sábado, julho 11, 2020

As viagens de antes. Os segredos dos outros. A noite abençoada.


Estive a trabalhar presencialmente. Já tinha passado antes pelo escritório mas sempre de raspão, para ir buscar ou fazer qualquer coisa pontual. Mas esta sexta-feira foi mesmo um regresso ao passado, ao trabalho na minha secretária, no meu gabinete.

Não me apetece falar disso pois foi uma experiência que me perturbou e que me deixou atolada em mixed feelings. Tempos complexos. Um destes dias logo falo disso, quando tiver as ideias mais estabilizadas.

Há temas que devem ser pensados de forma aberta e transversal pois o mundo está a mudar. Pode a Terra não estar a ficar cúbica, pode o movimento de rotação não ter desatado a fazer-se aos tropeços e arrecuas, pode a blogger sentenciosa e descrente que por aí anda a desfiar azedumes e arremedos não estar a virar uma simpatia, pode o comentador atravessado e maldisposto que por aí paira não estar a tornar-se um fofo, pode o João Miguel Tavares não estar a ficar inteligente ou o super-judge Alex não estar a deixar de ser invejoso... mas que muita outra coisa está a acontecer, a mudar, lá isso está. Queiram ou não os céticos, os eternamente ressabiados, queiram ou não as madamas que andam o dia todo com um tremoço entalado no rabo ou os cavalheiros demasiado intelectuais que andam o dia todo com uma vírgula cabeluda presa entre os dentes, a verdade é que, não obstante, muita coisa vai mudar.

E mudará mais do que agora se antevê -- e isto vos diz esta aqui que, apesar de míope, gosta de fechar os olhos e imaginar o que veria ao longe se, no mínimo, usasse óculos. Dizem os entendidos que a fractura vai ser funda: uma recessão braba, um desemprego de fazer ganir de medo as pedras da calçada. A menos que os milhões chovam do céu, que o investimento público permita aguentar o embate. Tudo o que se faça será pouco. Mas será ainda mais poucochinho se for despejado em cima do mundo velho e não como ajuda a alicerçar um mundo novo.

Temos que nos unir e querer o melhor para todos -- essa é que é essa.

Não é tempo de linguarudas, de imberbes, de maledicentes, de totós, de comentadeiras e prostitutas, de avençados e cornudos, de rabejadores, de troca-tintas, de académicos frustrados, de ladies atrás de likes: é tempo, isso sim, de gente de bem, de homens feitos (homens e mulheres, bem entendido), de gente de trabalho, de gente com cabeça, de gente com os pés na terra, de gente com coração e que saiba manter as mãos estendidas para ajudar quem de ajuda precisa.

Essencial é conseguir-se enfrentar a fractura que está a acontecer sob os nossos pés sem sermos sugados por ela. E, a seguir, avançar na direcção de um mundo melhor. E, se haverá muita carneirada a ir atrás da má língua ou do saudosismo, então que haja bons líderes para os levar por bons caminhos. 

Mas, enfim, estamos a virar a página da sexta-feira, já estamos a entrar no sábado, e eu estou com vontade de me ir entregar aos prazeres do rival do blog. Por isso, calo-me já e partilho convosco um vídeo do The Economist em que se fala de uma das mudanças mais profundas e fracturantes, com consequências extensas nos tempos que aí vêm. Viajar. Ir de um lado para o outro. Conhecer o outro lado do mundo. Ir tomar banho a uma praia a milhas de casa. Ir ter uma reunião de duas horas a outro país e, com isso, perder o dia todo e gastar milhares de euros (já para não falar na pegada de carbono). Coisas assim.
Conheço uma pessoa que ia jantar a Paris quando fazia anos. Outra que ia aos saldos a Londres. Eu própria ia comprar lingerie a Madrid. Não sei se eram luxos ou hábitos de quem se podia dar ao luxo de tê-los. E todos, uns mais que outros, poderíamos tê-los. É que, por exemplo, conheço um outro que, não tendo um ordenado por aí além, tinha o filho no colégio mais caro de Lisboa, punha-o num explicador que lhe custava os olhos da cara, comprava os óculos na melhor fábrica de lentes, perseguia o que achava que era 'o melhor' e que, depois, com ar revoltado, se queixava que, para ir passar duas semanas a Istambul, tinha que recorrer ao crédito e, portanto, perseguia o chefe com a 'necessidade' de ser aumentado. 
Outros tempos.


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Ao fim do dia tive uma reunião, mas uma daquelas remotas, uma team meeting já a partir de casa.

Por razões que por vezes não se explicam, às tantas, um disse-me que queria contar-me uma coisa e que eu não o interpretasse mal. E depois outro avançou pelo mesmo registo. Cada um em sua casa, mantivemos uma daquelas conversas francas de que antes se pensava serem apenas possíveis se olhos nos olhos, cara a cara, em pessoa. E, no entanto, apesar dos quilómetros que nos separavam, estivemos a conversar olhos nos olhos, cara a cara.
Sou muito franca, não fujo a questões directas ou difíceis. Nem tenho qualquer problema em expor abertamente as minhas dúvidas ou dificuldades. Penso que o facto de ser assim deixa as pessoas à vontade. A conversa flui com naturalidade, num registo de empatia e confiança. 
Saí da conversa com aquela sensação de que todas as pessoas, se motivadas, querem fazer coisas, querem dar mais do que normalmente são chamadas a dar. E senti aquela ponta de frustração que, volta e meia, sinto por não ter a margem de manobra suficiente para dar asas a todas as pessoas a quem sinto a vontade de voar.

E, porque estou muito habituada a ouvir segredos, gostei de ver o vídeo que o algoritmo do youtube me propôs (tenho que arranjar um nick name para o meu amigo algoritmo; quiçá gô-gô).

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Volto a informar: pode acontecer que fotografias nada tenham a ver com o texto e que, em cima disso, não pretendam nada a não ser aqui aparecer. Se distrairem os meninos que se distraem com facilidade não tenho nada a ver com isso pelo que agradeço que não venham chatear-me com isso. A primeira e terceira são da autoria de Ellen von Unwerth. A segunda é de © o_nozdracheva

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Quero ainda dizer outra coisa. Como muito bem sabe quem por aqui me acompanha, gosto da noite. É de noite que sou mais eu, que estou mais acordada, os sentidos mais disponíveis, as emoções mais intensas, maior a vontade de mergulhar no negrume e na frescura sublime que se eleva da terra para abençoar os corpos despertos. E tenho muita pena que seja tão curta e que o dia se faça anunciar tão cedo. Como tenho que tentar aparentar alguma normalidade e viver em sincronia com os que vivem de dia, falta-me o tempo para usufruir em tranquilidade a beleza da noite. Por isso, deixem que partilhe convosco, em especial com os noctívagos que por aí estejam: Laissez durer la nuit

Laissez durer la nuit, impatiente Aurore.
Elle m’aide à cacher mes secrètes douleurs, 
Et je n’ai pas encore assez versé de pleurs; 

Pour ma douleur, hélas! est-il des nuits trop sombres?
Depuis que mon Berger quitta ce beau séjour, 
Ah! je ne puis souffrir le vif éclat du jour;

Laissez-moi donc pleurer à la faveur des ombres
Autant que voudra mon amour.


E a todos desejo um bom sábado.