No post a seguir a este falo do discurso, das entrevistas e das conferências de imprensa de Cavaco Silva lá pelas instâncias europeias e espanto-me perante a bipolaridade que o atacou (a ele e, de certa forma, a alguns outros).
Mas, agora, aqui, a conversa é outra.
Europa, para que te quero?
Todos os dias assistimos por essa Europa rastejante a atentados contra os direitos dos cidadãos, atentados contra o desenvolvimento dos países, atentados contra a dignidade das pessoas. Dá ideia que estamos entregues a nós próprios, somos os cegos desesperados e solitários que andam pelas ruas a tentar sobreviver.
Parece que, acima de nós, ninguém zela para que não morramos como cães famintos. Onde estão os órgãos europeus que deveriam zelar por que países sem moeda própria, e que, tendo seguido políticas europeias, se encontram desindustrializados, sem agricultura, sem pescas, indefesos?
Vários países já caíram às mãos dos especuladores financeiros perante uma Europa embasbacada.
Há leis da física que não devem ser esquecidas. Uma delas é que nada se perde, tudo se transforma. Quando há países que muito perdem, há outros que muito ganham. Sempre que um país europeu bate no fundo, há gente que enche os bolsos. Quando agora Portugal agoniza, somando dívida à dívida, há gente a ganhar muito com taxas de juro altas, como não há noutros sítios.
Não era para evitar que os seus países fossem carniça para abutres e outros necrófagos que era suposto haver uma Comissão Europeia e um Banco Central Europeu?
Não era para evitar que os seus países fossem carniça para abutres e outros necrófagos que era suposto haver uma Comissão Europeia e um Banco Central Europeu?
Pois. Mas não é isso que acontece.
Passivamente, como chernes, como mulas, ali estão eles: assistem a que as maiores empresas públicas dos países em apuros e entregues a fracas figuras sejam vendidas a empresas estatais não europeias (erro estratégico de uma gravidade brutal), assistem a que se exporte capital humano e conhecimento para onde calha, deixando os sistemas de segurança social insustentáveis e o progresso ameaçado, deixam que se aumentem horários de trabalho numa altura em que os países vivem sob a tormenta do desemprego, deixam tudo, tudo, tudo.
Anos e anos de uma longa caminhada no sentido do desenvolvimento são, assim, aniquilados.
O que aconteceu na Grécia com o fecho da televisão e da rádio públicas foi apenas mais um episódio. Como um bando de piratas, com antecedência de horas, sem mais, assim de súbito, o governo decretou o fecho das estações. Diz a Comissão Europeia que foi obra do Governo de Atenas. O Governo diz que cumpriu determinações da Troika. Não quero saber. O que sei é que é impensável, inaceitável. Um Governo que faz isto deveria levar uma desanda, mas uma desanda valente, deveria ser obrigado a reverter imediatamente uma decisão destas. Actos de pirataria deveriam ser punidos mas punidos de imediato. Na Europa dos tempos presentes já não deveria haver lugar para piratas. Não é admissível que, em pleno século XXI, se façam coisas destas, verdadeiros atentados contra as instituições e as pessoas.
De cada vez que num país se vai cedendo, acedendo, baixando as calças, mais e mais e mais vai acontecendo. Sempre assim foi, sempre assim será.
Nesta Europa assimétrica, desintegrada, um bando de acéfalos assiste a tudo sem um pio. Ou, se piam, piam baixinho, desencontrados, meses ou anos depois. Pobres criaturas temerosas, cobardes, sem voz.
A Alemanha avança mas avança não apenas por mérito próprio mas também pela demissão dos que se baixam para que ela os cavalgue.
É certo que começam a ouvir-se vozes contra os que bovina e cobardemente pastam deixando que a Europa se desagregue, empobreça, retroceda.
Curiosamente foi da boca de uma mulher e de uma mulher da ala conservadora que veio um ataque directo.
A ex-ministra da Justiça francesa, Rachida Dati, exigiu a demissão do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, acusando-o de "ineficácia" e de se "curvar" perante os Estados Unidos.
"O senhor Barroso deve ir-se embora, e depressa. A sua falta de coragem e a sua ineficácia prejudicaram decididamente muito os europeus", afirmou em comunicado a deputada europeia do PPE (Partido Popular Europeu, centro-direita).
A ministra do executivo de Sarkozy condenou a intenção de Barroso de querer negociar, em prejuízo, na sua opinião, da defesa da exceção cultural europeia, um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.
"Para que serve a Comissão Europeia se, por medo dos seus parceiros comerciais, ela se recusa a defender os europeus e tudo o que constitui a nossa especificidade? O senhor Barroso está a curvar-se perante os Estados Unidos antes mesmo de as negociações começarem", sustentou.
Referindo-se ao encerramento das estações públicas gregas de rádio e televisão ERT, Rachida Dato considerou que se trata de "um símbolo trágico do fracasso da Europa em proteger o povo grego".
"Se a Grécia está num tal estado atualmente, a Europa não está isenta de responsabilidades", observou.
E não é apenas perante os EUA que Durão Barroso se curva: curvou-se perante Bush, curva-se perante Obama, agacha-se de rabo entre as pernas perante Angela Merkel, fecha os olhos e assobia para o lado perante tudo. Um desastre.
É de gente desta que as instâncias europeias estão cheias, gente que nada faz, que se empatam uns aos outros. Enquanto a democracia é avistada, a economia destruída e a independência soberana é ameaçada, esta gente acomoda-se nos gabinetes e amealha um bom pé de meia. E nada mais.
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A pintura relativa à Parábola dos Cegos é de Pieter Brueghel (ou Bruegel?)
As inspiradas imagens que resultam de montagem provêm do espantoso blogue We have Kaos in the Garden.
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E já sabem: se quiserem seguir para o comportamento de Cavaco Silva na Europa, é já a seguir.
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Acho que ainda cá volto. Queria falar sobre a espertalhice do Crato, desafiando os professores e querendo virar a população toda contra eles, mas acho que fica para amanhã. Seria longo e já é muito tarde.
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