quarta-feira, julho 28, 2010

José Sócrates - um homem corajoso



Um homem de cabelo quase todo branco a quem a vida, apesar de tudo, ainda não vergou.

Tem passado por tantas coisas insuportáveis, as piores possíveis, tantas insinuações e tanta troça sobre a sua sexualidade, tantas dúvidas sobre a sua honestidade, depois a exposição pública de actos dos quais provavelmente se envergonha (e com razão para isso) e que gostaria que ficassem para sempre no esquecimento, tantas coisas, sempre sob suspeita, sempre sob escrutínio sobre questões de carácter que é onde dói mais e sempre em público, sempre sujeito a que os filhos duvidem dele como pai, como pessoa honrada, meses a fio a vasculharem o lixo a tentarem descobrir se mentiu, cartazes na rua a chamarem-no de mentiroso, fotografias manipuladas e insultuosas na net, perseguido pelos media (pelo menos por alguns), e ele, apesar de tudo, a prosseguir com o seu trabalho, sempre sob os holofotes, sempre exposto, e a crise a cair-lhe em cima, alguns bancos a afundarem-se, a economia a partir-se em bocados, e ele a ter que se justificar cá dentro, perante o seu partido, perante a oposição, perante a Assembleia, perante o Presidente, perante os media e lá fora, nas comissões onde tudo se decide, mas também perante investidores, perante banqueiros, e a ter que continuar a estudar os dossiers, a ter que fazer reuniões, inaugurações, a norte, a sul, e ele sempre delivering, a continuar a exercer, a governar, e sempre bem arranjado, sempre com verve, sempre com boa cara, sempre a tentar instilar optimismo (mas com que cansaço, com que justificadíssima canseira, com que humaníssima impaciência).

Hoje veio, de cabeça erguida, dizer que a justiça, ao fim de seis anos, constatou que, no caso Freeport, nada lhe era apontado.

Não sei como ficará para a história pois grande parte do tempo em que tem governado tem estado sitiado e, quando tinha margem de manobra para fazer reformas, teve contra ele todas as corporações, todos os oportunismos instalados e regulamentados, todas as classes atoladas em inércia e benesses públicas (professores com uma dúzia de horas de trabalho por semana, médicos com super-ego e enfermeiros-licenciados, juízes com inúmeras regalias e a trabalhar au ralenti e polícias com regalias para eles e para toda a família, funcionários públicos com promoções automáticas, e por aí fora). Toda essa gente que vive à sombra do estado saíu à rua para o destruir e o PCP, partido que deveria defender os mais pobres e espoliados, cavalgou a onda. E todos esses oportunistas que sugam o país e depauperam a economia e que deveriam merecer o mais firme repúdio de uma esquerda responsável sentiram-se apoiados pela esquerda desvirtuada que agora temos.

Não sei se votarei nele nas próximas eleições. Isso será assunto que avaliarei na altura mas uma coisa não posso negar: a admiração que tenho pela força anímica deste homem grisalho que hoje apareceu sozinho perante nós, na televisão.

Por muito que lhe peçam desculpa (e provavelmente ninguém o fará) nada apagará a angústia que certamente tantas vezes sentiu quando chegou a casa à noite, cansado e acossado.

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