quinta-feira, dezembro 17, 2020

A gente não vai para nova

 




Lá está, é aquilo que se diz: a gente não vai para nova. 

Parece -- e é -- um déjà lu mas é a verdade: o meu dia foi carregadinho de cabo a rabo. Quando as máquinas são postas em movimento, chegam a um ponto em que ganham embalagem e não há quem as pare. Portanto, levantei-me cedo e foi de então até agora. Em dias assim é garantido: não me sobra cabeça para tema. Se nem sei a quantas ando e, pelo meio, ainda tenho que arranjar espaço para rever um documento necessário para a faena de amanhã, muito menos sou agora capaz de inventar prosa capaz. Não sou. 

Não sei de novidades e, assim de repente, acho que apenas vi um passarinho. Mas, de tal forma estou, já nem sei se foi hoje, se foi ontem. Sei que choveu. Aliás estou num dilema. Há vasos muito grandes e impossíveis de mover que têm pratos de barro por baixo. Com a chuva, não apenas a terra está ensopada como os pratos estão cheios de água. Não sei se não é água a mais. Mas não sei como resolver isto sem partir o prato. Também saí, mesmo à chuva, para ir apanhar três laranjas que estavam caídas na relva. Estão muito sumarentas, ficam pesadas. Não se dá conta delas. No outro domingo foi o meu filho que levou uma sacada, neste foi a minha filha. Penso sempre que boa ideia mesmo era pôr-me a fazer compotas e geleias. Ou farripas de casca de laranja envoltas em chocolate. Imagino o cheirinho bom que haveria de se espalhar pela casa. Frasquinhos de doce resplandecente de cor e luz. Caixinhas de guloseimas. Mas tudo tem açúcar e se, em tempos, podia comer bolos na maior descontração que tudo se evaporava sem deixar rasto, agora é o contrário, só de aspirar o rasto já eu vou aumentando de peso. Tenho que jejuar de quando em quando para me manter nos eixos, coisa a que, de resto, já me habituei. Até porque o meu jejum é relativo, não é? Um chá, uma fatiazinha de queijo com trufa, uma maçã, um quadradinho de chocolate preto. Coisa simples. Quiçá um ou outro caju e arando misturado na boca com o chocolate. Não me perco.

Mas, então, dizia eu que a gente não vai para nova. Ninguém vai para novo. Que me lembre só mesmo o Benjamin Button. E não tenho ideia que fosse coisa boa. Imagina uma pessoa a perder idade, a perder sagesse, toda se rejuvenescendo a caminho de uma luminosa jeunesse e depois a caminho da childwood  e a ver a coisa a evaporar-se até voltar ao já eras. Ou melhor, ao ainda não és nada. Ninguém está contente com o que tem, essa é que é essa. Idade é sabedoria, é generosidade, paz interior, é paciência para aturar maluco, marado, sei lá. E é. Mas é também coisa chata, e esta de uma pessoa ficar toda cheia de formas só de desejar comer coisa doce é uma delas.

Tirando isso. Pus a mesinha onde me alojo a trabalhar mais junto à janela. Gosto mais assim. Mas acontece que, em frente, está um espelho. Volta e meia não consigo deixar de dar de caras comigo. O que vale é que sou míope. Ainda assim ajeito o cabelo se percebo algum desalinhamento. Mas cabelo desorientado é coisa conjuntural. Pior mesmo é ruga que isso, sim, é estrutural. No outro dia estava em casa da minha mãe e estava a dar uma porcaria e, enquanto atendi um telefonema, ela fez zapping. Foi parar a uma cena em que as mulheres estavam todas alteradas. Quando acabei de falar, indaguei mas que raio de coisa era aquela para as mulheres serem todas beiçudas e mamalhudas. Ela disse que era tudo assim. Parece que era um casadas à primeira vista num país qualquer. Diz a minha mãe, sabes lá, faz-se zapping e só aparece disto, bocas inchadas, bochechas e mamas redondas e insufladas. E eu espantada: mas estas são novas. Pensava que eram só as velhas que se recauchutavam daquela boa maneira. Diz a minha mãe: não, nem penses nisso, novas e velhas. No outro dia, também eu estava eu aqui a fazer zapping e dei com uma que quase que só conheci pela voz. Repuxada, repuxada, mal mexe a boca. Comentavam personagens do BB. Mudei logo porque aquilo estava a ponto de ferir a minha sensibilidade: não se percebia nada do que dizia e, quando a câmara mostrou os outros, foi o anti-climax. Gente estranha. Um mundo estranho.

Agora, enquanto escrevo e antes de ir parar às Terras Extremas, passei pela SIC, pela Arrastadeira Vermelha, e estava uma loura estranhíssima, platinada, ultra-pintada e com uma daquelas bocas que levou mais enchimento que um pneu. E toda ela deve ter sido injectada. Pintada até mais não poder. Não imagino como seja quando acorda, desmaquilhada, despenteada. E como será quando tiver mais vinte ou trinta anos em cima. Fico beige com estas coisas. Não percebo, sinto-me deslocada, incapaz de enfrentar esta realidade macaca, capaz é de ir eremitar-me.

Bem. Isto tudo para dizer que, estando eu para aqui sem cabeça de qualquer espécie, fui zanzando no desinteresse até aportar ao primeiro vídeo que o meu bff algoritmo tinha para me oferecer. Glória Pires e Marcos Frota se emocionam ao relembrarem Mulheres de Areia. Lembrei-me desse nome. Naquela altura as novelas da Globo eram coisa que não se podia perder. E a Glória Pires aparecia muito. Não era muito bonita mas era interessante e boa actriz. Fui no play sem hesitar. E fiquei sem saber como agora descrever. Apanhada de surpresa, talvez, com uma certa pena, também. Estupidez a minha. Não a via há tanto tempo que agora me espantei mas, lá está, espantei por mera desatenção minha. Envelheceu, ela... Mas como não haveria de ter envelhecido se não a via talvez há vinte ou mais anos? Envelheceu mas envelheceu bem. Está grisalha. Está com a pálpebra um pouco caída de lado. Era tão inteira, um cabelo tão bonito, e agora está uma senhora. Numa casa muito bonita, a Glória Pires é agora uma senhora distinta. 

Até não há muito, quem me via não me vendo há muito tempo, exclamava: ah, está na mesma... Mas, se calhar, um dia destes, vou começar a perceber que quando falam de mim dizem que é que estou uma senhora. Caraças é que sou uma senhora. Não tenho vocação para senhora. As senhoras são baças, chatas, datadas. Eu não.

Mas isso era a Glória Pires. Mas depois o Marcos Frota. Pelo nome não estava a ver quem fosse. Havia um que era que era pornô da pesada que era Frota mas esse acho que esse não era Marcos. Quando apareceu aquele velho barbudo ali no vídeo, cabelo branco, não vi quem era. Mas depois, pela voz, tive um lampejo. Quando apareceu em novo fiquei até emocionada, quase tanto quanto ele ao recordar aquele tempo e aquele amor tão grande, tão incondicional.

Gostei de revê-los e, vistas bem as coisas, ainda bem que envelheceram: é sinal que estão vivos e isso é que interessa, olarilas. E dizer isto é um daqueles lugares comuns que não fazem falta nenhum? Ah pois é, bebé. (Agora soa-me bem dizer isto)



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Os gordos do Botero fazem-se acompanhar pelas  MonaLisa Twins com When I'm sixty-four

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Saúde. Sorte. Amor.

2 comentários:

Estevão disse...

Para tirar a água do prato, quando este for difícil de remover, pode usar-se estas bombinhas baratinhas que canalizam a água para onde quisermos:

https://pcgo.pt/bricolage-ferramentas/2212-bomba-de-transvase-para-aquario-combustiveis-e-muito-mais-de-14mm-goeik-0614512048711.html

Convém aproveitá-la por estar cheia de nutrientes. Será água que percorreu a terra do vaso, arrastando-os consigo. Eu recolho-a para um regador.

E para a terra do vaso não ficar muito sujeita à agua das chuvas que lhe vão tirando esses nutrientes, pode tapar-se a parte de cima com um plástico, com tábuas, outros pratos, etc.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Que coisa tão distópica essa de caminhar para novo, ainda bem que somamos, que caminhamos para velhos 😄. Quando nos sentimos felizmente imperfeitos e temos coração e intelecto abertos para os pormenores da vida, cada fase do desenvolvimento é um mundo admirável que se quer abraçar.

Gostei muito do apontamento teledramatulogico, adoro boas novelas brasileiras (por isso nem consigo ver 10 segundos de novelas portuguesas).

Um bom kick into the weekend.