domingo, setembro 02, 2012

Eu, a minha frágil condição humana, as casas em que eu vivo e os grandes anjos que sinto em volta dos meus passos - a propósito da entrevista a Paul Auster no Expresso deste sabado



Para nos acompanhar, uma valsa especial, por favor


Mário Laginha sobre Chopin, Valsa nº 2 Op. 34
Interpretação do próprio Mário Laginha, Bernardo Moreira e Alexandre Frazão.
 Fotografias de Zeev Parush

*


Eu não penso que seja uma pessoa interessante ou que tenha tido uma vida notável. Quando penso em mim, penso no que significa ser humano, e não na minha história. Penso em como é viver dentro de uma mente, de um corpo, as coisas que acontecem a uma pessoa no decorrer da sua vida, as mudanças de sorte, os altos e baixos, o sofrimento físico e mental, o prazer físico e mental. Tudo está profundamente integrado.

As neurociências e a psiquiatria concluíram que a memória e a imaginação têm funções praticamente idênticas no cérebro. Há uma sobreposição. De facto, recordar é uma forma de imaginar. É um exercício confuso, inexacto, cheio de sombras.

O enquadramento é extremamente importante. E os espaços, todo o tipo de espaços, interessam-me muito. Em especial os domésticos, a forma como nos ajustamos a eles, como vivemos num pequeno quarto ou numa grande casa. A vida em cada um é necessariamente diferente.


Estes excertos fazem parte da interessante entrevista que Luciana Leiderfarb fez a Paul Auster e publicada no Actual do Expresso, na sequência da publicação do livro autobiográfico Diário de Inverno.

Transcrevo-os porque se referem a temas que me interessam.

Sobre esta questão da identidade (que, na verdade, nós próprios desconhecemos), do que a condiciona, do que a influencia muito tenho, ultimamente, reflectido. Bem, reflectido não será bem o termo porque não sou especialmente dada a grandes reflexões. Mas é um assunto que aflora ao meu pensamento.

Quando há quase dois meses fui internada para me submeter a uma intervenção cirúrgica, ao ser levada na cama do hospital, corredor fora, despojada da minha condição habitual de cidadã pedestre, amiga de dar caminhadas junto à água, e subitamente transformada numa indefesa paciente, percebi como é tão frágil a nossa condição, tão indecentemente frágil.

Felizmente o mal que me afectava, apesar de ultimamente me vir provocando incapacidade a nível da mobilidade, não era grave, embora fosse suficientemente incomodativo para levar à decisão da intervenção. E o que eu julgava ser resultante de uma queda dada muitos anos atrás veio, afinal, a revelar ter uma outra causa, causa essa ainda por desvendar e que tem vindo a ser objecto de análise. Tudo se passa dentro do meu corpo, de forma silenciosa, e eu não o controlo nem sequer conheço. Ou seja, há uma parte de mim, que me condiciona, que actua com vontade própria, sem lealdade, e sem capacidade de comunicação comigo própria. Se quero saber que realidade é a que existem dentro de mim, tenho que fazer com que outros, mais conhecedores do que eu, me vejam através de máquinas ou analisem o meu sangue ou o que entendam por bem analisar. Eu, que sou eu, desconheço-me.

Nesse dia, ali na antecâmara do bloco operatório, o médico que me ia aplicar a anestesia perguntou-me se eu estava tranquila e eu disse-lhe que me fazia impressão ir levar uma injecção na coluna. Então, ele sorriu, disse que não ia custar nada mas que me ia dar uma coisinha para eu ficar zen. Acto contínuo adormeci. Quando acordei estava já na sala de recobro, com o cirurgião assistente ao meu lado. Relatava aquilo que, segundo ele o cirurgião já me tinha explicado (e de que eu não tinha qualquer ideia), o que tinham feito, o que tinham visto, e fartou-se de rir por eu ter dormido tanto (supostamente aquela anestesia tira a sensibilidade mas não a consciência). Entretanto, eu não sentia as pernas e assim ainda fiquei por um bom bocado mais. A enfermeira dizia para eu mexer as pernas ou os pés mas eu nem fazia ideia onde eles estavam. 

Durante as duas horas que durou a intervenção os médicos espreitaram para dentro do meu corpo, cortaram, repararam, fizeram o que quiseram e eu não dei por nada. Eu, que sou tão voluntariosa, ali estive, inerte, absolutamente passiva e com o meu corpo à disposição do que quisessem fazer dele (e falo do meu corpo como se o meu corpo não fosse eu, como se houvesse um outro 'eu' acima do meu corpo; e, na verdade, com uma injecção ou umas gotas, nem sei, esse meu 'eu', isto é, a minha vontade, foi tão facilmente anulada).

E depois, aos poucos, recomecei a sentir as pernas mas tudo era estranho. De repente, eu tinha voltado a mim mas na condição de acamada, dependente, a soro. As enfermeiras apareciam e viam a temperatura, davam-me comprimidos, uma infecção na barriga, viam os drenos, depois veio o médico e eu ali, deitada, submissa, muito longe do que era antes (do que era ou do que julgava ser). No dia seguinte, de manhã, as enfermeiras, eficientes, apareceram para me lavar. Fiquei muito admirada, não estava nada à espera daquilo, mas elas disseram que eu não me podia levantar sem o médico autorizar e, num ápice, viravam-me, passavam-me com uma esponja, limpavam-me, viravam-me. Reconheci-me, então, eu própria, como um objecto desconhecido, um objecto que gente desconhecida podia facilmente manusear.

Umas horas depois o cirugião apareceu de novo e, com a ajuda das enfermeiras, levantaram-me e mandaram-me andar. E, quase incompreensivelmente, o meu corpo, ainda que a medo, deu uns passos. E passadas umas horas fui para casa, pé ante pé, muito devagar, totalmente apoiada, mas fui.

Por isso, achei interessante a expressão de Paul Auster sobre viver dentro de uma mente ou de um corpo.

E por isso e por tudo o mais, vou seguindo a minha vida, agradecida, abençoando o dom de estar viva e de poder ir pensando nestas e noutras coisas, assistindo ao milagre da renovação da vida, testemunhando a maravilha que é a natureza apesar de todas as incógnitas e mistérios.

Poderia dizer que vou seguindo o meu caminho das pedras.



.                                                                                                                                                                    .


Passo, assim, para a outra afirmação de Paul Auster ao referir a influência do espaço que habitamos na nossa própria vida.

Por estas alturas, in heaven, o terreno que piso é assim, pedras, pedras e mais pedras, terra seca, vegetação natural muito seca. 

Para tentar ter sombras e as árvores que tanto amo, inventei canteiros altos para lhes poder meter dentro muita terra. E inventei canteiros que são bancos e mesas e que cobri com imagens de outras mulheres e onde mandei escrever poemas de que gosto.



.                                                                                                                                                                                                                  .


Quando agora me sento aqui já tenho sombra. Junto à figueira, e sob a sombra dos grandes cedros que crescem no canteiro, senta-se comigo Jeanne Hébuterne tal como Modigliani a pintou, senta-se Sophia, senta-se Herberto Hélder, senta-se Eugénio de Andrade. 

As coisas não têm que ser apenas o que são, não temos que encarar com fatalismo as circunstâncias que nos envolvem; nós podemos moldar, ou, pelo menos, tentar moldar as circunstâncias.

Este calor antecipa o Outono e as folhas caem, secas, os figos caem, deixando no ar um aroma doce, orgânico.

Mas o espaço que habito não é apenas aquele que os meus pés pisam. O meu espaço é também aquele que a minha vista alcança. E, quando olho ao longe, para lá da minha casa, vejo a grande serra, maternal, azulada.



.                                                                                                                                                                                                                   .


E eu sou o meu corpo mas sou também o que os meus olhos vêem, o que a minha mente pensa, o que o meu coração sente e sou o que foi feito assim mas também o que eu e o espaço e os outros me fazem. 

E, é verdade, eu acho que não seria eu tal como sou sem os espaços que habito, sem a largueza que a minha vista alcança, mas esta largueza fui eu que a procurei, e procuro todos os dias ao olhá-la pois podia estar lá e eu não olhar para ela e, então, seria como se não existisse.



.                                                                                                                                                                                                                   .


Mandei serigrafar este poema de Sophia nuns azulejos que cobrem um pequeno recanto de onde se avista a serra serena. Estas palavras vivem dentro de mim, tal como os anjos que me acompanham, tal como um desconhecido deus que talvez se compadeça de mim e da minha frágil condição, tal como os ventos que fazem rodopiar as folhas que caem para que outras nasçam, tal como os imensos espaços que habito e que são cheios de céu e de lonjura.

*

E tenham, meus Caros Leitores, um belo domingo neste quente início de Setembro.

10 comentários:

Bartolomeu disse...

Ha uns anos, antes de me radicar no campo, tinha por habito passar os fins-de-semana em turismo rural.
Conheci belos locais por este nosso país fora. N'um deles, Aldeia de Chão da Velha, perto de Niza, conheci o ser mais rico e enigmático, até hoje. O seu nome, João Louro, tinha 91 anos e soube ha pouco tempo, por uma coincidência extraordinária, que já não vive. Este meu Amigo, João Louro era analfabeto, mas... lia.
Como é isso possível, perguntam-me todos, quando refiro esta particularidade.
Simples, o meu Amigo João Louro, já sabia de cor todas as palavras, desde que escritas em letra de imprensa. Parece impossível; no entanto confirmei esta raridade.
Muitos de nós, tal como o meu Amigo João Louro, "decoramos" a vida, e quando nos aparece uma situação nova, atrapalhamo-nos com ela, ficamos "às aranhas". Mas o meu Amigo João Louro, talvez porque possuia uma índole diferente, não se limitou a decorar as palavras, ou, as suas formas; ele decorou a vida também. Aqui, temos de distinguir o significado das palavras; decorar palavras significa memoriza-las e decorar a vida, significa ornamenta-la, dar-lhe brilho e cor.
Então o meu amigo João Louro, possuia também uma arquivo mental impressionante, relatava-me com precisão todos os trabalhos sasonais, no campo, recitava-me as estrofes que os de cá, cantavam ao desafio com os de lá, enquanto procediam às mondas, às ceifas, às malhas. Tocava concertina e animava os bailaricos nas redondezas e... nunca saíu do seu lugar. Mas... um dia surpreendeu-me. Conversávamos àcerca do uso de pesticidas e fertilizantes na agricultura e, depois de me ter aconselhado a escolher sempre fruta com bicho, quande fosse ao mercado (porque se tinha bicho, é porque não tinha veneno) relatou-me uma notícia que tinha visto num jornal de ciência, onde vinha explicada uma experiência feita na América, com uma certa espécie de pássaros. Como me mantive calado e concentrado no relato que o meu Amigo fazia, ele terá pensado que não estivesse a perceber a que se referia e então, levantando o braço, aponta para um lado e "dispara-me" com esta: na América, um país muito grande que fica nesta direcção!
Fiquei atordoado com a exegese geográfica do meu Amigo João Louro, que me obrigou a um exercício mental tridimensional, para me situar geográficamente e confirmar se realmente a América ficava naquela direcção.
Depois de confirmar e porque pensei que pudesse estar perante um caso de pura coincidência, atrevi-me: ò Sr. João, então e a Roménia, em que direcção fica?
Automáticamente, levantou o outro braço e apontou na direcção quase oposta. E a Noroega?
Piscou um bocadinho e sem tirar os olhos de mim, rodou o mesmo braço um quarto de círculo, apontando para Norte.
Óh cum caráxas!!!
Este homem não existe, pensei...

fallorca disse...

Acabei de ler «Diário de Inverno» e comecei a ler «Contos Completos» de Lydia Davis. Não sei se leu algum destes livros. A certa altura, à medida que lia o conto «A Espinha», aflorava a memória do mesmo episódio contado por Auster.
O Google confirmou o que sabia, mas esquecera: Lydia foi a primeira mulher de Auster.
Se tiver oportunidade...

Maria Eduardo disse...

Li e acompanhei esta sua caminhada pelos labirintos do subconsciente e revi-me neste seu post maravilha no qual me deixei embalar do princípio ao fim. Fez-me recuar uns anos atrás em que também fui submetida a uma pequena cirurgia, com anestesia idêntica e tive essas sensações e dúvidas existenciais e interroguei-me sobre o que estariam a observar e a tirar dentro do meu corpo. Lembro-me de me levantarem as pernas, enfiadas me grandes meias elásticas brancas e vi-as tão assustadoramente finas e frágeis, que me pareciam as pernas de uma bailarina exausta acabada de dançar a Valsa "O Lago dos Cisnes".
São momentos inesquecíveis onde nos entregamos, de bandeja, indefesas nas mãos dos que sabem ler e ver o nosso corpo por dentro. Eu estou bem graças a Deus e espero que também tenha recuperado completamente.
O seu "in heaven" faz-me lembrar os meus tempos do Inst.Britânico e de um livro de curso sobre um paraíso, cujo título já não me recordo, mas era tão extasiante que sonhava imensas vezes com esse paraíso.. não era no céu, mas sim no nosso imaginário.
Tenha um resto de Santo Domingo e uma semana cheia de sonetos lindos no seu paraíso, na terra.
Um beijinho.

Maria disse...

Amiga:
Este relato, que li e reli, fez-me pensar.
Nas várias anestesias que já fiz, levo imenso tempo a perder a consciência. Há qualquer coisa na minha cabeça que se nega a entregar-se. Quando fui operada ao braço, escolhi a anestesia local. Assisti a tudo, senti o corte, a serra no osso, os parafusos a entrar. Cheguei a brincar com os médicos, conversei, quis saber o que me estavam a fazer. Não doeu, só não sentia o braço. Foi a anestesia menos difícil que fiz, mesmo durando a operação duas horas. Acho que considerando o corpo meu, me sinto no direito de saber o que lhe fazem. Estranho? Talvez. Eu sou estranha.
A sua serra é a Arrábida? Sabe que a adoro? Sebastião da Gama chamou-lhe Serra Mãe. Para mim é isso mesmo.
Mando-lhe uma poesia dele:
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe..
Sebastião da Gama.

Se ainda tiver um cantinho e gostar, ponha-o lá.
Ele amava o mar, a serra, o Tejo, as gaivotas.
Ainda bem que já pode andar, pelos caminhos pedregosos e sinuosos, do seu belo cantinho.
Gostei muito da interpretação do Mário Laginha.
Abraço grande
Maria

Isabel disse...

Gosto de Paul Auster e quero comprar este livro.

Ando a adiar há mais de um ano uma cirurgia que já devia ter feito, porque me faz impressão que me cortem e me mexam cá dentro e eu deixe de ser eu e passe a ser essa espécie de coisa de que fala. Descreveu tão bem esse sentimento de quem passa por uma operação que é exactamente assim, que eu que nunca fiz nenhuma, sinto!

Somos frágeis e fortes ao mesmo tempo. Somos fortes porque suportamos tanta coisa, mesmo no dia-a-dia, mas ao mesmo tempo somos tão frágeis porque a nossa vida pode mudar completamente de um momento para o outro, às vezes por uma coisa simple ou por algo que acontece em segundos e nós não podemos evitar, como por exemplo um acidente.

Somos apenas seres humanos: frágeis, fortes, capazes de grandes feitos e no entanto sujeitos a tanta fragilidade. E é por isso que a vida é bela. Porque é uma incógnita, porque podemos fazer tudo e podemos não ser nada.

Acho que o seu Heaven deve ser um local muito bonito com toda essa beleza que lá criou, essa poesia...

Gostei deste post.
Um beijinho e boa semana

Um Jeito Manso disse...

Olá Bartolomeu,

Li encantada a história do fantástico João Louro (grande contador de histórias, oh Bartolomeu... que a gente fica presa a ler todas as palavras).

Há por esse país fora pessoas extraordinárias. Por vezes, raras vezes..., vêem-se reportagens na televisão com pessoas que vivem no fim do mundo, trabalhando de sol a sol, e que têm uma erudição que me deixa fascinada.

O fantástico João Louro tinha mesmo um dom e pessoas com dons especiais têm uma capacidade acrescida de se adaptarem a tudo pois 'apanham' as coisas do ar.

O ensino padece do mal de, sobretudo, ensinar coisas em vez de também ensinar a aprender coisas. Uma das faculdades mais relevantes para a sobrevivência no mundo de hoje prende-se com a adaptabilidade e com a capacidade de descobrir onde residem os ensinamentos e, encontrando-os, seleccionar o que é necessário e aprendê-lo.

Há sempre um vasto mundo por descobrir fora e dentro de nós.

Boa segunda feira aí no campo, Bartolomeu, e que o calor, por essas bandas, seja suportável...!

Um Jeito Manso disse...

Olá Caro Fallorca,

Ainda não li nem um nem outro.

Mas amanhã que regresso à 'vida civil' depois de quase 2 meses de cativeiro, tenciono ir à FNAC ou à Bertrand.

O Diário de Inverno já tencionava adquirir. Assim sendo, para poder fazer 'acareações' relativas ao período do 1º casamento, a ver se lá encontro também o da Lydia Davis...

Muito obrigada pela dica.

Uma boa segunda feira (e que os dois rapazes continuem em grande forma!)

Um Jeito Manso disse...

Olá Maria Eduardo,

Eu, felizmente, agora começo a sentir-me quase bem. Meti-me nisto sem antever que o pós-operatório seria tão chato, tão cheio de avanços e recuos, tão cheio de limitações. Agora, ao fim de quase dois meses, finalmente começo a andar já relativamente bem e quase fazendo o que fazia antes, quando estava bem.

Mas tudo isto me fez perceber que somos frágeis. Sempre fui muito saudável, praticamente nem me constipo, nunca tinha tido qualquer problema. E sinto-me jovem de espírito e de corpo (talvez estupidamente, mas sinto). E, de repente, ver-me numa situação assim, sem poder subir escadas, quase sem andar, sem poder pegar em coisas pesadas (e isto rodeada de crianças pequenas, imagine). Mas enfim, já praticamente passou e já começo a sentir-me eu outra vez.

No entanto, ainda falta perceber a causa (espero que com o resultado dos últimos exames, isso fique claro) para me poder tratar e evitar que volte a acontecer.

Quanto à minha casa in heaven, é o meu pedaço de céu na terra, onde posso ser eu a pleno, andar à solta, fazer o que quero. Se me apetece pintar um muro às cores, pinto, se me apetece escrever poemas nos canteiros, faço. Olho para cada pequeno recanto e sinto ternura pelo que o tempo lhe fez, pelas árvores que crescem, pelos arbustos que ficam frondosos, pelos pássaros que lá habitam e tantos que são.

E o que as crianças gostam daquilo. .. e o que eu fico feliz por vê-los deliciados a andarem por lá...

Muito obrigada pelas suas palavras e uma boa semana para si, Maria Eduardo!

Um Jeito Manso disse...

Olá Mary,

Eu também pensava que ia assistir à operação. Foi isso que o cirurgião me falou e eu estava mentalizada para isso. Mas, talvez porque nunca tomo nada para dormir ou ansiolíticos ou lá o que foi que o anestesista me deu, aquilo foi tiro e queda. Acho que eles não estavam à espera que aquilo fosse uma tal pancada pois todos falavam e riam do que eu tinha dormido a sono solto, até ressonei, tal o sono foi descansado, imagine. É que nem a injecção na coluna senti. Nada. Apaguei.

A Serra da Arrábida é a Serra da minha infância e juventude, é a Serra dos passeios de família, é a praia das idas em família (o Portinho, Galapos, Figueirinha). Sebastião da Gama era presença viva nas memórias da minha mãe que foi aluna dele e que guarda grandes recordações das aulas e do que conversavam quando iam para casa.

A poesia dele e os seus diários eram leitura assídua e ainda os revejo de vez em quando com muito carinho. Não conhecia esse que me envia e que é lindo. Hei-de, sim, escrevê-lo num qualquer recanto. Muito obrigada.

Já uma vez escrevi, creio que no Ginjal, que ele uma vez deu um papelinho à minha mãe com um poema que fez para ela:

O cabelo é de oiro
para que vejam bem
que o o coração
é de oiro também.

Mas a Serra aqui, in heaven, é outra, é uma Serra também muito bela. Vista 'por fora' parece só pedra (como a terra que eu piso in heaven) mas tem recantos fabulosos, meandros lindíssimos. É a Serra de Aires e Candeeiros. Hoje vinha do lado de lá uma espessa nuvem de fumo, há um incêndio terrível do lado de lá.

E eu já por aqui ando, sim, embora o piso irregular ainda seja uma coisa que me faz um bocado de mau andar (uma questão de amortecedores, acho...) mas quando se anda por gosto tudo se suporta, não é?

Um beijinho Mary e já sabe que fico sempre toda contente quando recebo a sua visita e, em especial, quando vem com muitas palavras, daquelas que nos consolamos a ler.

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Eu também odiava a ideia de ser anestesiada. Tinha receio que se enganassem a dar a injecção e que eu ficasse sem sentir as pernas. Não pensava que ia ficar a dormir e acho que eles também não esperavam que me desse uma pancada tão forte.

Mas o médico andava há alguns meses a dizer que era indispensável a intervenção porque os anti-inflamatórios já eram quase permanentes, já levavam muito tempo a actuar e mal me curava duma inflamação logo aparecia outra. A última que tive foi terrível e outro médico a que fui também me disse que tinha mesmo que ser.

E lá fui. Como o médico me disse que podia voltar a andar ao fim de um ou dois dias, pensei que isso significava que ficava logo boa. Andar, andava, uns passitos. Mas a vida normal não se faz de dar passitos. Mas enfim. Agora uma coisa é certa: não é nada agradável. Ficamos entregues, sem podermos fazer nada. Pode acontecer mil coisas que nós ali estamos, indefesas. E, mesmo a seguir, é desagradável ficarmos dependentes. Podia dar uns passitos, sim, ir à casa de banho, tomar banho mas ir à rua fazer compras? Fazer o almoço? Tratar da casa?

É que a recuperação requer repouso, e percebi que tem que se levar a sério pois, de cada vez que me alarguei, a coisa derrapou. E quando pensava que estava melhor, ficava outra vez pior.

De qualquer coisa, da maneira que eu estava antes, já não podia estar. Por isso, é uma questão de avaliar qual o menor dos males.

Mas tem razão: somos fortes mas também somos frágeis. E é bom que percebamos isto.

Um beijinho, Isabel.