
Mas por vezes a natureza é traiçoeira.
Do que sei, quando a uma pessoa é diagnosticado cancro, a sensação é de que uma traição ocorreu e que a vida está prestes a entrar no beco de todas as desgraças onde o pior pode acontecer.
Quando a minha mãe foi fazer uma colonoscopia, convencida de que não tinha nada de especial, felizmente estando acompanhada por uma amiga, ficou quase sem acção quando a médica, no final, lhe disse que tinham que conversar, que deveria marcar com urgência mais uma série de exames e que deveria ser operada o quanto antes. Nessa altura, ela ligou-me e, num fio de voz, disse-me que era melhor eu ir lá porque havia coisas a combinar.
Voei, aflita, e, quando cheguei, encontrei-a com a amiga, a amiga em silêncio e ela, branca, voz quase sufocada, pensando no que iria acontecer ao meu pai, naquele estado, estando ela fora, no hospital. Antevendo o pior para si própria, era sobretudo com ele se preocupava.
Em cerca de umas duas semanas estava a ser operada, meio cólon para o lixo, e felizmente, até ver, tudo a correr bem. Provavelmente apanhou o bicho mau ainda no início. Quando me fala no que aconteceu quase a querer considerar-se doente digo-lhe que esqueça, que teve uma porcaria dentro dela mas que, em boa hora, deu por isso e que acabou, está boa, melhor agora que antes porque antes a semente do mal provavelmente andava por lá e agora, tendo sido detectada, foi varrida de cena. Digo estas coisas assim, provavelmente carregadas de ignorância, mas que me tranquilizam e que, sobretudo, quero que a tranquilizem a ela.

Aquela amiga da minha mãe, uma corajosa ex-professora de oitenta e tais anos, viúva, já não tem seios nem parte do estômago. Tudo isso lhe aconteceu tarde na vida. Mas vive descontraída e feliz como uma menina que nada soubesse da vida. Passeia que se farta. Fala com acentuado sotaque alentejano, cheia de bom feitio, disponibilidade e graça. De vez em quando, encontro-a em casa da minha mãe: conversam e riem-se. Por vezes, lá vem à baila alguma preocupação.
No entanto, imagino que, nos casos em que a reconstrução mamária não é perfeita, sobretudo quando a mulher ainda tem uma vida sexual activa ou um parceiro com quem partilha a sua intimidade, subsistirá alguma frustrante inibição, a nudez deve ser uma provação -- como se a lembrança do que aconteceu lhe tivesse ficada gravada na pele. Esta é uma mama a fingir porque por aqui passou um bicho mau que devorou a original.
Vi uma reportagem da The New York Times, que já não é de agora, sobre um homem que dedica a sua vida a fazer tatuagens em seios reconstruídos, simulando na perfeição os mamilos. Gostei de ver. Geralmente associamos as tatuagens a alguma subversão ou a um tipo de estética alternativa e, no entanto, a tatuagem pode também ter uma função em que nunca tinha pensado.
Partilho convosco este vídeo que a mim me comoveu pois pode acontecer que seja útil a alguém.
The Nipple Artist | The New York Times
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2 comentários:
Em fevereiro do ano passado, foi-me diagnosticado uma neoplasia na bexiga, depois de eu ter começado a urinar sangue. Fui operado de urgência para estancar a hemorragia e extrair o tumor. Em abril voltei a ser operado, porque a própria bexiga tinha sido invadida pelo cancro. Tiraram-me a bexiga e fizeram-me uma bexiga artificial, com um pedaço de intestino delgado.
Sabe como foi que eu superei psicologicamente a difícil situação? Continuando a publicar o meu blog, como se não estivesse a acontecer-me nada, como se eu continuasse são como um pero. Cheguei ao ponto de publicar o blog deitado na cama do hospital, com três tubos a sairem-me da barriga, além de uma algália num certo sítio e um tubo de soro metido no braço. Abençoada internet e abençoado blog! As minhas navegações na internet e a minha preocupação com a publicação do blog distraíram-me o espírito e mantiveram-me com vontade de continuar a viver, pois acompanhava a vida que continuava lá fora e dialogava com ela.
Estou bem, tanto quanto é possível dizer que estou bem. Faço uma vida ativa e normal, pois o cancro não voltou a dar sinais de "vida". Disse-me o cirurgião: «Pode considerar-se curado. Ainda tem muitos anos de vida pela frente». E cá estou. Espero que não tenha notado nada de fora do normal no meu blog durante este ano que passou.
O cancro é uma doença terrível. O tratamento é violento. Cada pessoa tem o seu modo de reagir.
Infelizmente perto de mim já muitos casos aconteceram.
Por vezes, assim como uma aragem gelada ressoa na minha cabeça - e se fosse comigo?
Fecho logo a janela fo pensamento. Logo se verá. Acredito que slgimas estrelas no céu olham por mim.
Coragem aos que lutam. Vivam cada momento.
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