terça-feira, outubro 02, 2012

Paulo e Lídia, a mulher triste, conversam à beira rio, no Cais Sodré. E uma história que tarda em começar. Mas, quem sabe?, talvez hoje já tenha começado.


S'io non t'amassi tanto


Bononcini



Paulo, sem tocar em Lídia, dirigiu-a até à beira do rio. Mais tarde, nessa noite, Lídia tentava lembrar-se de que forma ele a encaminhou para ali já que ela estava com vontade de entrar no café e esconder-se no canto mais escuro. No entanto, sem se dar conta, avançou com ele até ao murete que guarda o rio. Ficaram ali, ao lado um do outro, a olhar um veleiro que atravessava o rio muito azul, a serra suave ao longe. Há quanto tempo Lídia não ficava assim a olhar o tempo suspenso sobre umas velas brancas, sentindo a maresia e a doçura do sol.




O sol de Outono estava, pois, muito agradável e Paulo perguntou-lhe, e se nos sentássemos aqui?, e sentaram-se.

Lídia experimentava uma sensação absolutamente nova. Estava sentada ao lado de um homem, numa tarde, à beira Tejo. Pela primeira vez desde há muitos anos, quase tinha a sensação de estar de férias, e começava a sentir-se quase descontraída. Mas a pressão estava sempre lá, latente, a sensação de estar em transgressão, a culpa, a garra no peito, e ouviu-se, seca, fez as contas? viu quanto lhe devo?

Paulo disse, num tom de quem já se conformou, paga-me os medicamentos, o resto não tem que pagar e também não é nenhuma fortuna mas, enfim, já que faz tanta questão, acho que eram quarenta e tal euros, os recibos estavam lá mas tenho aqui os talões de multibanco. Lídia ia puxar da carteira mas Paulo, riu-se, oh senhora mas que pressa essa… já me dá quando estivermos ali à mesa.

Lídia obedeceu e ficou a olhar o rio, ainda um pouco trémula, ainda enervada. Olhou três jovens que riam, apanhando sol, felizes. Gostava de ser assim, gostava de conseguir rir-se.




Paulo, percebeu a ansiedade mas tentou disfarçar, e então como tem estado? e a sua mãe?

Lídia suspirou, a minha mãe está como sabe, mais lá do que cá. E eu, aos poucos, tenho vindo a ganhar força.

Paulo virou-se, então, para ela, como se finalmente pudesse dizer-lhe o que há tempos andava para lhe dizer, entusiasmado, olhe, o que eu fui lá a casa fazer era também para lhe dizer é que soube que há umas voluntárias que vão a casa fazer companhia a doentes, dar a comida, os medicamentos. Quem precisa inscreve-se, preenche uma ficha, e elas depois vêem se podem lá ir e a que horas e quem é que abre a porta ou ficam com uma chave, é coisa de se combinar. Acho que era uma coisa boa para si, para poder estar mais descansada, para poder sair de vez em quando. O que acha?

Lídia fica mais nervosa, não quer resolver nada, gente a ir a casa, gente com a chave, não quer pensar. Está tão habituada a não dividir preocupações que, agora que arranjou um pequeno equilíbrio com a Nita a dormir lá em casa e a ir num pulo, de manhã, levantar a mãe, tem medo de estragar o que agora lhe parece já uma coisa tão boa. Mas Paulo continua, pense lá, pode combinar elas lá irem das 5 às 7 ou às 8, por exemplo, já viu? não precisa de estar com essa ralação, escusa de ir a correr para casa, ia ser um alívio para si. E elas não levam dinheiro, são voluntárias. Depois vê que ela não quer falar nosso, ainda não aprendeu a pedir ajuda, nem sequer a recebê-la. E, então, levanta-se e diz, está calor, vamos ali para a sombra, vamos beber qualquer coisa.




Lídia levanta-se e vai com ele. Sentam-se numa mesa de frente para o rio e Paulo pergunta-lhe o que quer. Lídia não sabe, nem sabe o que pedir. Água...? Paulo sugere, ... e uma limonada fresquinha? Lídia sorri, adora limonada, há quanto tempo não bebe uma. Pode ser.

Quando as bebidas chegam, bebem-nas em silêncio e, então, Paulo, em voz baixa, começa a dizer, eu fui casado, sim, Lídia, mas já não sou. Fui muito mau marido. Envergonho-me do marido que fui. Dizem que as mulheres gostam de fardas e é verdade e eu gostava demais da rua, gostava da vadiagem. Horários desencontrados, muita liberdade de movimentos, é um hábito que entra dentro de nós, sabe? E chegava a casa sem paciência para conversas que não me interessavam, só me apetecia sair outra vez. E a minha mulher queria que eu progredisse na carreira e eu não queria saber de nada disso, e ela ao fim de semana queria ir para o Corte Inglês e eu queria era ir para a horta e já nada daquilo batia certo. Ela fartou-se de me aturar e eu fartei-me de a aturar a ela. Separámo-nos e nem me custou muito. A ela sim. Vendemos a casa e dividimos o dinheiro ao meio. Depois ainda lhe dei uma parte do meu. Cada um comprou uma casa mais pequena. A dela tem dois quartos, a minha só tem um. Mas chega. Quando a minha filha lá fica, abre-se o sofá cama na sala, eu queria que ela ficasse no quarto mas ela não quer. Na altura não me custou nada separar-me. Voltei a sentir-me completamente solteiro, uma rica vida. Mas o tempo passa, sabe?, e agora já sinto falta de alguém.

Lídia ouvia com muita atenção, com medo de mostrar interesse, com medo da intimidade que pode nascer de uma conversa assim, com medo que fosse tudo mentira, com medo de não saber o que dizer.

Paulo, continuava, apoiado sobre os braços que se apoiavam na mesa, voz em surdina, não sei se é da idade, parece que já não acho tanta graça à vadiagem, parece que já só queria ter alguém à minha espera em casa, alguém com quem sair a passear ou ir ao cinema.

Lídia pensava que devia dizer qualquer coisa mas nada lhe ocorria. Ficou, então, um pesado silêncio entre os dois. Lídia pensava, que disparate, o homem aqui a falar e eu nada, nem uma palavra. O calor incomodava-a. Despiu o casaquito. E então, sem querer, ouviu-se a falar como se ainda fosse a mesma conversa do outro dia ao telefone, primeiro era tu vê lá, se ficas falada já ninguém te pega, tu não dês confianças, não deixes que abusem senão vão-se gabar e toda a gente fica a saber, e o tempo passou, passou e agora já passou, já acabou. Vejo aquelas miúdas ali a andarem de bicicleta, a rir, andam, com certeza, a correr mundo. 




Eu nunca saí de casa, eu nunca fui para lado nenhum assim com amigos ou amigas, nunca. Veja bem. E agora já nem vou a lado nenhum, a minha mãe não pode ir a lado nenhum e eu não a posso deixar. E sabe o que me custa mais? É que ela não reconhece nada deste esforço, só sabe falar comigo para dizer mal, para me ameaçar, a maior parte do tempo já nem me conhece. A voz de Lídia começou a tremer, os olhos cheios de lágrimas, tenho pena que ela nunca me beije, gostava que ela me fizesse uma festa no cabelo, gostava que ela se interessasse pela minha vida, tivesse pena de mim, ou que um dia me agradecesse. Mas não, nada, sei que é da doença mas... e eu? De mim quem é que cuida?

Paulo olha-a condoído, gostava de a animar. Mas também lhe falta o jeito e, então, continua, são as vidas das pessoas, cada um tem a sua... e há com cada uma... A minha mãe pergunta sempre quando é que arranjo mulher. E eu digo-lhe que não falta muito mas o que é verdade é que nunca mais tenho sorte.

Lídia continuou, a minha mãe, quando estava boa, dizia mal de todos os homens que eu achava interessantes, eu ficava-lhe com raiva, parece que ela tinha ciúmes, eu achava que ela tinha medo que eu a deixasse para trás. E, por causa dela, eu é que fiquei para trás.

E, daí por uma hora, já pareciam grandes amigos. A Lídia apetecia agarrar as mãos de Paulo, apetecia-lhe algum calor humano, apetecia-lhe dar colo a Paulo, apetecia-lhe pedir que não a abandonasse mais. Paulo sorria mas era fácil perceber que estava cauteloso, talvez pensasse que seria disparate deixar que se desenvolvesse algum relacionamento com alguém com uma vida tão complicada. Lídia olhava-o e pensava também que nenhum homem alguma vez quereria meter-se em trabalhos, ficar com ela e com uma mãe doente. Sem explicações e em simultâneo, ambos resolveram, então, que estava na hora de pedir a conta.

**

E, por hoje, fico-me por aqui antes que Lídia tenha nova desilusão.

As fotografias foram feitas este sábado no Cais do Sodré, no preciso espaço em que decorre o encontro entre Lídia e Paulo. 

[Uma vez mais reafirmo que, se alguma das pessoas que aparece nas fotografias pretender que eu retire a fotografia, basta que me escreva a pedi-lo.]

Desforrem-se os meus Caros Leitores e tenham uma bela terça feira.


17 comentários:

Pôr do Sol disse...

Pois é Jeitinho, Lídia não tem irmaos, a mãe com medo de a perder castrou-a, e agora sobra tudo para ela, e tudo é nada.

Neste momento tenho por companhia a TVI24 cujo tema é a natalidade. Os nºs. são assustadores. Mas com 16% de desemprego, ou horários alargados, infantários mais caros que faculdades, como querem estes governantes mudar a politica de filho unico?

Adoraria ter mais um neto, mas não me atrevo a incentivar, com as reformas a serem cortadas/roubadas...



Maria disse...

Amiga:
A continuação da história de Lídia agrada-me.
A carência afectiva dos dois, pode ser o inicio de uma sólida amizade, ou algo mais. Ontem o dia foi ocupado, o computador avariou e não consegui fazer nada. À noite estava completamente arrazada e nem o abri.
Voltando à Lídia, acho que deve continuar a linha que traçou: nem muito cor-de rosa, nem cinzenta.
Fico à espera.
Abraço grande
Mary

JOAQUIM CASTILHO disse...

Lídia, Lídias tantas que, em silêncio, teceram os seus casulos inexistentes com os medos que lhe inventaram, com os fios da seda das Fés em radiosos Futuros em que creem sem saberem bem porquê.
Transpor as fronteiras que a si próprias se impuseram é uma ferida dolorosa que se abre na elaborada construção de ser como assumiram que têm de ser.
Lídias e não Lídias, Pedros, Franciscos, Alfredos, todos nós também vamos construindo os nossos casulos, maiores ou menores, com paredes de vidro ou grades de ferro com ou sem portas imaginárias.
Uma saída é sempre uma aventura, o risco de encontrar um mundo outro com que teremos de confrontar as nossas frágeis e inabaláveis certezas!

Mais uma vez obrigada pelos seus belíssimos textos!

A Matéria dos Livros disse...

Falar sobre as coisas é já um princípio de libertação. A história segue no seu tom sóbrio, mas agora com alguma luz. O fachamento na casa e na vida, a que aquelas mulheres estavam entregues, era-me quase insuportável.
A doença de Alzeimer impressiona-me muito, tanto pela degradação da pessoa doente, como pela impotência e cansaço dos seus cuidadores. Outras formas de demência também. Admiro quem é capaz de tratar dos seus familiares sem soçobrar, todavia creio que sem ajudas isso não é possível, não só pela exaustão física, mas principalmente pela violência emocional que estas situações implicam. Felizmente nunca estive em tais circunstâncias, mas todos conheceremos casos muito tristes. Filhas, esposas ou maridos com a vida capturada, sem serem sequer reconhecidos pelas pessoas amadas e sem esperança de melhores dias.

Mas, uma tarde de sol traz sempre alguma alegria, como a sua história e as belas fotografias mostram!

Uma boa semana

jrd disse...

A sedução é assim, uma sucessão de distâncias, passa-se do espaço social para o pessoal e depois talvez se chegue ao íntimo.
Aguardemos.

Abraço

Isabel disse...

É um começo possível e credível.
Há um bom presságio, porque nenhum esconde o que é.
Ambos sofreram, principalmente solidão. Ambos procuram principalmente uma companhia.

Pode nascer pelo menos uma amizade.
Estou curiosa em saber mais.

Um beijinho

Maria Eduardo disse...

Olá,

Lídia já se está a sentir mais descontraída e confiante na presença de Paulo.
Ambos estão muito carentes de afecto e uma grande e sincera amizade pode desabrochar entre ambos, e poderão partilhar muitos momentos bons da vida.
O texto foi mais uma vez de uma grande sensibilidade e as fotos no local e no momento certos. Extraordinário e gostei muito.

Um beijinho

dbo disse...

Cara UJM,
é destes encontros e desencontros, lamentos e desabafos, que muitas vezes se fazem as amizades futuras.
Buscamos a felicidade num mundo de atrocidades e violência muitas vezes camufladas, mas o medo leva-nos a tactear o terreno antes de caminhar para nova jornada de eventuais incertezas. Assim, Paulo e Lídia, numa receosa libertação dos seus fantasmas recentes, encetam uma proximidade que o futuro poderá conduzir a amizade e, quem sabe, mais atrevida intimidade.

Espero o decurso e um desfecho...feliz.
Muita saúde e felicidades.

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol,

Quando se é filha única e se viveu uma vida inteira junto de pais castradores, em meios fechados, a coisa dificilmente vai correr bem.

Eu sou filha única mas sempre tive rédea relativamente solta. Aliás, nem tinha muita mas, talvez por isso, consegui vir viver sozinha (ou melhor, num lar de estudantes) para Lisboa logo aos 17 anos e, portanto, sempre desfrutei com alegria a liberdade. e sempre pensei que não havia de ter só um filho. Fiquei-me pelos dois pois não tinha família junto de mim para me ajudar e trabalhar com duas crianças pequenas não me deu margem para ter a meia dúzia que gostaria de ter tido. E os meus já vão com 2 cada um, pelo que, por aqui menos mal. Para se manter as taxas de natalidade equilibradas, cada casal deveria ter em média 2,1 filhos. Hoje em dia, com estas desgraçadas condições de vida, a média anda bem abaixo. Por isso, este país está a definhar à força toda.

Por isso, Pôr do Sol, incentive à vontade que sempre se arranja maneira...

Agora também lhe digo: quando vão lá a casa, um(a) é uma maravilha, não dá trabalho nenhum. Mais do que isso já é uma confusão. Quatro, então, não lhe digo nada. É de meter férias no dia a seguir...

Um beijinho, Sol Nascente!

Um Jeito Manso disse...

Olá Mary,

Fico contente que ache que a história está a ser credível. Mas não tracei linha nenhuma. Isto vai-se escrevendo por si. É como se eu fosse ela e como se as coisas me estivessem a acontecer a mim. Sento-me aqui e parece que à medida que vou escrevendo, as coisas começam a acontecer a sério. Parece que é real.

Como sei que, na vida real, as pessoas são assim mesmo - hesitantes, por vezes cheias de medos, com vidas passadas que são um lastro, com condicionantes reais - a história vai andando assim, com estes avanços e recuos.

Eu quero que tudo corra bem mas parece que a vida real puxa por mim e impede-me de pintar para aqui um cenário muito idealizado.

A ver como vai isto seguir.

Espero que já esteja refeita das maçadas de ontem.

Um beijinho, Mary!

Um Jeito Manso disse...

Olá Joaquim Castilho,

A mim uma coisa que me faz muita impressão é quando as pessoas seguem rumos distintos dos que desejavam na sua vida por terem, a meio do percurso, hesitado, dado ouvidos a vozes castradoras, ou deixado levar-se por equívocos. Custa-me pensar que poderiam ter tido uma vida muito diferente se tivessem ousado, se tivessem tido a coragem de vencer medos ou censuras.

Refere e muito justamente que isto tanto acontece com homens e mulheres. Tanto hesitam e receiam os homens como as mulheres, tão frágeis são uns como outros.

Eu compreendo as dificuldades em sair de casulos feitos de fios invisíveis e sei que, quanto mais o tempo passa, mais difícil é. Espero que esta minha história que se vai fazendo aos poucos ponha um pouco em evidência estes aspectos tão pequenos, tão insignificantes mas que são os que, verdadeiramente condicionam o evoluir da vida.

Muito obrigada pelas suas palavras tão simpáticas, tão cheias de compreensão.

Desejo-lhe, Joaquim Castilho, um bom dia (ou uma boa noite, consoante a hora a que leia estas palavras)!

Um Jeito Manso disse...

Olá Leitora de A matéria dos Livros, agora em sossego,

A minha filha no outro dia disse-me que lhe custava ler a história de Lídia, que era muito deprimente, que lhe custava ler sobre a vida de alguém que vive assim.

E eu, na brincadeira, respondi-lhe para ela não desistir de a ler que a história ainda haveria de ficar hot, hot. Ela riu-se e não se espantou, já sabe do que a mãe é capaz.

Mas a questão é que esta mulher sofrida, quase desistente, tão diferente das mulheres das minhas outras histórias, parece que teima em ser muito real. Eu quero dar-lhe uma vida feliz mas isto não está fácil.

No entanto, eu acho que tem que ser possível. Participei numa acção de voluntariado durante meses, frequentei cursos sobre voluntariado e ainda acompanho este assunto pois tenho algumas ideias que gostaria de pôr em prática. Por isso, sei que há muita gente que o pratica e que, nomeadamente, acompanha e visita idosos. E, sobretudo, sei que é falando, partilhando sentimentos e pensamentos, vendo como o que parece reprovável é, apenas, humano, procurando e aceitando ajuda, que a pressão (real, dolorosa) pode ser atenuada.

E, tal como na vida real, gostaria de arranjar soluções não dispendiosas para aliviar a vida de Lídia. Sei por experiência próxima que estas situações requerem recursos financeiros (camas especiais, cadeiras de rodas, fraldas, resguardos, pomadas, medicamentos, por vezes fisioterapia, etc) que não é fácil ainda arranjar dinheiro suficiente para ter uma empregada a tempo inteiro que é o preferível (assim haja quarto para ela).

Mas, enfim, apesar destes constrangimentos todos, quero que ela saia da sua prisão e viva uma vida à qual tem sido alheia. Vamos ver se consigo que esta mulher tão real ainda seja feliz...

Muito obrigada pelas suas palavras, Leitora posta em sossego!

Um Jeito Manso disse...

Olá jrd,

Ri-me quando li o que escreveu.

Acho graça que tenha 'lido' isso porque as minhas histórias anteriores eram sempre histórias de sedução mas esta não.

As mulheres das minhas histórias anteriores são umas incorrigíveis sedutoras. Também apareciam, de vez em quando, uns cavalheiros sedutores e, aí, o mano a mano era mais interessante.

Mas, desta vez, as palavras fugiram da sedução e meteram-se pelos caminhos das casas tristes, onde há doença, velhice, filhas com as vidas eclipsadas para se dedicarem ao tratamento de pais velhos, dementes.

No entanto, tenho que confessar acho que a sedução está à espreita, sim. A vida real segue o seu rumo mas talvez a sedução arranje espaço nestas vidas apagadas e tristes.

Resumindo: gostei do seu comentário.

Um abraço, jrd!

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Leio as suas palavras, tal como as palavras dos comentários anteriores e dá-me assim um certo receio. Ponho-me a escrever isto sem rede, sem saber o que vai sair a seguir e corro o risco de isto derrapar para alguma coisa pouco credível. Espero que não, porque parece que ganho empatia para com os personagens e, portanto, não me há-de para coisas em que ninguém acredite.

Acho que para que duas pessoas se transformem num casal tem que haver amizade, respeito, afinidade, atracção e sintonia de objectivos. Se uma pessoa é problemática e o outro é um folgazão, dificilmente a prazo a coisa dará certo. Se um só está habituado a ligeirezas e outro teve antes uma vida complicada, também haverá uma altura em que a coisa não vai bater muito certo.

O Paulo, sendo polícia, está habituado a lidar com o lado mais negro da vida. Além disso, tendo um passado não muito famoso, sabe o que é ter vontade de viver agora uma vida mais tranquila, agora que começa a sentir o peso da solidão. Lídia, por seu lado, tendo tido toda uma vida de respeito por convenções, de dedicação, de abnegação, também sabe o que é a solidão e a vontade de dar 'o salto'. Diria que pode dar certo. Mas há a responsabilidade por uma mãe dependente e há a falta de recursos e há o peso de muitos anos de inibições.

Eu quero que a história tenha um final feliz (até para dar esperança a quem me lê e vive situações semelhantes). Tenho é que ter inspiração para isso pois, a cada coisa que escrevo, dou por mim quase a sucumbir às dificuldades da vida real destes meus personagens.

Um beijinho, Isabel!

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Eduardo,

No outro dia quando passei por ali a caminho do Terreiro do Paço pensei, 'Mas é aqui que a Lídia se vem encontrar com o Paulo...' e resolvi ir tirar fotografias para mostrar o lugar a quem não o conhece.

Paulo parece ser um homem bom. Tem ajudado desinteressadamente a Lídia. E Lídia, aos poucos, começa a sair da sua terrível depressão. Eu gostava muito que a vida destes dois se ajeitasse pois acho que ficavam bem um com o outro. Mas ela é tão renitente, está tão habituada a viver exclusivamente para tratar da mãe que parece não conseguir arranjar maneira de, não descurando o bem estar da mãe, viver a sua vida.

Vamos ver se consigo dar a volta à vida dela, ou seja, a esta história.

Muito obrigada pelo incentivo das suas palavras.

Um beijinho, Maria Eduardo!

Um Jeito Manso disse...

Olá dbo,

Tem razão, estas situações que vivem entre quatro paredes são muito complicadas e, até, de violência. E a violência pode ser vista como a dos idosos dementes que exigem, gritam, insultam, ameaçam, sem saber o que fazem mas magoando na mesma quem por eles vive, como a dos cuidadores que, por vezes, de cansaço, de desespero, acabam também por ter actos de alguma violência.

Viver uma situação destas marca e muito quem as vive. Se somarmos a isso anos de uma vida atrofiada, teremos tudo para que uma pessoa se feche ao futuro.

Por outro lado, temos Paulo com uma vida muito diferente: contacto com a marginalidade (e também com a pobreza extrema), com excessos, com liberdade total, com muita experiência de vida mas também com fracassos e com solidão. Talvez seja o par ideal. Não sei.

Que pode haver amizade, acho que sim. Mas Lídia tem tanto receio das opiniões alheias que o medo já está inscrito nas suas células. Tem receio e tem uma sobrecarga grande e este tipo de sobrecarga abafa a vontade de viver.

Agradeço as suas palavras, dbo, e também vou torcer para conseguir que Lídia experimente o lado bom da vida.

Muita saúde e felicidades também para si, dbo!

Olinda Melo disse...


Querida UJM

'Mais vale tarde do que nunca', não é? Reinicio hoje a minha leitura da história de Lídia, depois de alguma ausência.

Verifico que há grandes progressos na sua maneira de ser e que aos poucos descobre que também ela tem direito à vida.

Soubemos mais sobre Paulo, também ele a viver numa certa solidão. Talvez por aí seja mais fácil preconizar para Lídia um futuro ao lado de Paulo, quanto mais não seja algum 'romance'

Belo o texto e belas as fotografias.

Beijinhos

Olinda