despi-la dos reflexos nervosos da seda moirée lilás.
desapertar-lhe as rendas devagar. deixar-lhe
as pérolas apenas sobre o peito. ver-lhe a pele
luminescente e branca na semiobscuridade.
descalçá-la e afagar-lhe os pés.
beber riesling de olhos nos olhos, incandescentes.
aspirar o seu perfume de água de rosas.
desatar-lhe as cascatas negras do cabelo.
tocar a macieza do seu colo, sentir pétalas.
e ousar percorrer-lhe as sombras.
estremecer sem poder ainda acreditar.
ver a luz das velas a reflectir-se nos espelhos
como estrelas a transformarem-se em música e gemidos.
falo às vezes do amor, dos seus dilemas,
e das noites de insónia em que me viro
para um e outro lado, mas prefiro
que o próprio amor escreva os meus poemas.
se o faz, à própria vida é que retiro
casos por mim passados e outros temas,
para depois usar estratagemas
de mentira e verdade e lhes adiro.
e então digo e desdigo e contradigo
o dito e o não dito, e deixo o gosto
das entrelinhas do que não consigo
dizer de outra maneira e é suposto
andar a vida toda em mim, comigo:
e assim falo do amor e do teu rosto.
ela guardava os sentimentos
como um animal ferido que se agarra
à vida por de dentro
e a vai perdendo devagar
enquanto sangra e sofre
emudecendo.
então beijavas-lhe
os seus próprios gemidos, a sua
desolada liberdade, o que no seu
olhar se enevoava,
não lhe peças mais nada,
não lhe digas
mais nada, mas não deixes
que a noite toma conta dela e
dite as suas leis.
como sentir a tua cara rente
à minha e as tuas mãos nas minhas, ou
como se a dança amarguradamente
nos desse nesta noite ainda um slow
levado a medo, apenas a ternura
a conduzir de leve os nossos passos
e o corpo estremecendo-te à procura
do seu lugar na grade dos meus braços,
e a luz, fina película de vidros
por entre a frialdade de janeiro,
a trespassar os corações partidos
estranhamente, e o meu sendo o primeiro,
como se não doesse o que doía
na própria dor tingida de alegria.
devagar, devagar. é mais doce no outono a tua pele.
My mistress' eyes are nothing like the sun;
Coral is far more red than her lips' red;
If snow be white, why then her breasts are dun;
If hairs be wires, black wires grow on her head.
I have seen roses damask'd, red and white,
But no such roses see I in her cheeks;
And in some perfumes is there more delight
Than in the breath that from my mistress reeks.
I love to hear her speak, yet well I know
That music hath a far more pleasing sound;
I grant I never saw a goddess go;
My mistress, when she walks, treads on the ground:
And yet, by heaven, I think my love as rare
As any she belied with false compare.
*
Este último poema, em inglês, dito encantatoriamente por Alan Rickman, é o Soneto 130 de Shakespeare.
Todos os outros são de Vasco Graça Moura, podem ser lidos no seu novo livro, 'Poesia Reunida', e chamam-se respectivamente:
Todos os outros são de Vasco Graça Moura, podem ser lidos no seu novo livro, 'Poesia Reunida', e chamam-se respectivamente:
o rei e lola montez: infinitos
soneto de companhia
o fim da noite
como a sentir a tua cara rente
setembro - o último verso
A primeira canção é Me and Mrs Jones e prefiro esta versão de Billy Paul à do Michel Bublé. Este tem voz de veludo mas, para esta canção, pede-se mais que isso, pede-se um tom imperfeito, com um certo sabor a a pecado, e a voz de Billy Paul, em minha opinião, sugere isso. As imagens que acompanham são consideravelmente kitch mas, enfim, foi o que se arranjou.
A canção seguinte é Love me like a river does e é de Melody Gardot que, como é sabido, tem uma voz que apela à sedução, à intimidade. Neste caso as imagens são mais do meu agrado.
O filme é a Idade da Inocência, baseado na obra de Edith Warthon e é interpretado por Michelle Pfeiffer, Daniel Day-Lewis e Winona Ryder.
Finalmente o Grupo Corpo, que tem assento cativo no Um Jeito Manso e que, somo é sabido, eu adoro, interpreta (maravilhosamente) mais uma composição de Lecuona.
*
Desejo-vos um sábado (chuvoso e ventoso) bem aconchegado e feliz.
E, se possível, cheio de amor ou de vontade de o encontrar.
*
PS: Volto às entradas no Um Jeito Manso através de palavras que se escrevem nos motores de busca. Gosto sempre de ver estas estatísticas. É o meu momento Monty Python. Farto-me de rir e, frequentemente, acho que não faz sentido pois não percebo como, escrevendo aquilo no google, se vem parar aqui.
Hoje para além de algumas mais 'normais' como 'Kandinsky', 'Chirico', 'alfarrabistas na guarda', 'antiquários', 'grandes cavalos azuis', 'Ana Drago', etc, lá voltou a aparecer, e mais do que uma vez, 'mulher de vítor gaspar' (pessoa de que nunca falei nem imagino quem seja), e, reparem bem, estas duas que me deram que pensar: 'Preferência dos portugueses nas relações sexuais' e, imagine-se, 'susana desdentada'.
Alguém escreveu 'susana desdentada' (quem será ela?) e veio cá parar. Tentei reproduzir o facto para ver a que mensagem ia ter mas não descobri. Só espero que não fosse parar à mesma mensagem a que se vai ter quando se quer saber qual a preferência dos portugueses nas relações sexuais.
4 comentários:
Ri-me aqui com a última parte. Já tenho visto também isso das pesquisas no Google. Aparecem as coisas mais estranhas.
Não vi tudo o que colocou hoje, porque já não tenho tempo. Vi o bailado, que adoro. Quem me dera saber dançar assim.
O filme "A idade da Inocência" é um dos meus filmes preferidos de sempre.Tão perto de um amor perfeito e deixá-lo perder...
E o Daniel Day-Lewis um dos meus actores preferidos.
Vi o filme no cinema, na altura em que passou e tenho o video e o livro.
Um beijinho e bom fim-de-semana
Amiga:
Os poemas do Graça Moura dizem-me muito. Tocam no fundo da minha alma.
Fico arrepiada.
Gostei muito da "Idade da Inocência".
Shakespeare é sempre bonito. Consegue que eu ache bela, uma língua que acho pouco romântica.
Estou a ficar apaixonada pelos Lecuana.
Mais um bom blogue, para este sábado cinza.
Abraço
Mary
Olá Isabel,
Também me rio com as coisas que as pessoas escrevem e que as traz, não sei como, até mim. São os misteriosos caminhos da estratosfera...
Ontem apeteceu-me ter aqui apontamentos variados sobre um tema que me é querido, o do amor.
Obrigada, Isabel.
Um beijinho e um bom domingo!
Olá Mary,
Vasco Graça Moura é um trabalhador da cultura muito produtivo. Este livro tem poemas fantásticos, alguns de grande beleza romântica, outros de grande humor, outros que parecem obedecer a uma matriz surrealista. Ou seja, é muito variável e imprevisto.
Eu gosto muito de ouvir estas belas vozes a declamarem poesia. Têm uma musicalidade muito intrínseca, muito envolvente.
Gosto muito de pesquisar e ir descobrindo estes pequenos apontamentos.
Agora que estou a escrever, chove que Deus a dá. Estes dias estão sombrios mas eu, como tenho dito, gosto muito de sentir a chuva aqui ao meu lado. Mas, tal como referimos as duas no outro dia, lembro-me - e sei que a Mary também - das pessoas que vivem em casas precárias, sem conforto e para quem a chuva é uma coisa assustadora, que lhes entra em casa.
Um beijinho, Mary, e tenha um bom domingo!
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