido (e o que ela se produz…), repara no corte de cabelo, repara se a pintura ficou um tom acima ou abaixo (Olhe que o cabelo mais claro a torna parecida com aquela daquela série, e toda ela se enleva; ou, Sim senhor, mais morena… e nem sei se não lhe fica melhor…, e ela sente-se aliviada porque aquela cor não deveria ter ficado tão acentuada), elogia-lhe os sapatos, detendo-se a olhar para as pernas e ela até acha graça a tanto descaramento, desfaz-se em mesuras de cada vez que lhe pede mais um café, pergunta-lhe pelo filho, pergunta-lhe pela mãe e tudo no meio de telefonemas e outras conversas.
De cada vez que ele, apressado, passada longa, atravessa o open space o mulherio estremece. E à sua passagem fica um rasto de perfume e sedução.
As picardias entre Duarte e Leonor são conhecidas. Dir-se-ia que há ali uma relação de amor-ódio que os anos não resolvem. Profissionalmente têm desentendimentos e discussões que ficam para a história da empresa. Ela acha-o superficial, gabarolas, gosta de armar show off, diz-lhe a ele próprio que ele se acha melhor do que aquilo que é. Ele diz-lhe que ela é intolerante, germânica, militarista, insuportável. Ela gosta de tudo bem explicado, gosta de avaliar planos antes de avançar, gosta de cumprir ao milímetro os planos e não tem paciência para as ligeirezas e imaturidades dele - isso é um facto.
No entanto, é reconhecido que se admiram mutuamente e que, até, se estimam. Mas, vá lá saber-se porquê, de vez em quando fazem faísca de uma maneira que os outros até se afastam. Deixá-los, dizem os outros, que se entendam.
No entanto, é reconhecido que se admiram mutuamente e que, até, se estimam. Mas, vá lá saber-se porquê, de vez em quando fazem faísca de uma maneira que os outros até se afastam. Deixá-los, dizem os outros, que se entendam.
De tarde, Leonor avançou para o gabinete dele. A Secretária apareceu para saber se queria um chá, Leonor disse que sim, de camomila. A Secretária disse, O doutor foi só ali, não deve demorar.
Leonor percebeu que teria ido à casa de banho. Tinha-o visto a chegar de almoço.
Pouco tempo depois chegou ele, todo gingão, todo na animação do costume. Desatou-se a rir. Ela riu também, Qual a piada?
Mandaram-me uma coisa por mail e estava a lembrar-me: como noticiariam hoje os nossos media a história do Capuchinho.
- Como era?
Não me lembro de tudo. Mas, ao dizer isto, já se ria como um perdido. Leonor também já se ria.
- Vá, diga lá…
Por exemplo: o Correio da Manhã diria ‘Governo envolvido no escândalo do Lobo’ e, ao dizer isto, ria-se à gargalhada.
A revista Maria diria ‘Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama’ e já chorava a rir, e só de o ver a rir assim, também já ela se ria de gosto. Com muito esforço, ele continuou, Ou a Bola, ‘Lobo Mau será reforço de inverno na Luz’
Entretanto a Secretária chegou com o chá para Leonor e um café para Duarte e interrompeu a galhofa.
Duarte, entretanto assoava-se. A Secretária disse, O doutor continua com alergia…’. Duarte explicou, Não, estou bem, é de me ter estado a rir.
Quando a Secretária saíu e ele se voltou a sentar à mesa, Leonor disse-lhe, E sobre aquilo de ontem?
Duarte, de repente entre o nervoso e o agitado, Já disse que é um mal entendido qualquer. Não me lembro bem o que terá sido mas dê-me tempo que eu explico tudo. Não vale a pena dramatizar uma coisa que é uma porcaria sem importância nenhuma. Não sabe como tem sido a minha vida? Road shows, reuniões e mais reuniões, um dia cá, outro noutro sítio…
Leonor mostrou boa cara, Não estou a dramatizar. Se alguém dramatizou a coisa, não fui eu, pois não? Um ataque de histeria ou o que foi aquilo e eu é que dramatizo? Ora, poupe-me. Resumindo: vai explicar ou resolver ou o que for, certo? Até quando? Até amanhã?
Duarte, ar aborrecido, Até amanhã? Está a brincar comigo ou o quê? Até amanhã? E fica você agora aqui a aturar os chatos que aí vêm? Ou vai você com eles à noite ao Eleven? Poupe-me você. Para a semana a coisa está esclarecida e até lá deixe-me trabalhar em paz que é aquilo de que preciso.
Leonor levantou-se e com uma voz muito calma respondeu. Na segunda feira venho aqui ter consigo e fechamos o assunto.
Passado um bocado, depois de ter feito um breve ponto de situação com os colaboradores mais directos, Leonor voltou para o gabinete.
Pouco tempo depois entrou Afonso. Esteve com o Duarte, não esteve?
Leonor respondeu, Bolas. Temos controlo operário, ou quê?
- É, não operário mas da NSA, e dizendo isto, riu-se e fez adeus para o tecto como se por ali estivessem a ser filmados, espiados. Mas, depois, continuou. Olhe, ele falou-lhe em alguma coisa do que se passou?De que é que está a falar?, perguntou Leonor e via-se que tentava disfarçar a curiosidade.
- Hoje de manhã, estava eu no gabinete do Manel, ligou-lhe aquele japonês que cá esteve a semana passada e parece que disse qualquer coisa do Duarte que deixou o Manel em polvorosa.Sim? O que foi?
- Não sei, não me contou, mas ficou para morrer. O Duarte a si não tocou no assunto?Não. Estava na maior das boas disposições.
- Ah, isso anda ele sempre. Aliás demais para o meu gosto.Não seja implicativo. Olhe, mais logo vem comigo?
- Mas vai? Mesmo? Tem a certeza disso?Claro!
- Claro...!? Não sei se é assim tão claro. Com um frio destes, ir andar para a beira do rio à noite não sei se é boa ideia.Eu vou. Você se quiser venha, se não, tudo bem. E agora vá-se embora que tenho que trabalhar.
*
> Para os new comers: este episódio vem no seguimento do de ontem, intitulado, 'Leonor em toda a sua nudez' que, por sua vez, já era seguimento de outro.
> A música é Another Brick in the Wall dos Pink Floyd (vejam vocês bem do que eu me fui lembrar)
> Informo também que, fresquinhos, fornada do dia, há mais 3 posts por aí abaixo e são para todos os gostos (digo eu).
> Muito gostaria ainda de vos convidar a visitarem-me no meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde hoje Benjamin Schmid tem uma nova excelente interpretação no violino e José Agostinho Baptista me leva a percorrer corredores vazios cujo chão está repleto de pétalas secas de uma certa rosa.
Nota: Estou perdida, completamente perdida de sono, não vou rever o que escrevi mas aviso já que pode muito bem estar carregadinho de gralhas de toda a espécie. Relevem, está bem? Amanhã ao fim da tarde logo tentarei rever.
*
E pronto, c'est ça. Desejo-vos, meus Caros leitores, uma bela quinta feira.
5 comentários:
Só uma interrogação: porque diabo duas pessoas que têm intimidade se tratam por você em vez de tu?
Sempre me me fez uma confusão danada! É algo surreal. Mas há malta assim (um pouco como o único bj, em vez de dois).
Cara UJM, deveria publicar, um dia, estas suas histórias. Já uma vez antes o sugeri, bem como outros comentadores. Um dia, na reforma, ainda o faz.
P.Rufino
A trama está bem engendrada, mas o conjunto de nomes escolhidos para os personagens, provocam-me urticária e remetem-me imediatamente para 1910.
;)
Olá P. Rufino,
Até comigo isso acontece. Não trato os meus colegas por tu. Comecei, quando não os conheci, a tratá-los por você e assim foi ficando. Por causa disso conheço dois casais de ex-colegas que, quando trabalhavam se tratavam por vocês e agora, que se casaram, não conseguem desabituar-se desse tratamento.
Muitas vezes é afectação mas, outras, é hábito.
Há empresas informais em que toda a gente se trata por tu mas há outras, talvez as maiores ou mais antigas, em que o tratamento comum é o tratamento por você.
Quanto às minhas histórias, talvez o meu marido, um dia, se dê ao trabalho de as repescar, organizar e ver se lhes dá alguma sequência. Mas ele também não tem paciência nenhuma para essas coisas. Eu sou mais de escrever. Escrever sem rede. Escrever sem fazer ideia do seguimento a dar no dia seguinte.
Mas sabe-se lá, não é?
Obrigada pelas suas palavras sempre tão incentivadoras!
Olá jrd,
Percebo a sua urticária mas olhe que 'eles andem aí'. Afonsos e Duartes Marias...? Oh, oh... Cheiinho deles.
Quanto à Leonor acho que é um nome razoável.
Hoje estou com vontade de incluir um personagem diferente mas não sei que nome lhe dar. José? João? Não sei. Talvez o deixe sem nome.
Mas por enquanto ainda estou a tratar do expediente (os dois euros de dumping social, o Aguiar Branco e os outros que me tiram do sério, etc). Só me entrego à história daqui a mais nada.
Um abraço e muito obrigada!
Ah! esse é o Duarte...encontrei-o em'Dança com Lobos', muito diferente.
E a história vai mostrando já alguma intriga. E o senhor do outra noite, o 'velhinho', onde anda?
Bj
Olinda
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