terça-feira, julho 15, 2025

Há bandidos em todo o lado - essa é que é essa.
Mas, sejamos justos, a verdade é que há bandidos mais bandidos que outros e este de que aqui falo, o pika, até é um fofo

 

Depois de ter tido que acordar mais cedo e, portanto, depois de ter dormido, de novo, muito menos horas que as devidas, ainda por cima sendo dia de viagem -- e isto depois de termos deixado o nosso cãobeludo bem contrariado e triste num lugar em que não queria ficar, o que, naturalmente, nos entristece também --, para mais com muito calor, felizmente com praia e muita risota, chego aqui, tarde e más horas, ao computador, e mal consigo manter-me acordada.

Depois de lauto jantar na esplanada ainda fomos passear e, claro, não sendo esquisitas, por onde passamos encontramos coisas úteis ou, simplesmente, giras. Portanto, o resultado é o expectável: cheguei aqui já capaz de me atirar para a cama.

Portanto, pedindo desculpa se o título vos induziu e erro e vieram aqui espreitar a pensar que ia falar do Putin, do Trump, do Ventura ou desses que por aí andam -- um já de rabo esfolado e patas ensanguentadas, outro fazendo macaquices ao espelho e achando-se o maior, nobilizavelmente o maior, e um outro, um cromo sempre aos saltinhos a ver se fica ao nível da pulhice dos outros --, mas não. Não consigo, estou perdida, perdida de sono. Por isso, desloco-me para as montanhas e convido-vos a vir comigo. O tema, podendo no limite até ser de vida ou de morte, até é inocente.

Pika: The Tiny Mountain Bandit | BBC Earth

Life in the mountains isn't easy. With just 10 snow-free weeks a year, the pika must work nonstop to stockpile food for the long, frozen months ahead. But not every pika plays fair…


Desejo-vos um dia feliz

segunda-feira, julho 14, 2025

Dois Homens com H

 

Foi um domingo calmo, intercalando a leitura e os banhos de sol por períodos de alguma sonolência. Também andei a regar, pois se há coisa que gosto de fazer é de regar, de preferência descalça para sentir os pés molhados.

Não tive que cozinhar: comemos restos e mais um ou outro complemento. 

Ao almoço ligámos a televisão, mas não suportámos as más notícias. Bem sei que nos alienamos se nos afastarmos do que se passa no mundo. Só que se passam milhões de coisas boas mas se, no meio desse milhão, vier uma rajada de vento que levante uma telha, é nisso que os jornalistas se vão focar esquecendo tudo o que de bom aconteceu. O noticiário estava a ser uma sucessão de infelicidades, uma colecção de acontecimentos nefastos -- desistimos. 

Agora à noite, depois da nossa caminhada, o meu marido quis ver o futebol, era uma final, parece que tinha que ser nesta televisão. Fui para a outra sala. Posicionei-me nos Casados à Primeira Vista. E adormeci. Não sou capaz de dizer se vi alguma coisa pois, se vi, varreu-se-me instantaneamente.

De tarde pensei que hoje poderia escrever sobre o livro que estive a ler pois, lendo aquelas crónicas, uma opinião se vai formando sobre o que é a motivação, o móbil de vida de um editor, em particular aquele que ali vai desfiando memórias, Manuel Alberto Valente. Creio que o que dali depreendo explica muita coisa. Mas ando com um espírito que não sei se é vadio, se é veraneante, se é simplesmente preguiçoso... Por isso, deixo essa conversa para outro dia. E talvez seja mesmo melhor adentrar-me mais na leitura para não correr o risco de tirar conclusões precipitadas.

À noite, geralmente depois de escrever aqui, como escrever me obriga a estar de olhos abertos, aproveito para ver alguma coisa antes de ir dormir. Nos últimos dias tenho visto o Homem com H. Dado ser sempre tarde e dado estar com sono, tenho visto pouco de cada vez pelo que ainda me falta um bocado para acabar. Mas tenho estado a gostar de mais. 

Ney Matogrosso é um personagem extraordinário. E quanto mais o tempo passa mais extraordinário o acho. Há uns anos, embora gostasse muito de o ouvir, havia ali qualquer coisa que era tão extravagante que eu não sabia se era totalmente genuíno ou um certo gosto em provocar e essa dúvida levava-me a não aderir a cem por cento. Gostava, ouvíamos bastante, mas parece que ficava sempre ali a pairar a questão: ele é mesmo assim, tão superlativo e tão fora da caixa, ou há ali uma encenação que exagera o que ele é? Mas, quando evoluí, fui percebendo que isso era de somenos e que a dúvida, que era minha, não podia levar-me a olhá-lo com alguma reserva. Tinha era que aceitar sem questionar. 

Ney era um bicho, um bicho extraordinário, cantava maravilhosamente, tinha um reportório também fantástico -- e tudo isso tinha que ser suficiente para gostar dele sem qualquer reserva. 

E escrevi que ele era, escrevi no passado, só mesmo por burrice, pois ele está vivo, bem vivo, em forma, jovem, ninguém diria tratar-se de um octogenário. Aliás, olha-se, ouve-se e não se acredita. Afinal tantos excessos não lhe causaram danos, parece que bem pelo contrário, deram-lhe foi saúde.

Mas o filme, que tenho visto na Netflix, misto de filme e de documentário, não apenas retrata a vida de Ney Matogrosso em todas as suas dimensões, não apenas a artística mas a pessoal -- e, neste domínio, a activa e algo louca vida sexual (como ele diz, marchava tudo) -- como tem um intérprete que é igualmente fabuloso. 

Reproduz o Ney de uma forma perfeita, quase assustadora de tão perfeita. Segundo abaixo se verá, Jesuíta Barbosa perdeu 12 kg para reproduzir os 53 kg que Ney tinha nessa altura, estudou os seus trejeitos, os requebros, a forma de olhar e falar.

E há algo nele que parece estar desenhado para encarnar o espírito e a carnalidade de Ney. 

Ver para crer.

A quem tenha a oportunidade de mergulhar no filme, muito vivamente o recomendo. E, para abrir o apetite, aqui fica a conversa de Bial com ambos, a cópia e o original, dois homens extraordinários. E botem h nisso.

Pedro Bial entrevista Ney Matogrosso com participação de Jesuíta Barbosa | Conversa com Bial

No último Conversa com Bial (24/04/2025), Pedro Bial recebeu o icônico cantor Ney Matogrosso e o talentoso ator Jesuíta Barbosa, protagonista do filme Homem com H, cinebiografia que retrata a trajetória de Ney.

Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Be happy

domingo, julho 13, 2025

Uma conversa entre duas pessoas que admiro, mas em que se fala em algumas coisas pouco agradáveis levadas a cabo por portugueses
... Outros tempos... outros tempos...

 

Apesar de tudo, apesar de ter servido 'buffet' variado -- e, feito por mim, apenas a sopa e a preparação das saladas --, a verdade é que por ir buscar comida aqui, ali e acolá, e se calhar pelo peso da idade ou por outra coisa qualquer, à noite, o sono avançou sobre mim à força toda. 

E os meninos até eram para ter dormido cá. Mas, afinal, um deles, apareceu com covid. Assim de repente, estando ele febril, houve que tomar uma decisão. Mas não foi difícil. O tempo este sábado já não esteve de chuva, do outono da véspera passámos para uma simpática primavera, pelo que esteve bom para almoçarmos ao ar livre. E o resto da tarde, tirando os rapazes do futebol que gostam de se fechar na sala a ver não sei o quê, futebol, vídeos ou cenas, estivemos sempre na rua. Portanto, apesar de o covid já não ser o bicho papão de há cinco anos, se pudermos evitar apanhá-lo melhor. Eu e o meu marido estamos convencidos que ficámos agarrados pelo long covid pois, depois de o termos, nunca mais nos libertámos do peso do sono que parece que continua a apertar connosco muito mais do que antes e muito mais que o razoável. O médico diz que há muita gente com estes sintomas e que se espera que acabe por ir passando.

Mas, meu rico menino, nada lhe tira o apetite. E, estando mais murchito, esteve menos reguila. Fofo, só me apetece dar-lhe beijinhos. Está um rapazinho crescido mas, claro, ainda longe dos primos que estão crescidos, uns homenzões grandes, de voz grossa, ou da mana, alta, uma belezura, ou como o mano que ainda não entrou propriamente na adolescência mas que para lá caminha com ansiedade, com vontade de ser grande, peludo e malandreco como os mais crescidos.

Agora à noite, quando ficámos só os dois, fomos fazer a nossa caminhada nocturna e, no regresso, depois de tratar de uns expedientes, sentei-me aqui e pimba, tiro e queda, adormeci.

Claro que não faço ideia do que se passou no país ou no mundo e, sinceramente, nem vou tentar saber. Não me apetece arranjar argumentos para me tirar desta doce paz de espírito em que me sinto tão bem.

Aqui ao meu lado, deitado no sofá 'dele' (sofá que os netos adoram, há sempre algum deitado no 'lugar do avô'), o meu marido dorme a sono solto. A esta hora já costuma estar na cama mas, desta vez, depois de ter ligado a televisão e posto no 24"Kitchen, adormeceu que foi um regalo. Como não me importo de ir ouvindo falar em noodles, couve chinesa cozida, anis estrelado, empratamentos elegantes e etc., não lhe digo para mudar de canal e deixo-o estar a descansar.

Nos últimos dias tenho acordado sempre mais cedo do que o habitual pois tem havido sempre algum afazer matinal e, como não continuo a não conseguir ir para a cama mais cedo (senão não prego olho), acumulei algum sono atrasado.

Por isso, hoje fico-me por aqui. Li os vossos comentários mas não tenho energia para escrever mais. As minhas desculpas.

Vou antes partilhar uma conversa entre dois comunicadores que, na medida das minhas possibilidades, vou seguindo: o charmosíssimo e empaticíssimo Pedro Bial e o médico que fala claro sobre tudo, Drauzio Varella. A conversa rola gostosa sobre vários assuntos, até que o tema da 'descoberta' do Brasil pelos portugueses e o que eles fizeram aos índios vem à baila. Interessante. Claro que tudo tem que se pôr em perspectiva, situar no tempo e no espaço. Não dá para pensar no que se passou, usando os cânones de agora.

MEDICINA, Amazônia e HISTÓRIAS | Conversa Com Bial | GNT

Em uma conversa profunda, Drauzio fala sobre seu novo livro "O Sentido das Águas: histórias do Rio Negro", uma obra que mergulha nas vivências das comunidades ribeirinhas da Amazônia. Ele também compartilha reflexões sobre a medicina como arte, seu compromisso com o cuidado humano e a importância de ouvir, com empatia, os relatos das pessoas por onde passa.

Desejo-vos um feliz dia de domingo

sábado, julho 12, 2025

Qual a razão para a Ministra da Saúde não ser demitida?
-- A palavra ao meu marido --

 

O que está a acontecer na Saúde é uma tragédia e existem dois responsáveis políticos pelo que está a acontecer, a saber, a ministra da Saúde e o Primeiro Ministro. 

Existe também um corresponsável: o Presidente. 

Em qualquer outro país em que os governantes tivessem um mínimo de decência, a ministra já se tinha demitido -- o Primeiro Ministro já tinha corrido com ela ou o Presidente já lhe tinha tirado o tapete. 

Em Portugal não. 

Não nos esqueçamos que o Montenegro, para ir para o Governo, prometeu que resolvia os problemas na Saúde em sessenta dias. 

A verdade é que escolheu uma ministra que todos os dias consegue agravar, e muito, a situação que herdou, que é responsável por situações que não se admitiriam como possíveis e que não resolveu nada, mesmo deitando dinheiro a rodos para cima dos problemas (já  alguém analisou o aumento dos valores pagos aos médicos?), aumentando os custos sem qualquer proveito para os Portugueses, antes pelo contrário.  

É uma ministra que diz que não se demite porque todos os dias trabalha para resolver os problemas. Admito que todos os dias vá ao ministério mas o único resultado é agravar os problemas.

Mas, então, qual será a razão para não ser demitida? E qual a razão para o Presidente respaldar situações inadmissíveis, como aconteceu com a adjudicação dos helicópteros para transporte de doentes? 

Posso estar enganado mas arrisco duas razões que me parecem prováveis. 

  • Uma tem a ver com o objetivo de passar a prestação de serviços de Saúde para os privados, nomeadamente, os serviços lucrativos. 
  • Mas existe, na minha opinião, uma outra razão, talvez a razão com mais peso. A ministra nomeou gentinha do PSD para tudo quanto era lugar, independentemente das capacidades. Assim, esta maltinha tudo fará para manter a ministra que sabem que os nomeia para as posições que ambicionam. 
Conclusão: a saúde dos portugueses que se lixe, o que é preciso é dar mais dinheiro aos privados e garantir que os boys têm jobs

Entretanto, o Governo atira para a comunicação social uns assuntos que fazem notícia na esperança que os verdadeiros problemas não sejam abordados. As questões da imigração, nacionalidade e (a urgência em despachar o assunto) TAP são bem um exemplo desta estratégia do governo. 

No entanto, foi nesta gente que muitos portugueses votaram. Pelos vistos é disto que gostam. 

sexta-feira, julho 11, 2025

O 'mistério' dos muitos ricos e dos amigos deles

 

Já aqui falei disso algumas vezes: conheço um homem muito rico, diria que verdadeiramente muito rico. E também conheço dois amigos desse homem deveras ultra rico. Esses dois amigos dele não são muito ricos -- diria que, à luz dos nossos níveis, talvez média alta.

Ao longo de anos assisti às mordomias que o muito rico proporcionava àqueles seus amigos. E, quando falo em mordomias, falo apenas no que é visível a olho nu. Vão de férias para locais longínquos e muito caros, passam férias na vasta herdade do muito rico, fazem vida de ricos. E, quando falo dos amigos do homem muito rico, falo também das respectivas mulheres (e, até dado ponto, isto é, enquanto eram adolescentes e viviam com os pais, presumo que também os filhos). Ouvi falar em empréstimos e em empregos para filhos e noras mas disso não sei de nada em concreto, apenas sei pelo que se falava. 

Não o escondiam. Pelo contrário, quando estávamos juntos, era normal que viessem à baila situações em que se percebia que tinham ido e estado juntos aqui e ali e acolá. Não era explicitado que o muito rico pagava tudo, viagens, estadias, almoços e jantares, mas não era difícil adivinhar pois não era possível ser de outra maneira. 

Nunca vi nos amigos que aceitavam esses mimos qualquer pudor ou reserva. Nem nunca vi o muito rico fazer qualquer referência a nada disso. 

Quando eu me questionava junto de amigos comuns como era possível que os outros andassem sempre à pendura e vivessem à babugem do amigo outro, diziam-me: 'Não pense segundo os parâmetros comuns. Para eles é normal. São amigos. Para o X (chamemos assim ao muito rico) é a única maneira de viajar ou passar férias na companhia dos outros. Ele sabe que os outros não têm como serem eles a bancar aqueles luxos. E a ele não lhe faz qualquer diferença. Provavelmente muito disso vai a custos das empresas, está a ver, não está?, deve ser contabilizado nas empresas como deslocações em serviço, despesas de representação etc. E para os os outros também já passou a ser normal. As mulheres também são amigas umas das outras. Se o outro faz questão de que passeiem e passem férias juntos, para eles também é agradável. Também lhe são úteis pois, em muitas matérias, têm conhecimentos que o outro não tem.'

Um outro que também os conhecia bem, dizia-me: 'É uma relação fraternal. O X é muito mais rico que os outros. Para ele, mais uns milhares, menos uns milhares não fazem qualquer diferença. Já é um hábito. E não se esqueça: isto é o que a gente sabe, o que se vê...'

Um dos ditos beneficiados com a amizade generosa do X tem uma casa maravilhosa, numa zona que se não é protegida anda por lá perto. Um projecto de um conceituado arquitecto. Nunca lá estive mas vi muitas fotografias. Por vezes, comentava-se: 'Alguma vez ele tinha dinheiro para uma tal obra de arte?' Acha...?'. Isto, sobre essa tal casa, pois a casa habitual é uma moradia numa das mais privilegiadas e caras zonas da cidade. Com o que se conhece dos seus rendimentos de trabalho e não trabalhando a mulher, tudo aquilo é curioso. 

Mas não há festa social, de família ou de comemoração em que as três famílias não estejam juntas, divertidas: o homem muito rico e a mulher, e os dois amigos e respectivas mulheres. Uma amizade forte, um coeso inner circle.

Não faço ideia -- mas não faço mesmo -- se alguma vez o muito rico emprestou dinheiro aos amigos. Talvez tenha sido ele a pagar algumas obras ou projectos ou decorações (embora não possa afirmar se sim, se não) mas admito que talvez não tenha rolado. Admito. Mas não sei. Mas, se isso aconteceu, quase apostaria que teria rolado em dinheiro vivo não fosse, de outra forma, deixar rasto e ainda terem que pagar imposto de selo (é que doações sem que haja vínculo familiar directo obrigam a que se declare à AT e se pague imposto de selo, e se há coisa que são é 'poupadinhos'). Mas isto, que fique bem claro, são especulações minhas.

Poderia referir mais alguns pormenores desta relação fraternal em que, com toda a naturalidade, todos, incluindo as mulheres e os filhos, usufruíam da amizade do amigo ultra-rico mas não vale a pena pois são apenas isso, pormenores de uma relação que vista de fora pode parecer estranha, incompreensível mas que, para os próprios e para os próximos, parece ser completamente normal.

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quinta-feira, julho 10, 2025

Uma ficção suficientemente bem contada, se repetida o suficiente e apoiada por instituições poderosas, torna-se uma realidade concreta para milhões — mesmo que tenha começado como uma invenção de um só homem


Há pouco tempo, o meu marido referiu a história da origem da 'caça às bruxas'. Tenho andado a pensar nisso. 

Depois, no outro dia, vi uma série documental que me impressionou imenso, 'As Mil Mortes de Nora Dalmasso'. A quem puder ver na Netflix, vivamente a recomendo. Trata-se de um crime real que foi acompanhado de perto pela comunicação social, com notícias, fugas de informação do processo judicial, com comentadores em permanência nas televisões a debitarem certezas absolutas sobre o que se tinha passado. Começaram por falar em jogos sexuais, falava-se em orgias. Havia testemunhos, segredos mal guardados. Vizinhos, amigos, todos pareciam saber qualquer coisa sobre a qual pareciam querer encobrir o fundamental. Depois, como Nora Dalmasso era uma mulher rica que vivia num bairro rico, já falavam de encobrimento dos poderosos, depois em envolvimento político. Algum tempo depois, as suspeitas recaíram num rapaz que andava lá em casa a fazer obras. A população revoltou-se, dizendo que era uma manobra para desviar as atenções da família e dos amigos. Houve manifestações. O rapaz acabou por ser ilibado. Pouco depois, uma novidade: finalmente tinha sido descoberto o autor do crime. O assassino tinha sido o filho, um jovem adolescente. Toda a gente tinha a certeza. Arranjaram provas, provas ditas irrefutáveis. O filho era capa de revistas, notícia principal em jornais e noticiários televisivos. Ninguém duvidava: as provas eram públicas e falavam por si. Descobriram que o rapaz era homossexual e foi construída uma narrativa que tinha a ver com a não aceitação por parte da família. O rapazinho, que ainda não se tinha assumido publicamente, foi arrasado. Até que se concluiu que, afinal, o pobre do rapazito era inocente e vítima, tinha perdido a mãe e tinha visto a sua vida devassada. A seguir todas as suspeitas recaíram sobre o marido de Nora. Finalmente, o assassino tinha sido descoberto. Foi perseguido por jornalistas, foi apertado pelos procuradores, foi esmagado. A imprensa exultou, os comentadores explicavam o comportamento dele, toda a gente sempre tinha achado que as suas atitudes eram mais do que suspeitas. Desfiavam provas que, desta vez, eram óbvias, claras. Não havia dúvidas. Tinha que ser punido exemplarmente. Até que, muitos anos depois (porque tudo isto levou muitos anos, com vários procuradores a ocuparem-se do processo), aconteceu o impensável: no próprio julgamento, o procurador, o último, reconheceu que não havia qualquer prova contra o marido e retirava a acusação. Reconheceu-se, então, que tinha havido erros grosseiros na investigação e que os procuradores tinham seguido linhas de investigação erradas. Há pouco tempo, creio que há uns dois ou três anos, descobriu-se finalmente que o provável assassino tinha sido um outro trabalhador que lá andava nas obras. Só que vinte anos tinham decorrido e o crime tinha prescrito. A Justiça tinha falhado retumbantemente.

Então, como tenho andado a pensar nisto, pedi ao ChatGPT que escrevesse sobre o tema da 'caça às bruxas'. Por ser um tema sempre actual e que me parece bem interessante, aqui vai.

Como nasceu a caça às bruxas: a ficção que virou tragédia coletiva

1. Origem: quando a bruxaria era só superstição

Durante grande parte da Idade Média, a Igreja Católica não via a bruxaria como ameaça real. O Canon Episcopi, um texto do século X amplamente difundido, dizia que as mulheres que acreditavam voar com deusas pagãs estavam apenas iludidas pelo demónio — mas não era considerado que tivessem feito nada de real. A bruxaria era tratada como superstição popular, não como crime ou heresia grave.


2. O ponto de viragem: um frade ressentido e um livro perigoso

Em 1485, Heinrich Kramer, frade dominicano e inquisidor, tentou conduzir julgamentos por bruxaria na cidade austríaca de Innsbruck. Foi rejeitado pelas autoridades locais, que consideraram os seus métodos abusivos e infundados.

Em resposta, Kramer decidiu escrever um tratado. Em 1487, publicou o Malleus Maleficarum (“O Martelo das Bruxas”), uma obra que misturava fantasia, misoginia, superstição e uma visão teológica deturpada. Defendia que:

  • as mulheres eram mais propensas ao pecado e, por isso, à bruxaria;

  • o Diabo fazia pactos com elas através de sexo, feitiçaria e voos noturnos;

  • a tortura era necessária e legítima para obter confissões.

A obra foi rejeitada inicialmente pela Universidade de Colónia, mas Kramer conseguiu uma bula papal (de Inocêncio VIII) que lhe deu autoridade para agir como inquisidor. Isso deu ao texto uma aparência de legitimidade.


3. Disseminação: o papel da imprensa

O que deu ao Malleus o seu verdadeiro poder foi a prensa de tipos móveis, recém-desenvolvida por Gutenberg. A obra foi reproduzida em larga escala e circulou por toda a Europa ao longo dos séculos XV e XVI. Em várias regiões, foi tomada como manual jurídico e doutrinário oficial — mesmo sem nunca ter sido oficialmente aceite pela Igreja como doutrina universal.

A multiplicação dos exemplares fez com que ideias fantasiosas e sem base empírica passassem a ser tratadas como verdades absolutas, com aplicação direta em tribunais civis e eclesiásticos.


4. Expansão: medo, crise e histeria institucionalizada

Entre c. 1500 e 1700, a Europa viveu um período de instabilidade profunda: guerras religiosas (Reforma e Contrarreforma), pestes, fome e crises políticas. Em tempos de medo, o mito das bruxas oferecia um bode expiatório conveniente.

As autoridades, tanto católicas como protestantes, começaram a conduzir julgamentos em massa com base nas ideias do Malleus e em outras obras derivadas. O uso sistemático da tortura levou a confissões forçadas, que alimentavam novas acusações — criando um ciclo de autojustificação brutal.


5. Duração: três séculos de delírio

A “caça às bruxas” durou quase 300 anos:

  • Início efetivo: 1487 (com a publicação do Malleus)

  • Pico de violência: 1560–1630 (época das guerras de religião)

  • Declínio lento: após 1650, com o surgimento do racionalismo, o reforço de Estados centrais e o avanço do pensamento científico

  • Última execução oficial por bruxaria na Europa: 1782 (Anna Göldi, na Suíça)


6. As vítimas: quem pagou o preço da fantasia

Estima-se que entre 35 000 e 60 000 pessoas foram executadas por acusações de bruxaria — em alguns cálculos, até 100 000. Cerca de 80% eram mulheres, frequentemente viúvas, curandeiras ou socialmente marginalizadas.

Estas pessoas foram torturadas, queimadas ou enforcadas com base numa narrativa criada por um único frade ressentido, que misturou lenda, misoginia e moralismo num tratado tomado a sério por gerações.


7. O poder da ficção partilhada: o que diz Harari

O historiador Yuval Noah Harari usa este caso como exemplo clássico de como “ficções intersubjetivas” — histórias partilhadas por um grande número de pessoas — podem moldar o comportamento coletivo, as leis e as instituições. Quando essas ficções são tomadas como verdades absolutas, mesmo sendo baseadas em delírios ou mitos, podem conduzir a desastres reais.

"Uma ficção suficientemente bem contada, se repetida o suficiente e apoiada por instituições poderosas, torna-se uma realidade concreta para milhões — mesmo que tenha começado como uma invenção de um só homem."


Conclusão: da fantasia à fogueira

A caça às bruxas foi, em grande parte, o resultado de uma fantasia transformada em sistema judicial. O Malleus Maleficarum, escrito por um único frade, foi a semente de um pesadelo histórico que durou três séculos, espalhou medo por toda a Europa e custou dezenas de milhares de vidas. É um lembrete poderoso de como ideias infundadas, quando legitimadas, podem levar sociedades inteiras a cometer atrocidades em nome da “verdade”.

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Eis 3 casos contemporâneos, bem conhecidos do público, que funcionaram como “caças às bruxas” modernas — ou seja, situações em que pessoas foram julgadas na praça pública antes de qualquer verificação de factos, muitas vezes com consequências gravíssimas, apesar de acabarem por ser ilibadas ou inocentadas. Estes casos mostram como, mesmo sem fogueiras, a lógica da perseguição social sem provas continua viva.


1. Caso Amanda Knox (Itália, 2007–2015)

  • O que aconteceu: A estudante norte-americana Amanda Knox foi acusada do homicídio da colega de casa, Meredith Kercher, em Perugia.

  • Por que foi uma “caça às bruxas”: A imprensa sensacionalista italiana e internacional construiu uma narrativa sexualizada, chamando Amanda de "Foxy Knoxy", insinuando motivações satânicas e perversas sem base real. A sua atitude calma foi interpretada como sinal de frieza e culpa.

  • Condenação e absolvição: Amanda foi condenada e presa por quatro anos. Em 2015, o Supremo Tribunal italiano reconheceu erros processuais graves e ilibou-a totalmente.

  • Impacto: Mostrou como uma narrativa pública distorcida pode contaminar o julgamento legal, mesmo em tribunais modernos.


2. Caso dos McMartin Preschool (EUA, anos 1980)

  • O que aconteceu: Uma das mais longas e caras investigações por abuso infantil da história dos EUA. Professores da pré-escola McMartin, na Califórnia, foram acusados de abuso sexual e rituais satânicos.

  • Por que foi uma “caça às bruxas”: Crianças foram sugeridas e manipuladas em interrogatórios, gerando histórias de túneis secretos, bruxaria, voos mágicos e rituais satânicos. A histeria pública foi imensa. Muitos acreditaram cegamente nas alegações.

  • Desfecho: Após 7 anos de julgamentos, nenhum dos acusados foi condenado. Não se encontrou qualquer prova física. O caso foi abandonado em 1990.

  • Impacto: É um exemplo claro de como o medo coletivo e o moralismo social podem destruir vidas sem provas concretas.


3. Caso Johnny Depp vs. Amber Heard (EUA/Reino Unido, 2018–2022)

  • O que aconteceu: Após o divórcio, Amber Heard acusou Johnny Depp de violência doméstica. Ele perdeu contratos com a Disney e outras produtoras. Foi “cancelado” pelas redes sociais e imprensa.

  • Por que foi uma “caça às bruxas”: A cultura do #BelieveAllWomen levou a que muitos o condenassem sem julgamento, assumindo-o como agressor com base apenas no artigo de opinião que Heard publicou no Washington Post.

  • Desfecho: No julgamento de 2022, Heard foi condenada por difamação. Ficou claro que ambos tiveram comportamentos tóxicos, mas que as alegações centrais de Heard eram falsas ou exageradas.

  • Impacto: Mostrou os riscos da justiça mediática e do linchamento digital, com polarização extrema e julgamentos sem base factual antes do processo legal terminar.


🔍 Conclusão: a fogueira hoje é sobretudo digital

Estes casos mostram que a lógica da “bruxa a abater” persiste, ainda que hoje não se usem tochas — usa-se Twitter, manchetes e opinião pública em tempo real. A condenação precoce, o apedrejamento simbólico e a destruição de reputações continuam a existir, mesmo em democracias modernas.

quarta-feira, julho 09, 2025

Atir Sai­tam e Érdna Arutnev

 

Estes poderiam ser Atir Sai­tam e Érdna Arutnev quando andavam na escola infantil


Poderia dizer que, pelo que dizem e fazem, Atir Sai­tam e Érdna Arutnev demonstram que não gostam de Portugal, não têm nada a ver com a cultura portuguesa, não respeitam os valores portugueses. Poderia ir até mais longe e dizer que, por tudo isso, nem mereceriam ser portugueses.

Poderia também dizer que, ainda por cima, não estão solidários com os problemas dos portugueses, nomeadamente com o grave problema demográfico da baixa natalidade e do envelhecimento da população. Ou poderia inferir que, talvez por não quererem saber dos problemas de sustentabilidade da Segurança Social, não se informam e não percebem que, para tentar minimamente equilibrar a situação, o melhor mesmo é que venham muitos imigrantes, de preferência em idade laboral, de preferência em idade reprodutiva e que, idealmente, se fixem em Portugal com as crianças pequenas e que estas cá estudem e, mais tarde, por cá se estabeleçam, trabalhem e formem famílias. Mas Atir Sai­tam e Érdna Arutnev, talvez porque não gostam de Portugal, como tantas vezes o têm demonstrado, talvez porque não respeitam a dignidade dos portugueses, como amiúde o demonstram, não querem saber dos problemas dos portugueses.

Claro que se eu fosse básica, imediatista, populista, por tudo o que eles têm dito e feito, pela forma desrespeitadora como têm ofendido os portugueses, como têm desrespeitado a democracia, até poderia sugerir que se lhes fossem retirados direitos inerentes à cidadania portuguesa. Mas não vou fazê-lo.

Quero apenas lembrar-lhes que, até para estarem protegidos contra outros iguais a eles, têm que agradecer a quem lhes deu nomes que se escrevem assim, Atir Sai­tam e Érdna Arutnev, e não pela ordem inversa, senão ainda teriam mais motivos para se envergonharem. 

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A propósito dos novos 'imigrantes' da Assembleia da República que, não respeitando os hábitos e a cultura vigentes, estão a subverter o espírito civilizado e democrático que ali deveria imperar, permito-me recomendar a leitura de A grande substituição

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A imagem foi obtida através da Sora (IA), a quem pedi uma imagem que retratasse as duas tristes figuras quando eram pequenas mas com um aspecto que remetesse para o aspecto das crianças que eles tanto parecem temer, situando-as numa escola.

terça-feira, julho 08, 2025

Quando formos para melhor

 

No fim de semana, parte da família esteve a banhos no sudoeste e, da outra parte, um dos meninos esteve numa festa de anos, numa destas festas que também são happenings, desta vez incluindo equitação. Fui recebendo fotografias de uns e de outros, uns a mergulharem, outras a cantarem, um a andar a cavalo. 

Portanto, a casa não esteve tão cheia como quando estão todos, mas foi igualmente bom. Se sei que estão todos bem também estou bem. 

O bem estar e a felicidade são estados de geometria variável.

No outro dia recebi uma fotografia de uma das minhas primas com o seu neto mais novo, o que conheci no dia do velório e que voltei a ver no dia da cremação da minha tia. Na fotografia estava também o meu tio que, como sempre, estava impecável. Por tanto que tem passado e mantém-se inalterável, sempre muito bem arranjado, sempre com boa cara, mesmo muito bem. Está quase igual ao meu avô, seu pai.

O tempo passa a correr, é o que é. Penso que o nome deste meu tio, o petit nom pelo qual era chamado, foi a segunda palavra que disse (a primeira foi cão). Embora pouco efusivo -- nada a ver com o meu outro dia que falava alto, que ria, que conversava e contava histórias --, sempre admirei a contenção e os modos reservados deste meu tio. Levava-me a andar na sua bela mota, com cromados reluzentes. Os meus pais não queriam, mas ele transgredia. Eu sentia o cabelo ao vento em especial quando ele curvava. Ninguém usava capacete. Depois arranjou uma namorada bonita, com uns grandes olhos verdes e uma voz com um timbre distinto. Levou-me algumas vezes com ele quando ia namorar. Aquela namorada despertava-me curiosidade. Devia ter uns quatro anos, eu, e achava que ela parecia uma artista de cinema. Algum tempo depois fui a menina das alianças e levei um vestido todo feito de renda branca e o cabelo apanhado em cima, com uma fita de rendas em volta.

Agora ele já tem uma bisneta que é igual, igualzinha, à minha prima. Até na forma como se riem, gargalhando de forma franca, aberta. Agora a minha prima já não ri assim, está muito parecida com o pai, nos modos contidos. Mas, quando era pequenina, a minha prima ria muito. Eu também. Por vezes tínhamos ataques de riso e partíamo-nos a rir. A minha mãe diz que ficava com vontade de rir só de ver como nos ríamos. 

E, para além da bisneta que é igual à filha, quando era pequenina, o meu tio agora tem este bisneto bebé, também muito fofo.

É aquilo que digo. A nossa vida humana dura enquanto nos aguentamos na passadeira rolante. De vez em quando há um que sai. Um ano depois da minha mãe, foi a minha tia que saiu. Mas, entretanto, pouco antes tinha entrado um novo bebé.

As famílias recompõem-se. É um fenómeno fractal. Também os nosso corpos vão libertando células velhas e novas vão aparecendo. Pouco somos daquilo que um dia fomos.

Contei, num vídeo que publiquei agora no Instagram, como, no outro dia, um dos meus meninos me perguntou para quem ficaria este espaço a que, entre nós, damos um outro nome mas a que aqui, no blog, chamo heaven: 'Olha lá, quando tu e o avô forem para melhor, o 'heaven' fica para mim ou para o pai?'. Num primeiro momento não percebi. Depois percebi que ele queria dizer 'quando forem desta para melhor'. Não me fez impressão a pergunta. Pelo contrário, fico contente que gostem tanto deste lugar. Já há uns anos, um outro menino, com mais hesitação, me tinha perguntado o que aconteceria a isto quando nós morrêssemos. 

O que me preocupa e o que me custa, isso sim, é pensar como pode ser difícil a sua vida quando forem adultos, quando tiverem os seus próprios filhos. Gostava que se mantivessem juntos, amigos uns dos outros, que vivessem numa terra verdejante, amena, pacífica, em que todos se estimassem e amparassem, em que o futuro fosse promissor e aguardado com optimismo e alegria. Isso era mesmo o que eu queria. 

Mas receio tanto... Hoje esteve outro dia de calor difícil de suportar. As temperaturas sobem, sobem. E, muito sinceramente, não vejo que em Portugal estejam a ser tomadas medidas estratégicas, de longo prazo, para combater, na medida das nossas possibilidades, as alterações climáticas. E devia haver um toque a rebate, medidas globais, que tocassem a toda a gente.

Vejo que na Suíça o Estado está a financiar o arranque do betão dos pavimentos para o substituir por jardins. Junto às casas, nos parques públicos, em todo o lado em que tal faça sentido, é um movimento que está a começar. Pretende-se que os solos consigam absorver as águas para que os rios não transbordem, pretende-se devolver à natureza o que à natureza nunca deveria ter sido retirado.

Vejo que na Dinamarca há incentivos estatais para que, a nível geral, a alimentação usual comece a ser substituída por alimentação sobretudo baseada em vegetais. A poluição resultante das explorações intensivas, nomeadamente de animais, é muito relevante. Tudo o que se possa fazer para a reduzir, sem prejuízo para a saúde humana, é de louvar.

Seria interessante que houvesse, por cá, uma chamada de atenção para a necessidade de se fazer alguma coisa -- e um plano de acções para fazer o que há a fazer.

Partilho os vídeos. Dá para activar a auto-tradução que, já se sabe, não é famosa mas que pode ser uma ajuda para quem não esteja à vontade com a língua inglesa.

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"Recuperar o espaço do betão: Como as cidades suíças estão a ficar mais verdes" - Focus on Europe

O betão está a abrir caminho para o solo, enquanto os ativistas suíços trabalham para recuperar o espaço urbano para a natureza. Como o solo absorve muito melhor a chuva, a iniciativa promete reduzir a carga sobre os sistemas de esgotos urbanos.

O ambicioso plano da Dinamarca para impulsionar os alimentos de origem vegetal | FT Rethink

Os alimentos de origem vegetal são essenciais para a transição verde da Dinamarca e deverão proporcionar benefícios económicos e de saúde significativos. A pequena nação escandinava é agora líder mundial neste sector. Então, como é que a Dinamarca fez isso? Será que esta estratégia poderia funcionar noutros locais?

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Dias felizes

segunda-feira, julho 07, 2025

Sócrates & Montenegro
-- De novo, a palavra ao meu marido --
o

 

No seguimento do último post que escrevi sobre os insucessos do governo do Montenegro, e não fui exaustivo porque o post já ia longo, fui brindado com vários comentários que, em vez de rebaterem o que escrevi mencionando os "sucessos" do Montenegro nas áreas que abordei, o que era manifestamente impossível porque aos erros iniciais seguiram-se outros erros e os sucessos foram zero, vieram comentar com a velha e estafada história do Sócrates. Como por acaso andava com vontade de escrever um post sobre as evidentes semelhanças entre a postura do Sócrates e a postura do Montenegro, vou aproveitar a deixa.

Devo referir que o Sócrates até ser condenado é inocente e que, obviamente, no caso do Montenegro, as más práticas e/ou a violação de lei só poderão ser consideradas factuais quando provadas.

Parece-me evidente que existem semelhanças na forma como têm actuado para desviarem a atenção das situações em que estão metidos. Em ambos os casos, fazendo fé nas notícias, ambos escondem, numa primeira fase, uma parte dos factos, fazem comunicações formais que depois são desmentidas e usam expedientes legais para que a verdade não seja conhecida (suponho que os comentadores de serviço sabem dos pedidos do Montenegro ao TC e também do comunicado do gabinete do PM que foi desmentido pela Entidade da Transparência). E nestes três aspectos estranho que os comentadores sempre prontos a zurzir o Sócrates nada digam sobre o Montenegro. 

Existe uma diferença clara entre ambos: o Montenegro recusa-se a falar sobre o caso (será que a explicação seria pior que a percepção?), esquecendo-se que o escrutínio faz parte da democracia. O Sócrates, pelo contrário, faz tudo para ter tempo de antena. Existirão certamente outras diferenças -- e uma delas é que o Sócrates tinha uma visão para o país e o Montenegro não. 

Talvez seja razoável os ditos comentadores terem um olhar mais sereno e fazerem uma análise mais desapaixonada sobre o Sócrates reconhecendo que, enquanto governou, o país se desenvolveu. 

Se o julgamento provar que é culpado, obviamente deve ser condenado e cumprir a pena respectiva -- o que, aliás, se aplica a qualquer político, seja ele qual for.

domingo, julho 06, 2025

Galinha-choca

 

Os meus avós paternos tinham, no quintal, uma grande capoeira. Havia o recinto ao ar livre, cercado por uma vedação e havia umas casinha que comunicava com o recinto através de uma passagem em arco. Podia entrar-se directamente quer para o recinto, quer para a casinha. Ao recinto ia-se para limpar e lavar o chão, com agulheta, para pôr água fresca, para lhes dar milho ou sêmeas. Aí os meus avós nunca queriam que eu entrasse. Mas deixavam-me ir à casinha. Espreitava a ver se não estava nenhuma galinha e para ver se havia ovos na cestinha. Se havia, eu recolhia-os. E, por vezes, a minha avó fazia-me uma gemada, quer com ovo completo quer apenas com gema. Mexia bem com um pouco de açúcar. Adorava.

Se alguma galinha ficava choca e isso lhe era permitido, então a galinha tinha direito a tratamento vip. Mas muitas vezes não queriam, não sei porquê, e sacrificavam a pobre da galinha com banhos debaixo da torneira do quintal, a galinha tentando fugir, estrebuchando com todas as suas forças, e o meu avô ou avó agarrando-a com firmeza.

Mas quando a coisa podia ir adiante, a partir de certa altura a galinha era deslocada para a 'casinha', não a pequenina, anexa à capoeira, mas um anexo que também havia no quintal. Esse anexo tinha uma parte com ferramentas, muitas, algumas penduradas na parede do fundo, outras em bancadas. Tinha também uma parte em que estavam os produtos colhidos pelo meu avô na horta. Batatas em caixas no chão, cebolas entrançadas penduradas em réstias, algos também pendurados, entrançados, e uma coisa de que eu gostava imenso, tomates chucha, também pendurados pela rama, igualmente entrançada. Duravam todo o ano. A casinha tinha umas janelas pequenas pelas quais entrava pouca luz e a porta, que tinha uma janela também com portada, tal como as janelas, também não deixava entrar muita luz. Era neste anexo, à meia-luz, que a galinha chocava os ovos. E era ali que nasciam os ovos. Para mim era um sentimento misto: por um lado andava sempre naquela expectativa: já nasceram? estão quase? os ovos já estão bicados? Mas, por outro lado, aqueles pintos meio molhados, esquisitos, feios, meio apardalados, intimidavam-me bastante.

A minha avó não queria que eu andasse por ali a cirandar e não queria que eu fizesse barulho. Por vezes, ajudava-os a nascer. E pegava-lhes. Eu nunca consegui. Bichinhos assim, demasiado frágeis, sempre me fizeram muita impressão.

Mas o pior foi o que uma vez aconteceu. Creio que já o contei mas, como não tenho a certeza, arrisco a contar. 

O meu pai houve uma altura que também quis ter uma capoeira no quintal. Felizmente foi sol de pouca dura pois nem ele nem a minha mãe tinham o mesmo à vontade que a minha avó. Mas, enquanto durou, calhou uma galinha ficar choca. Não sei porquê, resolveram montar apartamento para a galinha, creio que nos dias antes do 'parto', num recanto da sala de jantar. Quando os pintos começaram a sair dos ovos, foi uma atrapalhação. Para mim, pequena, aquilo era uma preocupação. Intuía que os parteiros não tinham sabedoria para a situação. E eles não queriam que eu andasse ali de roda para não stressar a galinha e os pintos. Só que eu não resistia a espreitar. E, numa das vezes, dei com um dos pintos estendido e a esticar uma perna. Apesar de ser uma criança pequena, já tinha ouvido a expressão 'esticar o pernil' e percebia o significado. Então, em pânico, saí dali a correr fui ter com a minha mãe, mas, tão, aterrorizada estava, que mal conseguia falar. A minha mãe não percebeu a razão daquele pavor mas eu empurrei-a para a sala de jantar e, com esforço, lá consegui balbuciar que o pinto estava a morrer. A minha mãe também não era corajosa para essas situações mas lá foi espreitar. Os pintos estavam todos bem. Chamou-me. Mas, quando um dos pintos se espreguiçou, meio a dormir, esticando a pata, ela percebeu o que tinha acontecido.

Ao ver, no vídeo que aqui partilho, o pinto recém-nascido a cair de sono, lembrei-me disso.

E ao ver os pintos a quererem sair do ovo, voltei a sentir, mas a sentir vividamente, aquele susto e receio que sentia há mil anos, quando, pequenina, num compartimento quase sem luz, aguardava que o milagre do nascimento se desse.

Esta galinha mãe fala com os seus ovos – e eles cantam de volta! | BBC Earth

Já se perguntou como é que uma galinha ajuda os seus pintainhos a chocar? Conheça a Patricia, uma galinha anã de Pequim dedicada, que mantém os seus ovos à temperatura ideal e cacareja suavemente para guiar os seus pintos ao mundo.


Um bom dia de domingo

sábado, julho 05, 2025

Um mau governo
-- A palavra ao meu marido --

 

O Montenegro foi a primeira vez para o governo porque prometeu resolver os principais problemas do país e saiu reforçado na segunda eleição porque os portugueses terão ficado minimamente contentes com o que fez, muito provavelmente porque não eram fãs do Pedro Nuno Santos e porque a acefalia ainda não era um mal generalizado que pudesse dar o primeiro lugar ao Ventura. 

Os principais problemas do país apontados pelo Montenegro, bandeiras da campanha eleitoral e sobre os quais zurzia o PS, eram a saúde, a habitação, a educação, os incêndios. Para seguir a agenda do Ventura também levantou os pseudo problemas nacionais da segurança e da imigração. 

Ao fim de um ano e tal de governo, conseguiu o governo Montenegro resolver minimamente estes problemas? 

Não, não conseguiram! 

Senão, vejamos. 

O que está a passar-se na saúde -- cujos problemas Montenegro anunciou, antes de formar o seu primeiro governo, que seriam resolvidos em 60 dias --, é uma tragédia, a situação piora todos os dias e os resultados da política deste governo são assustadores em todos os aspectos. Com as tragédias que tem acontecido, como é possível que a ministra e o Montenegro não tenham um pingo de vergonha e a ministra não se demita ou não seja demitida? 

E, para variar, o Marcelo, sempre tão interventivo noutras ocasiões, agora mantem-se de bico calado. Que vergonha. A incapacidade do ministério chega ao ridículo de contratarem para o INEM uma empresa para fazer o transporte de doentes de helicóptero que não tem helicópteros nem pilotos. Inimaginável. Ninguém se demite nem é demitido? Pior é impossível. 

Depois de tudo o que aconteceu na saúde no último ano, a ministra continua. Diz que não se demite porque quer resolver os problemas, mas de facto só os agravou. Não se demite porque, como parece e muita gente o afirma, o objetivo não é resolver os problemas da saúde: é privatizar a saúde e o resto é paisagem. Como é  possível que os interesses dos lobbies da saúde se oponham aos interesses dos portugueses?

Relativamente à habitação, o governo conseguiu, com as medidas que tomou, aumentar de forma absolutamente insuportável o preço das casas. É certo que os jovens ricos, ou os pais por eles, compraram mais casas à conta das medidas do governo. Mas resolver o problema da habitação não é ajudar os que têm mais dinheiro. É exatamente o contrário. É criar condições para que quem tem menos rendimentos consiga ter uma habitação condigna. Exatamente o contrário do que foi feito pelo governo. 

Na educação iam resolver o problema de haver alunos que não tinham professores pelo menos a uma disciplina. O brilhante resultado foi haver 1,4 milhões de estudantes que não tiveram professores pelo menos a uma disciplina. Mais um "sucesso" do governo. 

Relativamente aos fogos, a área ardida triplicou. Obviamente mais um problema que não foi resolvido.

Relativamente à segurança, como era um pseudoproblema, nada foi feito e daí não veio mal ao país. 

A política do Governo não tem nada a ver com os reais problemas da imigração (a sua integração, terem habitação, educação para os filhos, saúde, etc). O objetivo é ultrapassar o Chega, se possível pela direita, e ganhar votos. Lamentável. 

Para atirar poeira para os olhos da malta e os jornais não falarem naquilo que não interessa ao governo lembraram-se de propor uma nova lei da nacionalidade que ainda por cima parece que é inconstitucional e que não era sequer tema. Aprenderam com o Trump. 

Em resumo, não resolveram nenhum dos problemas importantes que se propunham resolver. Mandaram a ética e os valores para as urtigas e criaram novos problemas e clivagens na sociedade. Infelizmente, parece ser disto que a maltinha gosta. A esperança em melhores dias já não é grande. O populismo através das redes sociais está a criar uma massa amorfa que não questiona e que não pensa, apostando no perceptível e esquecendo o essencial. 

É o que temos.

sexta-feira, julho 04, 2025

Em dia de notícia triste, socorro-me do facto de estarmos na silly season e faço a agulha para uma coisa de nada.
Eu ficava doida com as canções dela enquanto alguns amigos (no masculino) ficavam doidos com a beleza da outra

 

Estamos na silly season e, portanto, temos legitimidade para esparvoar, para falar sobre coisa nenhuma e para atirar um dia numa direcção e, no outro, numa completamente diferente.

Mas acontece que hoje, de manhã, ao olhar para o telemóvel, vi uma mensagem da menina que estava no estrangeiro, na sua viagem de finalistas. Num primeiro pensamento imaginei que fosse uma fotografia sua com amigos mas, logo depois, vi que estava a enviar a notícia da morte do Diogo Jota e do irmão, André Silva. Nada percebo de futebol e não conhecia os rapazes mas, apesar de o nome dele não me ser estranho, só o facto de morrerem dois jovens assim de repente deixou-me congelada. Mas, de imediato, pensei na mãe, a perder dois filhos. Dor inimaginável, dor existencial. Depois li que o Diogo se tinha casado dias antes, que os filhos, três crianças, tinham assistido ao casamento. Tragédia dolorosa demais. E este peso acompanhou-me todo o dia.

Não quis falar nisto pois dores imensas, em meu entender, requerem contenção, silêncio. Agora à noite, ao ligar a televisão, vejo o expectável: uma overdose, uma exploração ad nausean de uma desgraça tamanha que se abateu sobre uma família.

Por isso, não vou aqui fazer declarações sobre um tema que me deixa transida de pena, de aflição.

Espero que não levem a mal mas vou divergir, vou disfarçar.

E, para isso, trago a Janis Joplin que eu adorava ouvir, cujo LP 'Pearl' ouvi carradas de vezes, ao som de quem dancei mil vezes.

E trago a Raquel Welch que os rapazes achavam uma 'brasa', uma 'bomba', um 'avião'. 

When Janis Joplin met Raquel Welch on the Dick Cavett Show (1970)


Uma boa sexta-feira

quinta-feira, julho 03, 2025

Quando vejo um cão assim só penso: 'porque é que o meu cãobeludo maluco não é só um bocadinho assim...?'

 

Quando cá temos animação à mesa, para ele não andar de roda de nós a fazer das dele, o meu marido arranja-lhe umas coisas para ele se entreter. No outro dia arranjou uma orelha -- mas, calma, uma orelha não humana (sei que é de um outro bicho mas não me lembro de qual). Uma orelha seca, creio que, a bem dizer, só a cartilagem.

Não ligou muito mas, por via das dúvidas, foi enterrá-la. 

Hoje desencantou-a. Estava mole, escura, com ar podre. Quando me aproximei para ver que porcaria era aquela que estava, todo lambão, a roer, parou e olhou-me fixamente, nitidamente numa daquelas: 'make my day'. 

Manda quem pode, obedece quem deve. Ou seja, desisti. 

E, de cada vez que eu me aproximava, parava de roer aquela coisa e olhava-me, não sei se com medo que eu fosse roubar aquela iguaria, se a preparar-se para defender o seu tesouro. Quando está assim, possessivo, mais vale não medir forças com ele.

Tivemos que usar o truque de tocar à campainha. Aí salta, vai a correr para o portão, para impedir que qualquer invasor ouse pôr o pé no jardim. Nessa altura, o meu marido foi resgatar aquela coisa, deitando-a fora, para bem longe.

Se fosse um cãozinho fofo, obedientezinho, deixava que lhe tirássemos os seus troféus. Mas não é. Sabemos, sabemos bem, que se atirará a quem o ousar. O professor que o treinou durante meses recomenda que o distraiamos, que não o enfrentemos pois ele é mais rápido que nós e o seu instinto falará sempre mais alto. Portanto, já percebemos: pode alguém ser quem não é? Mesmo que de um cão se trate.

Agora imagine-se como fico invejosa quando vejo um canito obediente como este aqui abaixo. 

Human and Dog Team STEAL THE SHOW | Britain's Got Talent

Witness the incredible bond and acrobatic power of Christian Stoinev & Percy as this dynamic human and dog team takes the Britain's Got Talent stage by storm! Their flawless routine combines amazing feats of agility and strength, leaving the judges in a spin and absolutely mesmerized. This unforgettable performance truly steals the show!


Apocalipse sobre a praia

 

Não é novidade pois aconteceu há uns dois ou três dias mas é um cenário tão apocalítico que não quero deixar de aqui o ter, pro memória.

Se eu estivesse na praia e visse aquele rolo, qual fofo e gigante rolo compressor, a vir do lado de lá do horizonte, teria ficado assustadíssima, a imaginar que, de lá, sairiam naves espaciais assustadoras e das quais sairiam seres que nos deixariam petrificados.

De tal maneira a imagem é do caraças que, quando vi na televisão, não liguei, pensei que estivessem a falar de algum filme. Só depois percebi que era real, que o mundo está a ficar cheio de coisas do além.

Cet énorme « nuage rouleau » observé en pleine canicule au Portugal n’était pas un fake

PORTUGAL - Comme un air d’apocalypse. Ce dimanche 29 juin, de nombreux Portugais voulant se rafraîchir sur les plages du centre et du nord du pays ont fait face à un phénomène aussi rare qu’effrayant : un « nuage rouleau ». Comme vous pouvez le voir dans notre vidéo ci-dessus, plusieurs personnes ont en effet filmé un immense nuage horizontal, avançant depuis l’horizon.


quarta-feira, julho 02, 2025

Origami

 

O calor destes últimos dias tem-me desfeito. Só estou bem em casa, ao fresco. 

Mas calhou termos combinado um almoço ali para as bandas do centro, de perto do rio. Um calor de ananases. Felizmente o restaurante era relativamente perto de um grande parque pelo que o stress do estacionamento desta vez não foi tema. Claro que tive que me abstrair da memória de todas as vezes em por ali andei quando a minha mãe esteve internada, durante quase um mês, no hospital lá perto, num belo quarto com uma bela vista, vista essa a que nem ela nem eu prestámos qualquer atenção. Mas, enfim, o tempo anda e temos que andar também, transportando as memórias.

Não tentámos pôr o carro perto do restaurante pois estamos escaldados com as dificuldades em encontrar lugar. Assim, ali era garantido e, de resto, a distância não era nada por aí além. Mas subestimámos o calor que estava. Caraças. Infernal. Um daqueles calores que queimam, que custam a suportar.

Lembro-me sempre do meu espanto, há uns trinta e tal anos -- numa altura em que as viagens não eram uma banalidade absoluta --, quando um amigo chegou de umas férias algo exóticas pelos locais menos turísticos de Marrocos e me contar que, de tudo, o pior tinha sido o calor, temperaturas em torno dos 40º. Falou dos ventos, das areias, das ruas estreitas, de mil coisas, mas o calor... isso tinha-o deixado francamente marcado. E eu perguntava como suportavam, o que faziam para prosseguir os passeios dentro de tal forno. 

A experiência mais próxima que eu tinha tido tinha sido em Angola, numa viagem feita na minha adolescência. Mas a viagem foi no verão de cá, logo no tempo menos quente de lá. Estava calor e o ar era pesado, tanta a humidade, o meu cabelo chegava ao fim do dia todo empapado, mas o calor era razoável, nada de nada de fornos acima dos 40º.

E, no entanto, agora, por cá, é o que se sabe. Uma coisa impossível.

Ainda não foi desta que fui conhecer o Macam, o novo museu, às terças está fechado. Ainda tive a ideia de ir até ao CCB mas fui demovida, a ideia era peregrina demais.

Portanto, depois de termos cumprido uns afazeres, regressámos a casa onde o cãobeludo nos esperava, estendido no chão de pedra. 

Vesti o biquini e fui ler para o spot que descobri ser o mais perfeito, aquele onde poderia estar todo o santo dia, uma sombra verde, fresca e boa. 

O livro não me convence mas isso parece ser o 'novo normal', livros que não aquecem nem arrefecem mas que, espantosamente, parecem ser do agrado dos editores (e, se calhar, de muitos leitores). Mas entre uma página e outra vou olhando para a copa das árvores, para os pássaros que por ali andam, para o céu, para lado nenhum.

E estou a gostar muito das caminhadas ao cair da noite. É a hora da doçura, da intimidade. As luzes das casas estão acesas, mas as janelas ainda abertas deixam ver o tom quente e dourado do interior. As ruas estão silenciosas, o ar mais fresco, e sabe muito bem andar assim, o cão mais ligeiro, nós conversando ou não que o silêncio às vezes é muito reconfortante.

E, agora à noite, depois de ter feito umas coisas para o Instagram (tenho este lado proleta, de não me baldar, parece que tenho sempre que produzir quelque chose e então lá está, todos os dias tento fazer uma coisa para a story e outra para o feed), o Youtube traz-me de novo a matemática e a física, temas que sempre trago no coração, e, uma vez mais, envoltas em poesia. 

Desta vez o tema é o origami, tema que sempre me atraiu (numa onda contemplativa, não executiva). O que se faz com uma folha de papel só não é mágico porque tem muita técnica. Uma maravilha.

This Origami is Changing Engineering…

Twenty-five years ago, physicist Robert Lang worked at NASA, where he researched lasers. He also garnered 46 patents on optoelectronics and wrote a Ph.D. thesis called "Semiconductor Lasers: New Geometries and Spectral Properties." But in 2001, Lang left his job to pursue a passion he’d had since childhood: origami. In the origami world, Lang is now a legend—and this Great Big Story documentary tells his true story. It’s not just his eye-catching, intricate designs that have taken the craft by storm. Some of his work has helped pioneer new ways of applying origami principles to complex real-world engineering problems.


Dias felizes

terça-feira, julho 01, 2025

E se vivêssemos dentro de um buraco negro?

 

Sabemos tudo e mais alguma coisa a propósito de tudo. É ver os comentadores que aparecem nas televisões mal algum acontecimento salta para a ribalta. Os mesmos que sabem tudo sobre a Ucrânia e sobre a Rússia sabem também tudo sobre Israel e sobre a Palestina mas também sabem sobre Trump e sobre a legislação americana e, se necessário for, também são capazes de dissertar sobre as eleições no Benfica ou sobre a nuvem-rolo que galgou a linha do horizonte para ir a banhos. Mas pouco sabemos do que se passa dentro de nós, em especial no cérebro, e também muito pouco sobre o 'lugar' em que vivemos, como viemos aqui parar e para que freguesia vamos pregar quando o nosso corpo tão pobremente humano perecer.

Pasmo com as pessoas que põem e dispõem como se fossem viver para sempre, que tomam decisões definitivas sobre porcarias sem qualquer interesse como se estivessem a definir o futuro da humanidade.

E, igualmente, pasmo com as dúvidas que, por vezes, assolam à cabeça de cientistas.

O tema dos buracos negros é daqueles do caraças: matematicamente demonstra-se a sua existência e consegue-se saber (ou pensa-se que se consegue) as leis físicas que os regem. Mas ir lá vê-los, saber ao certo como são e sair de lá para contar... isso está quieto.

Até que alguém se lembra: espera lá... e se vivêssemos dentro de um? E se o que (pensamos que) conhecemos seja apenas o que existe dentro do buraco negro? Ou seja, e se o que (pensamos que) conhecemos não for o universo mas, apenas, uma ínfima parte dele? Ou seja, e se vivemos numa cápsula dentro do mega universo?

Claro que nada disso alteraria a nossa realidadezinha pequenina: o que amanhã vamos fazer para  jantar, o que temos que trazer do supermercado, em quem vamos votar nas autárquicas, como vamos desenrilhar-nos do enredo marado que prometem ser as presidenciais. Tudo isso existe e é inalterável estejamos nós dentro ou fora do buraco. E que raio de espaço habitamos é também uma coisa tão intangível que até se perceber alguma coisa não nos doa a nós a cabeça. Mas que teria graça percebermos alguma coisa disto, lá isso teria.

Mas isto, na volta, é conversa de quem tem os neurónios a derreter. Este calor derrete-me. Por mais que me banhe, nada arrefece as minhas células (nem as estátuas que tentam refrescar-me as entranhas).

Por isso, passo a palavra a Neil deGrasse Tyson.

Is Our Universe Inside a Black Hole?

Is our universe inside a black hole? Neil deGrasse Tyson (Astrophysicist & Hayden Planetarium director) breaks down intriguing new evidence along with other curious parallels that could point to the universe being inside a black hole. Is the edge of our universe an event horizon on a black hole in some other universe?  

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NB: As esculturas que aqui veem não existem, são totalmente inventadas por mim (com a ajuda da Sora)

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Dias felizes

segunda-feira, junho 30, 2025

Totalmente de acordo com o combate a sério à evasão fiscal anunciada pelo Governo e totalmente de acordo com o apontado por Vital Moreira

 

Desde que por aqui ando que falo disto: em Portugal, quem paga impostos paga mais do que deve, especialmente quem ganha um pouco acima da média, e isto porque há muita gente que deveria pagar (ou pagar mais do que paga) e não paga.

A partir de certo ponto, a carga fiscal é sentida como um esbulho. Taxar como se fossem milionários pessoas que são classe média  -- e, em vários países europeus, classe média baixa -- é dissuasor para quem pode ir trabalhar para outro país ou para quem pode fugir ao impostos.

A cena do IRS jovem é falaciosa, creio que até absurda. Qual é o jovem que opta por Portugal porque até aos 35 anos tem IRS baixo, sabendo que, quando fizer 36, o fisco lhe vai cair em cima? Nenhum. Se o tema for impostos, ele vai olhar para o que vai descontar à medida que progredir profissionalmente e aí vai ver que em Portugal se impede que alguém ganhe um pouco mais, pois metade do que ganha vai direitinha para impostos e contribuições. 

Isto do lado do que é preciso fazer na redução de impostos como arma de combate à evasão fiscal.

Mas depois há os casos especiais que igualmente carecem de combate.

O caso de que já aqui falei inúmeras vezes das personalidade coletiva (pseudoempresas unipessoais ou familiares) como expediente de fuga ao fisco, em que incorre um bom número de profissionais liberais (advogados, médicos, etc.) é para mim chocante e, num primeiro momento, eu incidiria muito claramente nesta vertente. Claro que muitos deputados, provavelmente muitos governantes (antes de estarem no Governo -- espera-se) recorrem a essa habilidade pelo que terão o rabo mais que preso e, portanto, motivação nula para irem atrás disso.

Mas, reconheça-se que, se a legislação o permite e se a alternativa é deixar ficar uma parcela enorme de rendimentos na mão do Estado, a tentação pode ser quase inescapável. 

Por isso, ao mesmo tempo que se vá atrás disso, volto a dizer: baixem-se os impostos, baixem-se de forma palpável, reduzam-se os escalões, torne-se tudo mais aceitável.

Já aqui falei que tenho muitos amigos médicos e os que já atingiram a idade da reforma e têm gosto por continuar a exercer apenas trabalham um ou dois dias por semana pois dizem que mais que isso é para ser comido pelos impostos. Portanto, os que não têm a dita empresazinha para ser encharcada de custos e para fugir ao fisco, fazem a optimização fiscal não trabalhando. Isto, numa altura em que a escassez de médicos é brutal. E isto é um exemplo pois cada um tem os seus motivos e argumentos para estar revoltado com o esbulho fiscal a que é sujeito.

Outra situação é a dos senhorios e da "enorme percentagem de arrendamentos não declarados". O que não falta são as situações de arrendamentos 'por fora' ou 'por baixo da mesa'. Só não digo que conheço vários casos em que assim é para não me virem pedir que os denuncie. Os senhorios põem as suas casas ao dispor de pessoas que não conhecem, pessoas que lhes podem trazer problemas, os senhorios têm que fazer a manutenção das casas, têm que pagar IMI, têm que pagar o seguro da casa, têm que pagar o condomínio, e, no fim, têm que pagar um imposto que é francamente dissuasor. Conheço pessoas que preferem ter uma trabalheira a manter casas antigas a que não dão uso apenas porque acham que não lhes 'compensa' se forem pagar os impostos mas não querem entrar numa situação irregular. Por isso, optam por não arrendar as casas. Com a falta de casas que há, para além de serem precisas mais casas, em especial casas para os muito pobres e para os 'remediados', habitação social, portanto, da responsabilidade do Estado, há que conseguir pôr no mercado mais casas para a classe média. E a maneira sensata será baixar os impostos sobre as rendas, mas baixá-los consideravelmente, e, em simultâneo, criar incentivos fiscais para os inquilinos que declarem as rendas através de contratos registados nas Finanças. Só assim se incentivará os senhorios a arrendarem casas a que hoje pouco ou nenhum uso deem e, ao mesmo tempo, se incentivará a que declarem fiscalmente os contratos.

O caso "do setor dos restaurantes, bares e estabelecimentos similares, onde é percetivel uma elevada evasão", também referido por Vital Moreira, é outro que merece destaque. O número de vezes em que vou a uma churrasqueira buscar frango assado ou a uma pizzaria ou a um qualquer restaurante em que, ao pagar, me dão o ticket do pagamento e o ticket da 'registadora' (no qual está escrito que é para conferência e não substitui a fatura) é impossível de quantificar. Quanto peço a fatura, até ficam a olhar para mim como se fosse uma excêntrica: 'Ah quer...?'. Confesso que nos locais de maior afluência em que, mal me despacham, se viram para atender o seguinte, até para não atrapalhar a cadência, acabo por deixar passar. Mas é indecente, é escandaloso. Impunidade total. Isto já para não falar que em muitos destes sítios só aceitam pagamento em dinheiro, ou seja, nem fica rasto. A AT não deveria regularmente andar em cima destes estabelecimentos? Deveria, deveria. Muitos impostos deveriam ser colectados se houvesse auditorias ad hoc, ie, de surpresa.

É que por haver tanta, tanta, tanta gente a não pagar impostos ou a pagar muito menos do que devia, andam outros, os que gostam de fazer as coisas by the book, a pagar muito mais do que seria razoável.

Portanto, apoio completamente que o Governo crie medidas efectivas, fáceis de implementar e de controlar para combater a evasão fiscal. E apoio que se simplifiquem as regras fiscais e se baixem os impostos. No caso do IRS, defendo que se reduza, pelo menos para metade, o número de escalões e que se reduza significativamente as respectivas taxas. 

No caso da habitação, como forma de alavancar a oferta de casas para arrendamento, que se baixem capazmente os impostos na tributação autónoma e se criem incentivos aos inquilinos que tenham recibos emitidos pelas Finanças.

Tal como nos malfadados tempos da troika ataquei ferozmente a política de austeridade porque asfixiou a economia e empobreceu as pessoas e o País, agora continuo a defender que a economia precisa de liquidez para se movimentar e para crescer. Libertar mais rendimento (por redução da carga fiscal) só aparentemente empobrece os cofres do Estado pois, havendo mais liquidez circulante, há mais consumo, há mais investimento, há mais emprego, há mais poupança. E, em qualquer dessas vertentes, incidirão os impostos, fazendo com que a colecta se fortaleça (não por via das taxas mas da base sobre a qual se aplicam).

Sei bem que haverá quem diga que lá está a minha costela liberal a manifestar-se. É verdade. Tenho uma costela liberal, já o disse muitas vezes. Liberal (qb) na economia e liberal (qb) nos costumes sociais. Quando disse há tempos que se o Partido Socialista não souber reinventar-se e trazer de novo para os seus valores os da social-democracia que estão na sua origem, há lugar para um partido novo, progressista, democrático, humanista, moderno, venerando a cultura e o planeta, liberal.

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A imagem lá em cima, muito primariazinha, foi o que saiu via IA.
Se fosse mais cedo, tentava coisa mais apurada. Assim, peço que aceitem as minhas desculpas

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

domingo, junho 29, 2025

Jeff Bezos ou o primo da Madalena Abecassis -- ou quando o casamento deixa de ser um simples casamento

 

Tive vontade de completar o título com "... e passou a ser uma grande palhaçada" mas contive-me. Cada um sabe de si. Além disso, não se podem analisar as coisas independentemente do tempo em que ocorrem. As circunstâncias vão formatando as mentes.

Para mim um casamento é a formalização de uma união que, de alguma forma, já existe. Cada um já tem que saber que é com o outro que quer viver e formar família. Pode até acontecer que isso já esteja a acontecer sem que o 'papel passado' faça qualquer falta. 

Se fosse hoje, provavelmente não me tinha casado pois passava bem sem a cerimónia e sem a festa. Simplesmente, parece que, naquela altura, era normal as pessoas casarem-se. Casei-me sem sequer nos ocorrer que poderíamos, simplesmente, viver juntos. Mas também não sei se, na altura, a união de facto já tinha o enquadramento que hoje tem. E, de resto, também não sei se hoje estar-se casado é igual, em termos de direitos, a viver em união de facto. Se houver algum inconveniente, também não vejo que o casamento faça mal.

Mas, seja como for, para mim o casamento é uma formalização, um acto administrativo, e pode ser também um momento de reunir família e amigos dos dois lados para que se conheçam e convivam.

Já contei que o meu casamento foi decidido e tratado creio que num mês. Fomos ao notário e perguntámos qual a primeira data disponível. E foi nessa data que ficou. Era uma sexta-feira e nem pensámos que poderia ser um transtorno, o meu pai é que me censurou por isso (mas também foi uma censura relativa e, além disso, compreendi o que ele dizia, que era dia de trabalho, que as pessoas teriam que tirar um dia de férias). Depois fomos escolher um sítio para o copo de água. Vimos uns dois ou três e optámos por um lugar simpático, na cidade, com uma ementa que nos agradou. O fotógrafo foi um amigo da faculdade. Para a toilette, achei-me 'mascarada' de noiva se usasse um vestido todo produzido (que era o que havia) e por isso optei por uns jeans justinhos brancos, umas sandálias em cor nude, e uma túnica branca em organza bordada também a branco, um modelo Augustus. Depois é que percebi que era totalmente transparente. Naquela altura isso seria um bocado descabido. Por isso, usei por baixo, um top de algodão, ultrafino, de alcinhas ultrafinas. Tudo simples, sem qualquer complicação ou artifício. 

Os casamentos dos meus filhos não foram nada disto, foram grandes festas, creio que talvez umas duzentas pessoas em ambos os casos, locais preparados, com música, com reportagem fotográfica de qualidade, tudo num outro comprimento de onda. Mas, ainda assim, românticos, muito alegres, muito genuínos: a festa foi feita por eles e pelos convidados.

Agora, quando vejo os casamentos transformados em eventos, organizados como se fossem espectáculos de entretenimento e diversão, espaços e momentos de exibição, fico um pouco incomodada. Já nada têm a ver com a partilha de uma decisão íntima.

O casamento do Bezos com Lauren Sánchez é o cúmulo dos cúmulos do que, em minha opinião, é um anti-casamento. Tomados e ungidos pelo ultra poder da sua ultra galáctica fortuna conceberam o casamento como uma ultra ficção. Para disfarçar a ultra arrogância, doaram dinheiro e convidaram os convidados a fazerem doações. Os ultra ricos a darem esmola aos pobrezinhos, à cidade pobrezinha quase a afundar-se, ao planetazinho pobrezinho tão cheio de problemazinhos climáticos e o escambau. E os convidados incluem a rainha dos reality shows e da cinturinha de vespa e respectivas sisters e recauchutada mamã, a rainha das entrevistas, uma rainha supostamente a sério, o rei dos pc's, o rei do titanic e mais toda a espécie de exemplares do showbizz e arredores. Faltou o candidato a nobel da paz, o dos belos e grandes feitos, o da boquinha de rosa e mãozinhas de  bebé. Foi pena. A coisa teria ficado mais composta. Mas fez-se representar: veio a menina de seu papá, em róseo e abrilhantado vestido, mais o seu empreendedor marido, partner do sogro na visão de uma Gaza virada para a dolce vita, high luxury resort. Não sei quem celebrou o acto, se terá sido um cardeal escolhido a dedo ou se dispensaram a bênção divina. Tanto faz. E o que se viu foi que, depois de ter ajudado a eleger o tal que faltou, depois de se muscular e injectar para ser um eternamente jovem, o todo poderoso noivo resolveu dar o cinéfilo nó com a sua insuflada e reluzente noiva na terra da morte em veneza e isso, só por si, já seria uma heresia sem perdão.

Mas, neste mesmo dia, o instagram mostrou-me um outro casamento. Tudo filmado pela Madalena Abecassis. Talvez fosse o casamento de um primo. Um reality show a céu aberto. No meio do copo de água (e será que ainda se chama copo-de-água a uma cena destas?), apareceram uns polícias. 'Vem aí a bófia!', gritou alguém, creio que ela. E, de repente, os polícias não eram polícias, eram dançarinos disfarçados de polícias. Não sei se chegaram a fazer strip se ficaram assim mesmo. O que sei é que algemaram pessoas, apontaram armas à cabeça dos convidados. E toda a gente ria, tudo bem bebido, tudo descontrolado, tudo numa histeria colectiva, e ela sempre a filmar, tudo a festejar o facto de estar com uma pistola apontada à cabeça. E eu, vendo isto, interrogo-me: é isto um casamento? O que é que se celebra assim? 

Confesso: vi sem acreditar no que estava a ver. A perversão ou a distorção de valores parece não ter limites. Não são só os governantes que fazem coisas incompreensíveis. São os cidadãos, os que elegem governantes perigosos, são os cidadãos que, no seu dia a dia, revelam ter mentes viradas do avesso, uma perversão colectiva que parece avançar sobre a consciência das pessoas como uma imparável mancha de óleo.

Tudo isto é demasiado chocante para mim.

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Felizmente ainda há protestos. Mas são devorados, engolidos pelo buraco negro da perversão.

Jeff Bezos and Lauren Sanchez's wedding underway in Venice | BBC News

Reality stars, actors, royals and A-listers have travelled to Venice for the lavish wedding of Amazon founder Jeff Bezos and TV presenter Lauren Sanchez. 

Oprah Winfrey, Orlando Bloom, Kylie Jenner and Ivanka Trump were just some of the celebrities seen on the boats and streets of the Italian city on Thursday and Friday. 

But the event has attracted protests from a variety of groups in Venice, including locals fighting over-tourism to climate change activists. 

The festivities are expected to last three days, ending with a large party for the married couple and their hundreds of guests on Saturday.


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Desejo-vos um belo dia de domingo