terça-feira, agosto 20, 2013

Se o expressionista Munch a tivesse conhecido, que quadro pintaria?, pergunta-me jrd. Vou jogar os búzios, socorro-me de Erik Satie, de uns quantos poetas, faço um cadavre exquis e depois interpreto o que os búzios me dizem. A resposta está mais abaixo. Faz sentido?



Se o expressionista Munch a tivesse conhecido, que quadro pintaria?, pergunta-me jrd.


Impossível saber. Mas posso deixar-me ir, numa deriva, e ver se obtenho uma resposta que faça sentido (embora ao lado). 

Vou fazer como se deitasse os búzios, parece-me uma boa opção.

Vou buscar Satie (cuja subtileza, aqui, corre em cima das mulheres de Modigliani - mas não é Amedeo nem a sua Jeanne que hoje são para aqui chamados), vou pegar nuns quantos livros de poesia, ao acaso, perfeitamente ao acaso, vou abrir cada livro também ao acaso, vou transcrever um verso de cada, aqueles que vierem ao chamamento de Satie, e depois logo vejo se adivinho que quadro é que Munch pintaria para ilustrar a mulher que teria escrito o poema obtido através de Satie e do cadavre exquis que daqui nascer.



Música, por favor



Erik Satie, Gnossienne nº 2 - interpretação de Reinbert De Leeuw

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                                              Não quero mais mundo senão a memória trémula       1
                                              Partes, o céu demora-se
                                              a entardecer e a lassidão flutua      
                                              como as volutas do incenso a arder         2
                                              Ninguém nos vem em socorro
                                              ninguém nos liberta os braços        3
                                              Ah o terrível, o trémulo que tão fácil dissipa o universo inteiro      4
                                              Quem sofre está sempre em situação de
                                              espera        5
                                              A terra é absorvida pelos poros
                                              da alma         6  
                                              É verdade que quando eu contigo
                                              me inclinava o mundo por instantes
                                              recuava.      7
                                              Se tudo é pureza apaixonada,
                                              direi somente que és tu o meu retrato         8
                                              Oh, a absurda melancolia do teu olhar         9


Então, agora que lancei os búzios, como é que Munch pintaria a mulher que teria escrito este novo poema ao som de Satie?

Reparo que o resultado foi nostálgico, melancólico. Face a isso, eu diria que Munch pintaria a mulher que, a existir, teria escrito o que acima se pôde ler, como pintou Inger numa outra noite de verão, uma mulher que, em tudo, até fisicamente, parece ser o meu oposto. 



Edvard Munch, Summer Night – Inger on the Beach, 1889

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No cadavre exquis cada verso assinalado foi retirado de:


  • 1 - Herberto Helder, Servidões, pag. 82
  • 2 - Soledade Santos, Sob os teus pés a terra, Poema 'Azul da quase noite', pag.58
  • 3 - David Mourão-Ferreira, A arte de amar, poema 'Romance de Pompeia', pag. 205
  • 4 - Herberto Helder, As magias, tradução do poema 'Iniji' de Henri Michaux, pag, 24
  • 5 - João Miguel Fernandes Jorge, Oferenda, poema XXVII, pag.67
  • 6 - Armando Silva Carvalho, Canis Dei, poema da pag. 29
  • 7 - Margarida Vale de Gato, Mulher ao mar, poema 'Feiticismo', pag. 34
  • 8 - Ricardo Gil Soeiro, Espera vigilante, poema III, pag.18
  • 9 - Manuel Gusmão, Pequeno tratado das figuras, poema #18, pag.97



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(A ver se ainda cá volto.)


1 comentário:

jrd disse...

Perante um poste como este falha-me o golpe de asa para elaborar um comentário à altura.
Texto, música, imagem, selecção de poetas e enquadramento dos versos, tudo faz sentido.
Daí que, apenas possa acrescentar que, apesar de constituir uma obra- prima, certamente que não seria o "Grito" o quadro pintado por Munch (aliás já tinha sido)...

Já visitei o museu Munch por três vezes: Na primeira o quadro tinha sido roubado, na segunda estava em fase de restauro, finalmente na terceira, faz três anos, pude contemplar fascinado toda a expressividade de uma obra admirável.

Obrigado pela referência.

Abraço