sábado, abril 19, 2025

Conselhos?

 

Passo a vida a ver, em entrevistas ou em conferências ou em vídeos publicados nas redes sociais, pessoas que sabem dizer qual o melhor conselho que receberam. Ou, em alternativa, qual o conselho que dão aos mais novos. 

A forma desembaraçada como parece que toda a gente tem conselhos na ponta da língua deixam-me sempre a pensar que devo ser uma desnaturada.

Quando puxo pela cabeça e tento lembrar-me de algum conselho que tenha recebido e que me tenha marcado, não me ocorre um único. 

No entanto, lembro-me de milhares de conselhos que recebi. O que não foram foi marcantes. Não sei porquê, sempre tive muita gente a dar-me conselhos. Mas foram sempre conselhos para eu contrariar a minha natureza e que, portanto, geralmente não segui.

Por exemplo, a minha mãe. Toda a sua vida me aconselhou a propósito de tudo. Mas eram sempre ao lado. Geralmente tentava que eu me moderasse, que eu pensasse bem, tentava passar-me os seus receios. Desde sempre. Sobre cada namorado ou pretendente, sempre receou que fossem malucos, que fossem meninos da mamã, ou qualquer outra coisa. Em relação ao meu marido, antes de o conhecer, começou por recear que fosse um vilão, um doido. Mas ou porque, ao conhecê-lo, percebeu que não tinha razão ou porque percebeu que não valia a pena, em relação a ele nunca se meteu ou deu palpites. Quando resolvi deixar de dar aulas, para ela foi um choque. Tinha receio que eu não aguentasse uma vida de trabalho, querendo formar família e sem familiares por perto que me ajudassem. Em contrapartida, achava que, como professora, conseguiria acomodar tudo. Depois, sempre que se apercebia que eu andava com discordâncias e lutas no trabalho, tinha medo que houvesse consequências e aconselhava-me a não levantar ondas. Ou aconselhava-me, na rua, a não fazer ou não dizer isto ou aquilo com medo do que pudessem pensar ou dizer de mim. Ora sempre me estive bem nas tintas para o que os outros dizem ou pensam de mim.

No trabalho, os meus colegas e amigos também sempre me aconselharam mas, igualmente, sempre foi para me recomendarem prudência, que não me mostrasse desalinhada, que não enfrentasse poderes instituídos, que não falasse daquela forma ou que não tivesse razão antes de tempo. Nunca segui esses conselhos. Sempre travei lutas, sempre enfrentei quem eu achasse que deveria enfrentar. Tive dissabores, claro. Mas nunca os temi. Além disso, sempre comprovei que uma mulher que se mostra destemida, intimida os homens. 

O meu marido e os meus filhos também sempre me aconselharam e, de forma geral, também são conselhos no sentido da moderação: para escrever menos e mais ponderadamente, para pintar menos e mais apuradamente, para fazer menos comida, o meu marido agora diz para eu não fazer passadeira com tanta velocidade ou não fazer máquinas com tanto peso. Ou para me agasalhar mais quando saio. Ou para não me deitar tão tarde.

Geralmente são assim os conselhos que recebo. Desde sempre o foram.

Ou, se foram num outro sentido, por me parecerem naturais, também não os registei como decisivos.

Ao escrever isto estou, contudo, a lembrar-me de uma coisa que uma vez me disseram, quando trabalhava, que me soou lindamente e que me deu um oxigénio que me durou para o resto da vida. Muitas vezes eu recusei adoptar soluções ou seguir caminhos por me parecerem absurdos e antever que não iam dar em nada. E sempre tive problemas com isso pois as pessoas achavam que eu não podia rejeitar, à partida, opções recomendadas por gente que sabia tanto ou mais que eu só porque sim. Diziam-me que se devia tentar. E eu antevia que era perder tempo e gastar dinheiro para nada. Mas diziam-me que se deveria dar o benefício da dúvida e só no fim emitir opinião. E, por isso, testemunhei vários projectos falhados, alguns projectos empresariais de muitos milhões de euros. E, no entanto, desde o início eu dizia que estava na cara que iriam ser um flop. Diziam-me que não se podem tomar decisões com base na intuição. E quando, tempo depois, perante a evidência do fracasso, eu dizia que tantas lutas eu tinha travado para demonstrar que aquilo só podia correr mal, respondiam-me que ter razão antes de tempo era o mesmo que não ter razão.

E, no entanto, trabalhei durante algum tempo com uma pessoa muito diferente. Não apenas era o presidente da empresa em que eu trabalhava como era, em simultâneo, empresário, sendo accionista maioritário de um grupo de empresas criadas por si. Aliás, para poder acumular esses cargos, passou por inúmeros crivos e aprovações. Mas, sendo um gestor experimentadíssimo, hábil negociante, os accionistas da empresa em que eu trabalhava acharam que ele tinha o perfil certo para a fase em que se estava. Era um homem temido, implacável. Correu com alguns directores, apertou com outros, criou um clima de algum terror entre os meus colegas. Quando a secretária os chamava ao gabinete dele, iam a tremer. Alguns vinham de lá a tremer ainda mais. Curiosamente, nunca me senti intimidade por ele e sempre concordei com tudo o que ele fazia. E até concordei com a limpeza que ele fez. Admirei a sua perspicácia, a sua capacidade de cortar a direito. Era de uma frieza notável. Com poucas palavras e sem levantar o tom de voz, impunha um respeito que ninguém questionava. Acabei por acumular a responsabilidade por duas áreas durante esse período. Uma das áreas tinha a ver com comércio internacional e foi das fases mais estimulantes da minha vida profissional. Avancei para inúmeros mercados em que nunca tínhamos posto o pé, desbravei caminho em geografias longínquas e arriscadas. E exerci uma das coisas de que mais gosto: negociar. E aí fazia uma coisa que deixava toda a gente doente: levava as negociações até ao limite. Fazia bluff sabendo que o bluff, se corresse mal, poderia fazer a empresa perder milhões. Muitas vezes quase me imploravam que parasse pois já tinha conseguido condições fantásticas e puxar mais poderia levar a que a outra parte se retirasse, obrigando-me a ter que fazer negócio com outros menos vantajosos. Frequentemente, faziam-me sinais, escreviam-me recados em papel, reviravam os olhos, suavam, e eu, frequentemente, pediam que me deixassem sozinha para não me desconcentrarem, queria estar atenta aos mínimos sinais daqueles com quem estava a negociar, queria usar todas as armas, queria não ter ninguém a puxar-me pela saia. Esse presidente dizia que toda a gente o achava a ele muito frio mas que não era nada ao pé de mim, que eu o deixava nervoso ao levar, com tanta frieza, as coisas até ao limite.

Mas eu arriscava. E gostava de arriscar: fazia negócios de grande dimensão com quem não tinha as garantias que, por regra, exigíamos, fazia negócios em que lutava até ao último cêntimo (e, na minha cabeça, pensava assim: se eu conseguir mais isto, só este desconto adicional paga o meu ordenado e o de todos os que trabalham comigo durante um ano, e isso dava-me como que uma espécie de razão mais do que válida para me arriscar como me arriscava). Mas, claro, não o fazia sem ter o respaldo do presidente. Antes de cada ronda negocial, eu reunia-me com ele para o pôr ao corrente do ponto em que estava e de qual a minha ideia. E expunha-lhe os riscos. Ele dizia-me: por mim, já está mais que bom, por mim parava aí, mas o que é que a sua intuição lhe diz? E eu respondia: a minha intuição diz-me que é de confiar (quando os outros não conseguiam dar todas as garantias) ou diz-me que há ali ainda uma margem para eu forçar um bocado mais. E ele ficava a pensar e dizia: siga a sua intuição. E eu mostrava o meu receio: posso deitar tudo a perder. E ele respondia: arriscar faz parte da arte da gestão. E eu mostrava, com franqueza, que sabia bem que estava a andar no fio da navalha: pode dar uma valente bronca. E ele respondia: se a sua intuição lhe diz que é de avançar, avance. Em gestão, quando se arrisca, às vezes perde-se mas, quando se ganha, o gozo é a valer.

E esta coisa de alguém acreditar na minha intuição ou, mais genericamente, alguém achar que a intuição é coisa que se leve a sério, dava-me a confiança de que necessitava e uma alegria muito grande.

Depois dele trabalhei com pessoas muito competentes e com grandes totós. Os totós eram sempre mais acagaçados, mais apertadinhos, mais moralistas, mais conservadores. Os totós não acreditam na intuição dos outros (e creio que, eles mesmos, não a têm) e munem-se de pareceres de mil consultores pois temem o risco e, por isso, só avançam em cima dos sapatos dos outros. Mas, mesmo nesses períodos em que tive que me sujeitar a lidar com totós, com cromos, com palermas, quando tinha que me organizar e saber como lidar com as situações eu repetia, para mim: o que é que a tua intuição te diz?

Ainda hoje, perante algumas situações, quando tenho decisões para tomar, eu me interrogo: o que é a que a intuição me diz? 

Por vezes, eu própria não sei bem explicar, apenas sei que é aquilo. Ainda no outro dia, quando estava um temporal, o meu marido queria ir de carro a um sítio pois dizia que não fazia sentido irmos a pé. Teimei, não quis, achei que não devíamos ir de carro. Contrariado, ultra-contrariado, lá me fez a vontade e lá fomos debaixo de uma ventania e de chuva, ele só a mandar vir. Quando lá estávamos, passado um bocado, ouvimos um enorme estrondo, um som um bocado medonho. Saímos para ver o que era. Uma enorme árvore tinha caído em cima de dois carros, no lugar em que teríamos estacionado. 

Quando alguns colaboradores das minhas equipas por vezes me perguntavam que conselhos lhes daria para a sua vida futura, eu dizia-lhes: nenhum, não gosto de dar conselhos. E quando não acreditavam que não tivesse nenhum conselho a dar e insistiam, eu explicava que cada um sabe de si, o que funciona para uns não funciona para outros. Mas, a ter que aconselhar alguma coisa, pois que tentassem sempre ouvir a sua consciência e a sua intuição. E que fossem generosos e justos, para os outros e para eles próprios. 

E vem tudo isto a despropósito do vídeo abaixo em que Dorothy Wiggins, que faz 100 anos em Agosto, fala do seu percurso e de como chegou até esta idade com tanto gosto pela vida, e ainda tão bem. 

E uma palavra de apreço também para o jovem que conduz a conversa com tanta espontaneidade, tanta simpatia, tanta leveza.

This 99 Year Old's Life Advice Will Make You Rethink Everything...

I asked 99 year old Dorothy Wiggins, who has over 300,000 followers on Instagram (!!) about her best life lessons. Dorothy is incredibly unique, witty, and social. In fact, she went out to a jazz club immediately after I interviewed her. She has seen so much of the world, and for that reason, I can guarantee that Dorothy's advice and wisdom is easily some of the most interesting I've EVER heard. Please enjoy!


Um bom sábado!

1 comentário:

Anónimo disse...

Pela descrição que faz de si, este blog devia chamar-se UM JEITO IRREVERENTE, ou algo do género.