Quando fui para o ginásio, por cima da tshirt, vesti apenas uma blusinha leve de manga comprida. O meu marido levou uma parka. Quando me viu, perguntou-me se eu achava que ia bem assim. Pergunta retórica, claro. Se me tinha vestido assim é porque achava que ia bem. Referiu que o céu estava cinzento e que a meteorologia anunciava chuva. Não me pareceu. Antes tinham caído uma pingas e admiti que fosse a isso que os meteorologistas se referissem.
Quando estávamos lá, já na recta final das máquinas, o meu marido perguntou se eu já tinha olhado lá para fora. Não tinha. Sou muito focada: se estou a puxar roldanas ou a remar para exercitar os músculos superiores ou a abrir e fechar pernas para exercitar os músculos de dentro e de os fora, é nisso que estou concentrada. Mas, porque ele disse isso, olhei. E engoli em seco. O dilúvio. Quase me apetece acrescentar: 'literalmente' o dilúvio. Uma carga de água... mas uma senhora carga.
Não me desmanchei. Pensei que, assim como assim, quando chegasse a casa, ia tomar banho. Chegar molhada seria apenas evitar uma fase, podia passar logo para a aplicação do gel de banho.
Mas, cavalheiro como é, quando saiu do balneário, tinha um casaco de capuz que levava por baixo da parka para me dar. Não queria aceitar a gentileza. Mas, tanta a insistência, aceitei.
Apesar de ter abrandado um pouco quando saímos, a verdade é que cheguei toda molhada.
E felizmente não tinha deixado roupa estendida. O que isto tem de bom é que desde há alguns meses, se calhar desde novembro, não sei bem, não é preciso ligar a rega. E está tudo verdinho que é um gosto. De vez em quando, com regador, rego os vasos que estão debaixo de telheiros e é só.
As rosinhas já começaram a despontar e a nespereira está carregada. A chatice é que é uma árvore tão grande que os ramos estão todos muito altos, custa a chegar à fruta. Mas já apanhei umas quantas. Ainda não estão dulcíssimas mas, para mim que sou de boa boca, já estão boas.
Há ainda uma coisa que é um bocado triste e que até estou a hesitar trazer aqui. Trazer para quê, não é? Não gosto nada de trazer para aqui coisas que podem puxar ao sentimento. Mas, por outro lado, antes de começar a escrever, era nisto que estava a pensar. Falei na molha que apanhei para ver se me distraía e não falava no que estava a pensar. Mas, aqui chegada, estou outra vez com esta em mente. Por isso, se calhar, mais vale falar e pronto. Aquela amiga que perdeu o marido a semana passada está muito abalada e muito triste e tanto mais, segundo ela, quando foi uma coisa quase inesperada. Faz-me muita impressão. Custam-me as palavras dela a dizer que está a viver tempos muito duros e que não consegue encontrar palavras para a dor que sente. Compreendo-a e imagino o vazio enorme que agora deve estar a invadir a vida dela. Uma pessoa que vive a vida inteira com outra, em que as vivências, tudo, resulta de uma convergência de hábitos, deve ficar a sentir-se completamente desamparada. Deve ser quase como se tivesse que reaprender a viver por si, alguém a quem se tiram as muletas, o andarilho, o oxigénio, a sonda, tudo, e que, sem sentir motivação para tal, tem que aprender a ser autónoma. Sozinha, cheia de saudades e tristeza, e por sua conta como quando nasceu e teve que aprender a virar-se. Depois fiquei a pensar: ela diz que lhe custa ainda mais por ter sido uma coisa quase inesperada mas, se ele tivesse sofrido, se tivesse sido uma daquelas mortes lentas em que a pessoa assiste ao seu próprio declínio, em que a pessoa vai perdendo autonomia, dignidade, não teria sido mais doloroso?
Pergunto isto e sei que a pergunta é estúpida. Dor é dor.
E agora lembrei-me de há uns meses, ao encontrar uma amiga de longa data que não via há séculos, pergunta-me ela se eu me lembrava de um que tinha sido nosso colega. Assim de repente, não me lembrava, mas ela mostrou-me a fotografia dele. Ah, perfeitamente, lembrava-me. Diz ela: 'Casámos, não sabias?'. Não, não sabia. Mas antes que eu me pusesse a festejar, ela atalhou: 'Morreu o ano passado.'. E aí fiquei sem jeito. Fiquei também sem palavras. A sorte é que ela depois mudou de assunto.
Mas, enfim, são situações que parece que tiram o chão às pessoas. O que vale é que, na maioria das vezes, não é o chão, é o tapete. E as pessoas reaprendem a andar porque o chão, mal ou bem, continua lá.
E com isto não concluo nada. Para dizer a verdade nem sei como acabar este post.
Partilho, antes, um vídeo que, se calhar, até já tinha partilhado antes. Acho que não tem a ver com nada do que acima fui escrevendo. Mas é um vídeo curioso. Um bocado terrível. A mim, que padeço de vertigens, faz-me muita impressão. Até parece que sou eu que estou ali, à beira do abismo, a escorregar, os outros a empurrarem, e eu a tentar aguentar-me... depois a tentar ganhar coragem... e, depois, olha, lá vai disto, seja o que deus quiser...
Emperor penguin chicks jump off a 50-foot cliff in Antarctica NEVER-BEFORE-FILMED FOR TV | Nat Geo
National Geographic and BAFTA Award-winning cinematographer Bertie Gregory release unprecedented footage of Emperor penguin chicks leaping 50 feet off an Antarctic cliff. The never-before-filmed behavior was for the 2025 installment of National Geographic’s Emmy award-winning SECRETS OF franchise, SECRETS OF THE PENGUINS, premiering Earth Day 2025 on Nat Geo.
4 comentários:
Por experiência familiar, e mesmo sendo cada caso um caso, atrevo-me a afirmar que, apesar da surpresa do choque, uma morte inesperada é menos dolorosa, que um corredor da morte de meses, vendo o ente querido morrer todos os dias um pouco.
Já tinha lido o seu post hoje cedo, mas venho agora aqui depois de ver um DOC no odisseia.
Um grupo de ajuda a animais em risco, no caso os mabecos, ficou surpreso de ver que os animais recuperados em cativeiro morriam de repente apesar de recuperados fisicamente.
As autopsias revelaram lesões cardiacas, que ocorrem nos animais ou em humanos vitimas de stress violento, o que designaram como SINDROMA DO CORAÇÃO PARTIDO.
A solução foi apanharem o resto da matilha, e juntarem-na ao animal em recuperação, libertando depois todos no seu habitat.
No caso humano essa perda pode ser mais ou menos sentida, devido ao grau de dependência do ou dos familiares de quem parte.
O que essa sua amiga precisa, em especial no caso de não ter outros familiares, é que os amigos não a esqueçam e lhe lembrem que a vida continua, e só morre verdadeiramente quem é esquecido.
Bem haja.
Muito obrigada. Tendo a concordar consigo mas como passei pelas duas situações, o meu pai com uma morta lenta, todos os dias a morrer um pouco ao longo de vários anos, a minha mãe, que eu julgava que viveria até aos 100 a ir num curtíssimo espaço de tempo, nem sei bem que diga. Idealmente a pessoa morre a dormir, sem sofrer, sem dar por nada, sem inquietar antes os entes queridos e sem se inquietar com o medo do que está por vir. Mas essa sorte poucos têm.
E também sei que, em situações assim, quem fica e está a passar pela dor da separação, não precisa de grandes discursos, basta uma palavra de conforto, uma presença, um sorriso, um incentivo a ir em frente.
Lembro-me de ser jovenzita e morrerem, com uma semana de intervalo, os pais do meu chefe da altura. E lembro-me de ter ficado em pânico, imaginando o choque para ele e sem saber o que lhe dizer quando o visse. Tenho ideia que o evitei durante um dia ou dois, aflita, receando dizer banalidades perante uma situação tão terrível, receando desatar a chorar em vez de o consolar a ele. E lembro-me de que ele deve ter percebido a minha aflição e de me ter tranquilizado e de me ter 'preparado' para uma contingência que é natural e que, de uma maneira ou de outra, toca toda a gente.
Só que, apesar de ser uma inevitabilidade, é sempre uma coisa que nos convulsiona. Li que o Gilberto Gil, disse à filha que está com cancro e um bocado mal, que ela, quando sentisse que a hora estava a chegar, se deixasse ir. É que há isto de parecer que a pessoa, mesmo mal e a sofrer, tem que lutar, como se a morte fosse uma desistência.
Enfim, um tema um bocado tramado, não é?
Por isso, evito falar. Não consigo encarar com a 'ligeireza' de que os temas 'normais' se deveriam revestir...
Muito obrigada. E um abraço.
Não tem do que agradecer. Mas a sua frase "idealmente a pessoa morre a dormir", lembrou-me outra cena digamos macabra, e esperando não ser muito inconveniente volto ao tema para contar outro facto que é ainda mais traumatizante para quem passa por estas coisas.
O meu familiar a quem deram 6 meses e durou 9, partiu com 57 anos, fez no inicio de Janeiro um ano.
Estava numa instituição de cuidados terminais, chamados continuados, que estas coisas da vida e morte também servem de negócio.
Devido ao drama, e porque não uso livro de rosto nem outras cenas ditas sociais, com excepção ao instagram e utube para viajar por conta alheia, não recebi os votos da praxe da malta amiga que entra nos grupos, e esqueci de ligar a desejar boas festas e bom ano.
Quando me lembrei, foi antes do fim de ano, e o primeiro para quem liguei, perguntou se eu sabia quem tinha finado, que claro está não sabia.
Então, um deles com 70 anos, depois da bacalhauzada e do peru no jantar de 24, foi fazer ÓÓ, e soube-lhe tão bem que já não quis outra coisa.
A familia só deu por isso no dia seguinte.
Esta é outra situação em que para além do drama, são datas festivas que ficam sem graça, se não para sempre, pelo menos durante uns largos anos.
Abraço
Manuel Linho
Pois, bem o percebo.
Sei de um caso assim. Um conhecido ansiava pela reforma para poder ter tempo para 'gozar' a vida, para ir, com calma, para a casa na terra. Poucos meses depois de se reformar, estava em casa com a mulher, na sala, a verem televisão. Quando resolveu ir deitar-se, reparou que a mulher tinha adormecido. Nada de mais. Mas chamou-a e ela não acordou. E nunca mais acordou. Imagine-se o choque.
Mas, enfim, enquanto cá estamos saibamos desfrutar a vida, não é?
Dias felizes para si, Manuel Linho
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