domingo, agosto 14, 2011

'Mariposa traicionera', sedução e drama como convém a uma novela mexicana (Maná, a borboleta sereníssima e os meus livros, here in heaven)

Há dias, aqui in heaven, uma borboleta entrou para dentro de casa.

Eu e o meu ajudante de campo (*) tentámos conduzi-la, janelas fora, até à rua - mas somos muito pouco nabokovianos e, de divisão em divisão, ela foi mais lesta que nós: sedutora e esquiva, espreitava-nos e nós seguíamo-la e ela, toda charme, esgueirava-se para mais longe; até que a perdemos de vista.

Ontem, quando aqui chego, eis que dou com ela pousada num dos meus tapetes 'a la Rothko'. Boa escolha to rest in peace.

Com cuidado, pego nela receando que se desintegre - porque a beleza é efémera. Mas não. A beleza intacta e, agora, tangível.

Levo-a então, agora dócil, a percorrer alguns caminhos. Escolho cenários, e ela, na sua beleza sereníssima, deixa-se fotografar.

? - Charles Saatchi

Charles Saatchi, empresário, publicitário e coleccionador de arte, responde a perguntas sobre os temas mais variados, numa edição Phaidon. Transcrevo, traduzindo, apenas duas delas:

Berlusconi ou Brown ao leme? - Não percebo porque é que toda a gente não emigra para Itália para ter o Berlusconi a gerir as coisas. É um belo país, jogam muito bem futebol e o Silvio parece que gosta de passar bem o tempo. Provavelmente ele vai para a cama, todas as noites, mais feliz do que o Gordon Brown e, suspeito, que a maioria dos italianos também.

É melhor servir no Céu ou reinar no Inferno? - Reinar no Inferno parece-me perfeito. Com os Diabos, quem é preferiria servir no Céu?


Frida Kaho, 'I paint my reality' - Christina Burrus

(vejam como fica mesmo bem, a minha borboleta no penteado da Frida)

Um belo livrinho da Thames & Hudson, muito bem ilustrado, muito bem composto, sobre a vida e obra da pintora mexicana Frida Kahlo (1907 - 1954). Transcrevo, traduzindo, um excerto de uma carta sua, datada de 1935 e dirigida a Diego Rivera, seu marido, com quem teve uma apaixonada e conturbada relação.

Tudo o que me aconteceu e continua a acontecer, nestes sete anos em que vivemos juntos, todas as minhas fúrias e irracionalidades ajudaram-me a ver mais claramente que te amo mais do que amo a minha própria vida, e que mesmo que tu não me ames da mesma maneira, amas-me um pouco ... não amas? E mesmo que não me ames, eu ainda tenho esperanças que me venhas a amar, e isso é suficiente...

Ama-me apenas um bocadinho. Adoro-te,
                                                                Frida


Na casa de Julho e Agosto - Maria Gabriela Llansol

(Integradíssima e bucólica, cá está ela, a minha colorida mariposa)

Naquela sua escrita desligada das minudências terrenas, Maria Gabriela LLansol (1931 - 2008), vagueando pela escrita como um gato ancestral e sábio, deixa-nos trechos como estes:

Soube, então, Margarida, que não te podia escrever mas jurei enterrar as minhas cartas junto à raiz das roseiras porque 'pelas raízes das roseiras', segundo um dos segredos de Alice, 'passa o mensageiro'.

Margarida, já sabes o que me comove; hoje, atravessava uma sala quando vi uma réstia de sol no chão; o urso não tem comido, olha apenas as operações do sol, durante o dia; nesses instantes, li com a profundidade dos seus olhos que um perigo acerado, mesmo que não seja iminente, nos espera; onde guardarei este manuscrito, ou estas cartas, para que ninguém as leia, nem vivalma?; talvez convenha dar-lhes misteriosa linguagem,
ou simplesmente não escrever,
mas então como comunicarei contigo?


Poesia, Saudade da Prosa - Manuel António Pina

(e lá está ela, a minha borboleta sobre a pintura de Joachim Patinir que capeia o livro)

Da antologia pessoal de Manuel António Pina, extraio o início e o final do poema Emet com que termina o livro:

Here we are for the first time face to face
thou and I, Book,
descansa em paz, e tu, leitor,
não peças mais ao seu cansado coração
do que ele pode dar-te, o que te rouba:
pequenos detalhes entre o espírito e a carne.
(...)
Porque é de noite e estamos ambos sós,
leitura e escritura,
criador e criatura,
na mesma inumerável voz.


# Ainda levei a minha mariposa a passear por outros lugares mas não vos maço mais.


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(*) Sobre o meu ajudante de campo, caso tenham lido o meu post sobre exploração de trabalho infantil, deixem que vos conte.

No outro dia, estavamos a almoçar e ele, o meu querido leãozinho agora já com 3 anos, com ar pensativo. Às tantas diz, pausadamente, com ar de quem está a puxar brutalmente pela memória, papagueando palavras que não compreende: 'Já sei. Exploração do parque infantil.'.

Desatámo-nos a rir e ele muito infeliz: 'Não é...?',

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E agora, para que o papier mâché (como a Margarida, inspiradamente, classificou o Um Jeito Manso nas suas laterais Daily Goods & so on) fique completo, aqui vos deixo, como colante (coleante?) esta canção, Mariposa Traicionera, com um vídeo bem caliente de uma banda mexicana, Maná, que desconhecia mas que não está nada mal para um dia encalorado como hoje.


2 comentários:

margarida disse...

Êpá! Tá demais! LOL!
Mas é MUITA inspiração, mesmo, não sei como classificar! Uma colagem de artes, uma coisa fantástica!
E a primeira pessoa que tem uma borboleta como 'pet'! wunderbar!
Tudo do mais fino recorte literário, tudo muitíssimo esplendoroso, fico sem palavras (imagine se as tivesse!...)..
Mas boa! Boa, mesmo! Porque inspira-me e se estou necessitada disso, caracoles!
Ai, que seria da vida sem a arte, sem a musa, sem o sonho e a poesia em tudo o que se toca, olha e sente?
Cada 'post' aqui merecia uma referência, acho que tenho de criar um link automático! LOL!
Se não fosse facto que a menina existe eu asseveraria que "não existe"...
Dado o adiantado da hora, só posso reiterar a minha alegria por tanta...criatividade!
:)

Um Jeito Manso disse...

Gostei imenso deste seu comentário, fartei-me de rir.

As ideias surgem-me e nem as penso: executo.

Falta-me é tempo para fazer tudo o que me vem à cabeça.

Porque, Margarida, o facto é que existo mesmo na vida real: aos dias de semana trabalho de 'sol a sol' numa empresa, e há a família, a casa, e tudo o que, por ter existência também real, reivindica atenção. E mesmo ao fim de semana, as demais solicitações são muitas e, por isso, o tempo para dar largas à imaginação é curto.

Mas tento aproveitá-lo bem, não me quedando com auto censuras.

E não imagina como fico contente por receber feedback tão caloroso.

Muito obrigada.

E já vi o link que vez no 'destino': muito agradeço as suas palavras e fico muito feliz por ver que o que escrevo de alguma forma a toca e inspira.

A vida fica melhor quando isto acontece.


Bom feriado, Margarida.