quinta-feira, abril 05, 2012

Entardeceres de assombros e gemidos. E, apesar de não me apetecer, lá falo do desgoverno, da descoordenação e da incompetência de que estamos a ser vítimas - a propósito de Passos Coelho e do Gato Gaspar e da restituição dos subsídios de férias e de Natal (talvez, aos poucos, lá para 2015, talvez, aos poucos, lá para perto das eleições... ou nem isso). Do PS, do Tozé Seguro e do gatinho assustado Zorrinho nem falo. Só acho graça à Isabel Moreira que anda a dar com eles em doidos.


Música, por favor

Paul Simon e Art Garfunkel - Bridge over Troubled Water



De vez em quando o rio agita-se. 

Quando a noite cai sobre dias assim, frios, ventosos, os barcos atracados roçam no cais e ouve-se um ranger dorido, um choro aflito. A velha rua, então inóspita, quase deserta, é atravessada por estes lancinantes gemidos. Se outro barco chega ou parte, a ondulação acentua-se e os barcos atracados atiram-se contra o cais e há estrondos, quase parece que se vão despedaçar. Os incessantes gemidos misturam-se, então, com as pancadas metálicas. Agressão e dor na beira de um rio escurecido.

Em momentos assim não há gaivotas, já se abrigaram, nem gatos. De vez em quando lá há um que assoma assustado, olhos abertos num assombro verde, e ali fica, expectante.



então é a luz

não se mete nos olhos mete-se nos olhos por dentro
entranha-se no corpo

a mistura do silêncio e do fogo


E quase ninguém, talvez uma ou outra sombra que algum corpo deixou para trás. Quanto muito algum casal que conversa dentro de um carro. Vistos do exterior parecem duas pessoas silenciosas fechadas dentro de um aquário vazio. Ali abrigados, conversarão talvez, ou talvez se amem apenas.



a seguir ergo-me no espaço e respiro
sobre tudo o clima das nuvens

desço as palavras
até aos pés do rio
leite correndo ao longo do mel
as margens sinuosas

uma pré-noite

passa o silêncio por baixo

Gosto de passear à beira do rio, em entardeceres assim. Há uma solidão no ar, uma solidão quase palpável, uma solidão que se mistura com desespero, com murros contra a parede, lágrimas que escorrem em silêncio, gritos surdos. E está frio, vento, e escurece, e à vinda, já é quase noite e a solidão é ainda maior.

Ao longo do percurso vou tirando fotografias.

Depois, em casa, quando as vejo fico surpreendida.



de barco é que vejo a cidade

enquanto remo fujo e me esqueço
com um espelho que inverte o que escrevo

Tudo me parece belo, em harmonia, as cores parecem-me alegres, não ouço o ranger das cordas, os gemidos, os embates violentos, não sinto a solidão. E as pessoas que, no início do passeio, quase dia ainda, saíam dos barcos, apressadas, quase fugindo de um cais que balouçava, metálico, ruidoso, um som de choro  pungente, quase me parecem tranquilas. E o relógio que ali está quase parece um adereço elegante e lógico. E, no entanto, está parado, indiferente ao avanço das horas, indiferente ao tempo que passa.



entro (...) com a sensação de que alguns dos meus amigos vivem algures
semeados pela terra branca de cal
(e que) vieram de propósito para (...) olhar o relógio inverso

(...) trazem presas sobre os ombros armaduras delicadas 


Mas o homem que, sozinho, num anoitecer escuro, frio, desolado, se sentava absorto num banco junto ao rio, entregue ao assombro e aos gemidos, de frente para uma Lisboa que se tinha, entretanto, começado a iluminar, continua aqui, na fotografia, a parecer-me um homem solitário numa noite bela e desolada.



os gritos
os ritos
as misericórdias
as flâmulas azuleantes
o céu de fogo enfurecido
o lume a queimar as lájeas

o tempo
a loucura erguia uma instalação
a cidade uma performance


'Dá-me essa escrita, a língua. Estas palavras é que são o meu poema.'


«« \\\///  »»

E agora uma outra música, por favor e com vossa licença, que esta, por ser música de fundo para o nosso Governo, é das boas

Rosinha - Mete mais um dedo
(Desculpem-me os meus leitores, mas não descobri música mais apropriada)


Depois do que escrevi com tanto gosto, faz agora ainda sentido estragar o ambiente e falar da descoordenação, da desvergonha, da incompetência deste Governo? Deste Governo que, conforme aparece aos nossos olhos, esconde, encobre, manipula, mente, desmente, diz, desdiz? 

Pois... se calhar não... Mas tem que ser.

Um dia dizem que a supressão dos subsídios de férias e natal é coisa pontual, provisória, só mais um ano, depois outro diz que é mais ou menos isso mas não é bem, depois um funcionário europeu diz que isso é coisa ainda a ver. Vem o Relvas e diz que é só mais um bocadinho, vem o putativo gato Gaspar e, muito devagarinho e ainda mal refeito da surpresa que é para ele este desemprego galopante, diz uma baboseira qualquer - que ninguém retém porque ninguém retém nada do que ele diz, já toda a gente sabe que não acerta uma - e, no final, rematando à baliza, vem o pasteleiro de Massamá e, numa entrevista, diz que talvez lá para 2015, aos poucos, aos bochechos.

E, já para não falar, que novas medidas, novo golpe de mão se começa a desenhar - porque tudo o que andam a fazer está a dar mau resultado e, como ainda não perceberam que o remédio está a fazer mal à saúde, vá de reforçarem a dose...! Que medo...!

E eu ouço-os, vejo a baralhada, vejo o descalabro, vejo a confusão e o descontrolo e, mais uma vez, penso que não sabem o que andam a fazer, não sabem, são mesmo muito incompetentes. Pode ser que andem a cumprir a agenda de interesses instalados e ocultos, dos grandes interesses financeiros, pode ser isso tudo mas penso que, acima de tudo, o que há é incompetência pura. É que mesmo que andassem a mando de interesses sinistros, de negócios orquestrados à distância, poderiam fazê-lo com inteligência, com alguma elegância. Mas  não. São incompetentes em toda a linha. A economia está a ser destruída, os portugueses estão a ficar pobres, falidos, desesperados - às mãos de um conjunto de pessoas sem competência para governar nem uma chafarica, quanto mais um País .

E, enquanto isso, o que faz o maior partido da oposição...?

Pois bem, com o País a desagregar-se, o PS auto-regurgita em circuito fechado (seja lá o que isto queira dizer). Às mãos de fracas figuras, gente medrosa e nervosa, os socialistas discutem estatutos, reprimendas, uns demitem-se, outros aconselham outros a demitir-se, o tal sobrinho de uma qualquer tia velha e bafienta, Tozé Seguro de seu nome, vai para a TVI ter um chilique em directo, a fazer biquinho, que foram maus para ele e mais não sei o quê (e foram, Marcelo foi a velha víbora do mamar doce que já se sabe - mas, oh caraças, o Tozé não sabe que quem está na política tem que ter poder de encaixe...? Então, de cada vez que lhe pregarem uma partida, vai desatar a fazer beicinho? E em público, ainda por cima...?). A esta hora em que estou a escrever, ouço na televisão que ainda estão todos reunidos, o Tozé e os deputados.

Uma tristeza. Em vez de estarem a desmascarar a incompetência do Governo andam nisto.

Isabel Moreira, a indómita criatura que anda a agitar as águas no PS

No meio desta chachada, a única coisa a que consigo achar graça é aos desmandos da deputada independente Isabel Moreira que anda a dar cabo da cabeça daquela malta toda. Aquela é das que marra a direito (e que me desculpem os meus leitores pelo plebeísmo da expressão). E nem olha a quem. Coitados do Zorrinho e do Tozé.

E por aqui me fico, que hoje nem queria falar disto, estava numa de peace and love. Mas poderia lá eu deixar de comentar tanto disparate pegado?

«««»»»

Bom. Adiante que se faz tarde.

As fotografias foram todas feitas no Ginjal e as legendas são excertos ad hoc do poema 'O longo texto da noite, com Lisboa' de José-Alberto Marques in British Barthes.

Por falar em poesia, já sabem que gosto muito de vos ter lá no meu outro blogue, no Ginjal e Lisboa. Hoje temos palavras em volta da revolta de Inês Lourenço e, a acompanhar, Uma Lágrima de Mussorgsky.

»»»»««««

Para limpar os ares poluídos da conversa política/partidária ali de cima, aceitem por favor esta última sugestão:

Paul Simon e Art Garfunkel - The Boxer


E tenham, meus Caros, uma boa quinta feira.

10 comentários:

patricio branco disse...

os subsidios dos 13 e 14 meses e algumas outras falsas e hipocritas generosidades ficarão para o ano das eleições, é mais que evidente.
para quê estar a gastar antes munições eleitorais tão preciosas, pensou o chefe e sua corte

Anónimo disse...

Que bonitas fotografias!
Ah esse Tó Zé mata-me! Aquele ar pungido que gosta de compor, a fingir que está magoado é demais! Pára-me a digestão. O beicinho, o ar tristinho, tudo aquilo é mau, muito fraquinho. E nos comícios, ou lá que encontros festivos são aqueles? O arzinho a fingir que está connosco, preocupado, solidário? O homem faz azia numa caixa de bicarbonato (a frase não é minha, ouvia-a em garoto a meu pai para criticar certas pessoas)! Mas há por ali, na bancada rosa, alguns “patuscos”, como o Braga, o Zorrinho, etc. E quem os ouve até parece que estão a dizer coisa de importância vital! Prefiro de longe igualmente a menina Isabel. É mais arejada pelo menos.
E o Gasparzito? Anda muito olheirento, já repararam! Estou preocupado. Um dia destes ainda lhe acontece como a Valenciano I, um Imperador Romano do final do Séc. 4 antes de Cristo (aliás um dos úlimos que bem procurou manter o velho Império intacto, coisa que Gaspar não consegue fazer, pois o País está num caos e caminha para o abismo) que morreu de apoplexia depois de uma discussão acalorada com uns dignatários de umas tribos bárbaras - e dá-lhe um treco! No caso do “nosso homem das Finanças” o motivo poderá ser porque os indices da nossa Economia teimam em não arrebitar por mais que Gaspar lhes aplique as suas receitas. Mais olheira, menos olheira e o homem fina-se! E depois que vai ser de nós todos? Como reagirá a Troika? E as Agências de Rating?
Quanto ás promessas e conversa fiada desta rapaziada, faz-me lembrar um filme que via há muitos anos e de tão mau nem me recordo do nome, mas ficou-me uma imagem que consistia num grupo de criaturas, creio que numa sala, uns em pé outros sentados, cada uma a dizer a sua chachada e a desmentirem-se uns aos outros, quase engalfinhados (o que muito bem pode um dia destes vir a suceder com os “empenhados” políticos que nos governam).
Boa onda a música de S & G !
E Eva? Por onde pára?
Uma Boa Páscoa! Se possível com um bom cabrito assado e vinho apropriado à ocasião.
P.Rufino

ERA UMA VEZ disse...

O CACILHEIRO

Era o cacilheiro
que nos levava e nos trazia
até à carreira e aos "paladares"
Divertidas e exaustas
de um entra e sai na Lanalgo
na Hélio, da Mariazinha

e depois o galão inesquecível da Central da Baixa
Ah e a "torradinha"...

no Cacilheiro se conferiam as compras
os tecidos
as malas e os sapatos
os bordados dos Lavores

no cacilheiro
conferíamos os amores
e se desenhavam os vestidos
que, tu e eu, mãe
faríamos brilhar
no Domingo de Páscoa...

era tão bom mãe
este domingo ainda inconformada
vou lembrar esses tempos
e prometo desta vez
usar roupa muito muito usada

Um Jeito Manso disse...

Caro Patrício,

Começo a ficar mesmo verdadeiramente maçada com as coisas deste Governo.

É que não é já só o facto de serem incompetentes: são descarados, portam-se como vulgares xicos-espertos.

Maçam-me a sério.

Um Jeito Manso disse...

Caro P. Rufino,

O Tozé não tem jeito.

Mas os tempos estão para pessoas assim, que fazem o seu caminho, embora não se lhes reconheça grande mérito. A exigência de quem escolhe vai baixando, os melhores não se sujeitam e acabamos por ficar, por todo o lado, só com gente mediana (quando não medíocres).

Mas talvez não seja tão mau, tão mau como o grupinho do Passos e Companhia. Mau a sério e grave é o descaramento desta gentinha.

O Gaspar hoje no Parlamento foi uma vergonha. Goza com os outros, acha-se engraçadinho, o Relvas ri-se das graçolas do Gaspar - como se não estivesse em causa a sobrevivência ou a vida digna das pessoas abrangidas pelas medidas tomadas por esta gente.

A Eva? Pois, sei que está a preparar alguma mas tenho andado tão maçada com as coisas deste governo que não consigo debruçar-me sobre as suas deambulações. A ver se amanhã ou depois, conto, está bem?

Quanto ao repasto Pascal, há familiares que embirram com tudo o que se pareça com borrego pelo que é sempre um dilema. Ainda nem sei o que haverá de ser. Se coloco a questão em aberto para que os comensais se pronunciem, acabo por receber pedidos que me obrigariam a preparar um banquete com uma meia dúzia de pratos.

A ver vamos.

Mas, a si, vejo que a ementa já está fechada pelo que já posso desejar que o assadinho seja apurado, que o tinto seja à maneira e que estes dias sejam descansados e bons.

Um Jeito Manso disse...

Ah Erinha, que sensibilizada fico com estes seus poemas tão sentidos, que trazem recordações no colo, sentimentos sempre tão puros.

E como me revejo no que escreve. Tantas viagens de cacilheiro que eu fiz, que emoção era ir a Lisboa e que magnífica era a Baixa.

Felizmente ainda posso recordar estas excursões com a minha mãe que é tão divertida, rimo-nos tanto as duas. Por isso, ainda dou mais valor à sua saudade. Mas as mães estão sempre connosco, sempre, estão dentro de nós, no nosso coração, ouvem sempre as nossas palavras.

Um beijinho, Erinha!

Anónimo disse...

Cara UJM:
Um pouco arredada, não por vontade, mais por falta de tempo. Seis vozes à mesa multiplicam conversas, que duas já pressentem só de se olharem diariamente.

Gostei muito de fazer esta caminhada em noite fria e ouvir o ranger dorido dos barcos atracados que roçam no cais. E mais uma vez, fiquei regalada a olhar os instantes fotográficos com que nos brinda, e segui a beleza , a harmonia, da luz e dos reflexos, que me transportam para além do quotidiano, mas as nuvens adensam-se sobre a cidade e as águas enegrecem –
A realidade ! a triste condição a que nos estão a votar. Gostei do tom inconformado, indignado que todos deveríamos ter!
Que temos? E o que fazemos?
Torga dizia em 1961: “ é um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja indignado, come, bebe, diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados” Diário IX.

Hoje, 5.ª feira santa recebemos as amêndoas amargas do Coelho: Suspensão de reformas antecipadas.
Um pensionista grego suicidou-se devido à degradação da sua situação económica. Não será um acto suficientemente trágico para fazer pensar os senhores que nos governam?

Perante este drama será necessário criáramos instantes de evasão!

E Eva, como vai? “À proa de um navio de penedos, / a navegar num doce mar de mosto, ”M. Torga – S. Leonardo de Galafura

E tenha uma boa noite e DIAS FELIZES
Abraço da
Leanor formosa e segura

Anónimo disse...

Tem toda a razão. Esta gente que nos (des)governa começa a ultrapassar níveis de decência e respeito por quem lhes paga o salário. O que me dá nauseas é que no final da festa, daqui a 4 anos, uma boa parte deles já tratou das suas vidas (durante esse período), onde irão "descansar" em lugares de destaque. E o lixo que fizeram vai sobrar para todos nós.
P.Rufino

Um Jeito Manso disse...

Olá Leanor, Formosa, Segura e Noctívaga (como eu. que são 2 da manhã e ainda aqui estou...),

Que belos trechos nos deixa sempre aqui. E que oportunos. Como é possível? Uma prodigiosa memória?

Adorei o Miguel Torga de hoje, palavras perfeitas e, por serem intemporais, tão adequadas aos momentos que vivemos (até o pequeno trecho a pensar em Eva).

Hoje também não me alongo aqui na resposta que já estou perdida de sono. Só peguei no computador muito tarde, nem coloquei nada no Ginjal. Estou mesmo a precisar de dormir.

Tantas vozes à mesa é uma polifonia, uma confusão, uma alegria, uma injecção de vitalidade e juventude. Sei bem o que isso é. Adoro.

Quanto a Eva, a ver se amanhã ou sábado tenho disponibilidade para falar nela. Requer uma disponibilidade mental que não tenho tido nos últimos dias.

Tenha também uns dias felizes, alegria à mesa, boa disposição!

Um abraço.

patricio branco disse...

não é bem um governo, é um grupo descoordenado, confuso, que toma medidas improvisadas e segue instruções que lhe são dadas por detrás. uma especie de junta interina ou regencia, insensivel, que tanto se lhe faz que haja gente já a passar fome, doentes sem irem tratar se porque não podem pagar, desarranjos psicológicos que estão a aumentar, bebés que já não podem ir nascer na alfredo da costa, que receita os remedios mais baratos aos sofredores de cancer, aumento da tuberculose, sei lá que mais.

ps. belíssimas fotografias com as cores do anoitecer e imagens do tejo