Um colega meu goza imenso com a vida profissional e com o respectivo tempo de (in)actividade da mulher. Descreve o dia dela como sendo em parte passado no café com colegas a dizer mal de outros colegas, nomeadamente dos da Direcção, depois uma pequena parte na escola, depois uma ida ao ginásio, depois ao café, de novo para conversar com colegas. Em casa lá vê de vez em quando uns testes e, recorrentemente, diz mal da vida de professora. Tenho ideia, mas não juro, que terá um horário de 16 horas por semana. Ora, isso faz o marido em dois dias -- sem se queixar.
Há tempo, num sábado, fizémos um almoço em casa de um outro colega. Os cônjuges também foram. Como os meus colegas são homens, acabei inevitavelmente no grupinho das mulheres. Duas delas são professoras e, de tal forma estavam obcecadas com a sua condição de exploradas, que monopolizaram a conversa. Com cada coisa que diziam eu ficava arrepiada. De vez em quando eu trocava olhares com uma outra que é cirurgiã (no público e no privado) e com outra que é química e que mostravam estar igualmente estupefactas. Uma outra não trabalha pelo que ainda mais afastada estava de toda a conversa. As professoras relatavam, entusiasmadamente, factos relativos à sua vida profissional como se fossem feitos notáveis que, só por si, as fizessem ficar dispensadas de trabalhar mais horas, mais anos. Para quem, como eu (e como a médica e a química), trabalha de sol a sol, sujeita a toda a espécie de pressões e dissabores, tudo o que elas relatavam era canja de galinha ou, pelo menos, eram meros ossos do ofício. Mas, por motivos que só elas sabem, consideravam-se umas vítimas e dignas de serem o centro de todas as atenções.
Lembro-me sempre de a minha mãe, agora professora reformada, ter ficado altamente contrariada por eu ter deixado a vida lectiva (fui professora do secundário durante dois anos e tal), dizendo que eu ia trocar uma vida regalada, com muito tempo livre, por uma vida de trabalhos, em que ficaria sem tempo para mim e para a família que estava a formar. E tinha razão.
Pois bem.
(...) "Ao contrário de quase todos os outros países da OCDE, os professores portugueses, do pré-escolar ao ensino secundário, ganham mais do que outros trabalhadores com educação terciária [ensino superior]", diz o relatório, precisando que esta diferença "varia de 35% a mais no 3.º ciclo para 50% a mais no pré-escolar". Os diretores também são referidos, com a OCDE a concluir que estes "ganham o dobro do que os trabalhadores com o ensino superior ganham em média". (...)
A OCDE reconhece que, além do salário, é importante garantir outras "boas condições de trabalho" e que esta é uma variável "que engloba várias dimensões, muitas das quais são difíceis de medir". No entanto, diz também que, "pelo menos em termos de tempo dedicado ao ensino, os professores em Portugal beneficiam de horários mais leves do que na média da OCDE, e têm comparativamente mais tempo para atividades não letivas, como a preparação de aulas e a correção de trabalhos de casa".
Por exemplo, diz, "nos programas do terceiro ciclo em Portugal, o tempo dedicado às atividades letivas é de 616 horas por ano (a média da OCDE é de 701), o seu tempo de trabalho requerido na escola é de 920 horas (a média da OCDE é de 1178) e os professores passam 42% do seu horário total de trabalho a lecionar (quando a média, entre os países com dados disponíveis, é de 44%)".
O relatório lembra ainda que, "como noutros países, a carga de trabalho e exigência em termos de ensino podem evoluir ao longo da carreira dos professores" e que, em Portugal, "os professores podem beneficiar de uma redução dos horários letivos devido à sua idade ou anos de profissão, ou por se dedicarem a atividades extracurriculares na escola".
E eu, que já não consigo ouvir o Mário Nogueira, fico a pensar:
- Não percebe ele que está a degradar a imagem dos professores aos olhos do resto da população?
- E não percebe ele que, com as conclusões de relatório como este da OCDE, ainda mais ridículo fica perante quem exerce outras profissões?
Fazem bandeira da pretensão de ter de volta os anos em que a progressão esteve congelada. Também eu gostava. Ganho menos agora do que ganhava há uns anos. Com ordenados congelados e com uma carga fiscal que me come mais de metade do que ganho, também eu gostava que nada disto tivesse acontecido. Mas aconteceu. Havia de ter graça que os restantes profissionais tivessem que suportar eternamente uma carga fiscal devoradora para fazer face às reivindicações dos senhores professores que acham que têm direitos que os outros cidadãos não têm.
E de que é que os professores estão à espera para correrem com aquele exemplar do sindicalismo pré-histórico que, em vez de defender e prestigiar os seus membros, apenas faz crescer os anticorpos contra eles por parte do resto da população?
Tão caladinho que este insuportável Nogueira andou nos tempos da troika e tão amiguinho que era do Crato... e agora é que lhe deu para andar outra vez a moer a paciência aos portugueses? Chiça.
PS: E uma perguntinha: porque é que o Mário Nogueira e os seus muchachos só chateiam o Governo e só fazem reivindicações para os professores do ensino público ? No ensino privado os professores estão todos bem? Trabalham o mesmo que os do público? Ganham tão bem como no público? Têm a mesma segurança que no ensino público? Por acaso gostava de perceber o porquê do silêncio em relação ao que se passa nos colégios e universidades privadas.
(Mas, enfim, nada de diferente do que se passa na Saúde. Interrogo-me porque é que a Ordem dos Médicos ou a dos Enfermeiros nunca falam sobre o que se passa no privado. Será que, por lá, é tudo um mar de rosas...? Pergunto)
(Mas, enfim, nada de diferente do que se passa na Saúde. Interrogo-me porque é que a Ordem dos Médicos ou a dos Enfermeiros nunca falam sobre o que se passa no privado. Será que, por lá, é tudo um mar de rosas...? Pergunto)
13 comentários:
Ora viva, UJM!
Sendo filha de professora, sei bem que é uma vida mais regalada em muitos aspetos que as levadas por grande parte de outra profissões. Como em tudo, há prós e contras, picos de trabalho em épocas de avaliações e reuniões sem fim precisamente quando a burocracia é maior, contacto com situações de risco (depende também das áreas: sendo a minha mãe de educação especial, a própria integridade física é muitas vezes "osso do ofício"). Em geral, permite ter muito mais tempo livre, sim, contando já com trabalho não letivo. Mas quando se anda com a casa às costas todos os anos, ficando a viver muitas vezes longe da família ou tendo de fazer grandes viagens diárias ou semanais (para ver a família no fim de semana, como a minha mãe quando esteve em Elvas, onde foi efetiva muito tempo), o tempo livre parece que já não é assim tanto. Acho também que hoje em dia a precariedade é uma realidade calamitosa: milhares de professores com dez, quinze anos de serviço e ainda "contratados". Quanto ao Mário Nogueira, acho que faz bem o papel dele. Acho que os professores fazem muito bem em exigir a contagem dos anos do "congelamento" para a carreira. Acho que as outras profissões criticam até chegar a vez delas. Acho que o sindicato dos professores move uma quantidade de trabalhadores como nenhum outro em Portugal e por isso tem de ser quase sempre ele a dar o mote a estas reivindicações. Acho que, em tempos, os professores se insurgiram contra a Maria de Lurdes Pereira porque ela queria que eles fossem avaliados e isso descridibiliza lutas futuras, como a atual relativa à progressão na carreira. Mas não tenho dúvidas que o Estado tem de honrar os compromissos para com os cidadãos com quem estabelece contratos e que decidem ingressar numa certa carreira pública, com um certo estatuto com as regalias e obrigações inerentes, incluindo quanto à progressão mais rápida da carreira. Ora, não me venham dizer que estar o mesmo número de anos com a carreira congelada é igual se há carreiras onde se tem direito a progredir mais depressa. Se achamos, como país, que os professores não deviam ter direito a mudança de escalões mais rápida que os outros, isso é outra conversa. Mude-se o estatuto do professor. Não esquecendo que cada carreira tem as suas regalias e obrigações específicas, desde os militares aos médicos. Neste momento, o estatuto que existe é o que existe e não devemos mudar as regras do jogo a meio. É óbvio que a crise afetou todos, no público e no privado e que é possível encontrar soluções intermédias, através de negociações sérias. Fazer dos professores os maus da fita não me parece o mais eficiente (nem justo). Se formos imparciais, é fácil percerbermos que quem tem mais a perder, perde mais e se os professores já deviam estar dois escalões à frente quando os outros deveriam ter avançado apenas um, quem perdeu mais foram os professores.
Abraço,
JV
Brava e brilhante JV,
Sempre um gosto lê-la. Nunca joga palavras fora: tudo o que diz é justo e acertado. Posso nem sempre concordar consigo, embora a maior parte das vezes concorde, mas aprecio sempre o vigor da sua argumentação. E deixa-me sempre a pensar.
Os precários, as distâncias, tudo isso é verdade e é terrível. Mas não é disso que agora se fala. Aliás, disso pouco se fala. Fazem-se ameaças e esgrimem-se argumentos como se fossem chantagens. Acho que o Mário Nogueira dá cabo da imagem dos professores.
Mas vou reflectir no que escreveu.
Quando eu for grande, quero ser tão vibrante e explícita na minha argumentação como a valente JV!
Abraço, mulher. Gostei de lê-la (como sempre).
Contributo - quiçá parco - para reflexão de UJM
http://dererummundi.blogspot.com/2018/09/afinal-flexibilidade-curricular-e.html
JV já disse muito e bem, mas deixo esa sugestão para reflectir àcerca das trapaças da mais que flagrante encomenda do estudo:
https://expresso.sapo.pt/sociedade/2018-09-12-Fenprof-acusa-OCDE-de-apresentar-dados-falsos-sobre-salarios-de-professores-Duas-mentiras#gs.X8FG47w
E eu se não conhecesse já a UJM diria que me estava a dar graxa :)
Quanto ao link partilhado pelo comentador anónimo, é verdade, sim, que o relatório é uma trapaça. Ontem à noite eu é que estava já muito cansada para entrar nos pormenores do relatório (e agora não tenho tempo). Efetivamente, os valores são completamente desfasados da realidade. A minha mãe tem mais de vinte anos de serviço e garanto-lhe, UJM, que ganha o que diz o sindicato e não o relatório.
Outro facto é que em Portugal os professores - como outras profissões - têm muito mais burocracia do que a imposta aos professores de outros países. Por culpa da lei e dos próprios professores. Tenho uma tia professora em Espanha e é incomparavelmente menor o número de reuniões e papelada que no início e no fim de cada período escolar ela tem. Aliás, no verão as férias dela começam quinze dias mais cedo por causa disso. A organização é totalmente diferente.
A UJM falou nos docentes universitários e essa é uma questão, de facto, ainda mais grave. O que não falta é universidades e institutos em que os chamados "investigadores bolseiros" têm cargas letivas e não letivas pesadas e só recebem uma mísera bolsa de investigação (supostamente para se dedicaram à elaboração da tese em exclusividade ou quase exclusividade...) em vez de um verdadeiro e merecido salário. E as pessoas andam nessa vida anos e anos, mesmo após terminarem o doutoramento, uma vez que atualmente isso não basta para ingressar automaticamente na carreira académica. O Técnico é um triste exemplo.
Abraço,
JV
A jovem Leitora JV (e brilhante cabeça, sempre bem articulada) disse e muito bem o que havia a dizer. Quanto aos professores e a sua situação - basta ver os inúmeros processos que chegam aos tribunais administrativos - não é aceitável. Quanto à “fábula” dos seus vencimentos, que a UJM aqui transcreve, da OCDE, é de facto extraordinário! Para ter uma ideia, não há professores a ganharem mais de 2 mil euros líquidos, a maioria está muito abaixo disso, pelo menos actualmente e mesmo antes eram muito poucos. Depois, como JV refere, há as colocações, muitas das vezes distantes, o que não dá direito a abonos, ou outras remunerações suplementares. Para além de se ter criado uma lamentável imagem pública acerca deles/as (por culpa dos governos do tal “arco da governação”, PSD, PS, CDS).
Se compararmos, por exemplo, a situação deles, professores, com a de muitos dos quadros de empresas privadas, que auferem, esses sim, salários (líquidos) substancialmente melhores, para além de bónus de representação e deslocação nalguns casos, que não são tão poucos assim, mais prémios anuais, TLM, viatura, etc e uma reforma confortável, como tantos casos que conheço, poder-se-á constatar que aquilo que são os tais salários “excelentes” não passam de uma mentira (e então as reformas é melhor nem falar).
Quanto a Mário Nogueira faz o papel dele. Está ali para defender os interesses dos professores. Como é o caso actual. Muito justamente. Goste-se ou não da figura.
Numa profissão liberal temos uma Ordem para defender os nossos interesses, no caso de outras profissões, como a dos professores, magistrados, etc, existem sindicatos. É assim que as coisas funcionam. E a essas profissões pouco interessa se os seus dirigentes são mal vistos por certos sectores, ou pelos governos, ou por determinada opinião pública, desde que lhes defendam os seus interesses.
É assim que vejo esta questão - desapaixonadamente.
Cordialidade,
P.Rufino
Talvez assim seja mais perceptível:
(dados recolhidos numa escola secundária)
vencimento de um professor quando é colocado pela primeira vez, quer tenha licenciatura mestrado ou doutoramento:
Vencimento base - 1 373,13 €
IRS - 232,00 €
C.G.A. - 151,04 €
ADSE - 48,06 €
Total descontos - 431,10 €
Nº dias Sub.Alimentação. (22 dias) - 104,94 €
Ordenado líquido - 1 046,97 €
vencimento de um professor com 63 anos de idade e 40 anos de serviço, quer tenha licenciatura, mestrado ou doutoramento:
Vencimento base - 3 091,82€
IRS - 874,00€
C.G.A. - 340,10€
ADSE - 108, 21€
Total descontos - 1 322,31€
Nº dias Sub.Alim. (22 dias) - 104,94 €
Ordenado líquido - 1 874,45€
Pelo meio, há uma franja significativa de professores que têm à volta de 53,55 anos de idade e 30 de serviço e que auferem entre 1400 a 1500€.
Não sou professor, apenas me interesso por estas coisas e gosto de recolher informação precisa.
Caro Leitor
Se não é professor saberá que um formado (licenciatura ou mestrado) que entre numa empresa a fazer cerca de 37,5h/semana ganha menos do que o que refere como ordenado de entrada no ensino.
O valor que refere para fim de carreira de um professor é da mesma ordem do que ganharia numa empresa (não tendo cargos de direcção) e com certeza trabalha metade das horas do que numa empresa.
Faço notar que ao divulgar dados pessoais que identificam pessoas, locais de trabalho e ordenados, está a ir contra o RGPD pelo que julgo ser preferível que retire o comentário onde aparecem os nomes. Caso o não faça, por exemplo, por não saber como fazê-lo, não leve a mal mas retirá-lo-ei eu.
Cordialidade.
Peço desculpa, mas há aqui dois comentários anónimos. Escrevi o segundo, o que tem a comparação entre dois vencimentos.
Caro Leitor Monteiro, estou-me nas tintas para valores brutos. Aquilo que me interessa é o que chega ao bolso de cada - líquido -no final do mês. O resto são tretas!
Por exemplo, noutras carreiras, com outro tipo de visibilidade, como a Diplomacia, vemos Embaixadores, após mais de 40 anos de serviço a auferirem reformas à volta dos 3 mil euros, mais coisa, menos coisa. Ora, para quem exerceu funções tão relevantes ao serviço do Estado, este tipo de situações choca. Mas, assim sucede, no Estado. Quando se comparam qualificações como a de um alto magistrado, um embaixador, um general, etc, e vemos os respectivos salários e reformas e olhamos para o que um quadro numa empresa privada (com dimensão) tem de vencimento, ou de reforma, com qualificações inferiores, ou idênticas, isso choca!
P.Rufino
Tem razão, Leitor. Quem escreveu os nomes e ordenados foi o Leitor BMonteiro. Li os comentários no telemóvel e dado serem grandes, às tantas, confundi-me.
Peço, pois, ao Leitor BMonteiro que anule o seu comentário.
Os valores acima de 1500 euros de um professor referem-se a vários anos de serviço. Compare-se com o sector privado numa boa empresa e depois conversamos, com idênticas qualificações.
Acontece até que muitas vezes nem dinheiro têm para pôr uma acção no Tribunal Administrativo. Se não for o Sindicato a defende-los...
Há muita gente (do sector privado) a palrar do que não sabe!
P.Rufino
P. Rufino,
Fala como se o sector privado fosse o El Dorado... Olhe que não, olhe que não... E não precisa de ser uma pequena empresa. Mesmo nas grandes. Conjectura-se que no privado tudo são rosas. Não são, não são. Há cargos bem remunerados mas depois há os outros cargos.
E faça-se as contas ao valor horário. Divida-se o valor mensal pelas horas trabalhadas. Compare-se o que é comparável.
E ouça, P. Rufino, sei do que falo.
Enviar um comentário