terça-feira, outubro 31, 2023

A casa de Bella Freud, filha de Lucien Freud, neta de Sigmund Freud
(para ver se me redimo de vos maçar, outra vez, com os meus problemas...)

 


Estou um pouco esgotada. E o 'pouco' é, claro, uma maneira de dizer. Já passei por tanta crise, tanta situação difícil, por vezes por dentro de situações limite que nunca esperaria viver, e nunca me senti tão exausta e sem saber como dar a volta às coisas como agora.

Ao longo de toda a minha vida, mesmo no meio de furacões ou terramotos, sempre me mantive relativamente serena, com a perspectiva do que fazer para escaparmos o mais incólumes possível. Sempre reconheceram em mim a característica de não perder o pé, não perder o rumo, não perder o sangue frio, não perder o optimismo. Por vezes, eu própria me questionava se isso não seria sinónimo de inconsciência.

Pois, neste momento, isso não acontece.

Quem me veja a lidar com a situação talvez ache que, apesar das circunstâncias, consigo manter o racionalidade, a tranquilidade. De facto, tento manter a argumentação, tento convencer, tento aguentar as coisas, tento mostrar-me calma. 

Mas, por dentro, sinto-me quase derrotada, pois todos os dias, várias vezes durante o dia, sou submersa pela mesma onda, sempre a mesma onda, cada vez mais forte, cada vez mais alta. Como se eu não tivesse dito nada antes, como se antes não me tivesse esgotado em explicações, em argumentações, como se não lhe tivesse feito a vontade e falado com médicos, uma e outra vez, ido a consultas, etc. Sempre a mesma conversa, as mesmas queixas, o mesmo choro, a mesma postura, a mesma respiração de quem está muito mal, e as mesmas reivindicações, a mesma atitude que, sinceramente, já não sei se é genuína ou se é também uma (talvez inconsciente) manipulação para tentar levar-me a fazer exactamente tudo o que quer (e digo isto pois sintomas que eram gravíssimos, insuportáveis, no dia seguinte, por milagre, já desapareceram dando a vez a outros, ou desaparecem se falo com os médicos conforme ela queria, embora no dia seguinte possam reaparecer, já que os médicos nunca dizem o que ela quer ouvir). 

Por mais que lhe evidencie que nada disto faz sentido, que nos últimos tempos isto repete-se diariamente e que a resposta que obtém de todos quantos a examinam é sempre a mesma, não se convence. Ninguém presta, ninguém sabe, ninguém quer saber, nem quem a examina e, certamente, nem eu.

Hoje foi a um outro médico, um que não tinha nada a ver com nada disto, mas a quem, inacreditavelmente, foi contar a mesma história, recorrentemente contada, a de que os medicamentos estão a acabar com ela. O médico, certamente pensando que isto não tem sido objecto de não sei quantas idas a médicos e urgências, disse que ela devia pedir uma segunda opinião. E, então, a seguir, a conversa era esta, a de que este médico tinha aconselhado isto e que era isto que se devia fazer. Ora isto como se já não tivesse pedido mais de umas vinte opiniões. 

Quando, já exausta, lhe digo que, em vez de andarmos nisto, nesta insanidade, se ela quer deixar de se tratar, que tome ela essa decisão pois, como já constatámos, nenhum médico lhe retira ou altera a medicação pois é a indicada (todos o confirmam). E, se os médicos o dizem, não sou eu, que não sou médica, que vou fazê-lo.

Nessa altura, aconteceu o que acontece também frequentemente: que ela não quer fazê-lo, eu é que percebi tudo mal, eu é que não presto atenção ao que ela diz, que eu é que invento coisas. 

E não saímos disto. 

Porque, de facto, o que se passa é que anda obsessivamente a arranjar sintomas e argumentos para justificar que, com carácter de urgência, continuemos a tentar descobrir um médico que faça o milagre de a pôr vinte anos mais nova, sem necessidade de qualquer medicamento. Ora como não sei onde descobrir tal médico, vou continuar nisto. 

Os meus filhos dizem-me que não ligue, que não me deixe abalar. Dizem-me até que lhe diga que não quero falar mais de doenças ou que, se é para continuar com a mesma conversa de sempre, não estou disponível para isso. Ou seja, acham que não devo alimentar a conversa pois é um loop do qual não saímos. Mas é impossível fazer o que sugerem pois ela chora, simula que mal respira, queixa-se de tudo como se estivesse numa fase terminal, sendo que os sintomas, como já aqui referi, vão literalmente da cabeça aos pés e, segundo ela, tudo indicia uma coisa de gravidade extrema. Ora, perante este cenário, como é que posso dizer que não quero falar mais disto? Até porque sei lá se é a pancada de sempre ou se, algum dia, está mesmo doente. 

Hoje voltei a perceber que o que queria mesmo era voltar a ser internada para ser examinada  em contínuo, todos os dias, exames integrais, de todo o tipo. Mas isso não existe, não vou chegar às urgências e dizer um disparate destes. Então fica num desespero como se eu não quisesse que se soubesse o que tem para poder tratar-se como deve ser.

Receio, sinceramente, dar em maluca com isto. 

Mas, enfim, hoje tinha resolvido não falar deste mesmo tema, ninguém tem que estar a levar com coisas tão chatas. Mas como a última cena foi mesmo há pouco e como estou deveras apreensiva sem saber como resolver esta situação, voltou a sair-me esta prosa... 

Garanto que amanhã não vou reincidir... Já dou com cada seca aos meus filhos... Era o que faltava terem vocês que estar também a ser sacrificados. 

Não falo no meu marido pois ele assiste diariamente a esta crise permanente, cada vez mais aguda, cada mais consecutiva, e, portanto, não o massacro a relatar o que se passa pois ele, coitado, também anda a passar por ela. E se, por um lado, é adepto do que os meus filhos dizem, que não devo alimentar a conversa, pois acha que se eu me recusar a falar sobre o mesmo de sempre talvez ela acabe por 'atinar', por outro, percebe que é praticamente impossível, concretizá-lo. Talvez algum psicólogo saiba desviar a atenção de alguém que obsessivamente se alimenta destes medos. Eu não sei. Mas já andou uns meses numa psicóloga e não descansou enquanto não a largou, achando-a incompetente, com conversas parvas que não levavam a lado nenhum. Por fim até ficava quase agressiva quando eu lhe recomendava que lá voltasse.

Bem. Calo-me já. Caraças. Peço mesmo desculpa. Vou arranjar um automatismo para, se um dia destes me der para voltar a falar do assunto, um martelo automático entrar em acção em cima das minhas mãos.

Nem eu já me aguento... Sorry.

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Para ver se me redimo, vou partilhar um vídeo em que Bella Freud (que aparece nas pinturas lá em cima), filha do pintor Lucien Freud (com quem aparece na fotografia aqui mesmo acima) e bisneta de Sigmund Freud, mostra a sua casa e fala do pai. Tem peças interessantes e até tudo muito engraçado.

Está legendado mas algumas palavras, na tradução, saem um bocado ao lado, há que dar o devido desconto.

Inside this Designer’s Eclectic London Home Filled With Sentimental Objects | Vogue

Cult fashion designer Bella Freud's west London abode is filled with playful details that speak to her eclectic circle of friends and collaborators. While taking us throughout the home, Bella talks about her late father, her great grandfather (the legendary Sigmund Freud), shows off a mini golden replica of Nick Cave's hand, and more.


Desejo-vos um dia bom
Saúde. ânimo. Paz.

4 comentários:

Paula disse...

Lamento tanto. Um martelo automático já é o que sentirá a dar-lhe na cabeça e nos nervos. Gostava de dar-lhe uma palavra de alento mas não é o que tenho. O que tenho é o conhecimento próximo de dois casos de senhoras consideravelmente idosas que viveram os estados de degração fisica e cognitiva dos maridos com toda a abnegação e uma vitalidade que nem se percebia onde a iam buscar. Falecidos os maridos, parecendo perdida a necessidade de de se manterem com os pés na terra, já não tinham que aer as cuidadoras

Pôr do Sol disse...

Querida Um Jeito Manso,

Não querendo massacrá-la com o assunto que tanto a preocupa, deixe-me contar-lhe a experiencia que uma amiga me transmitiu ontem, pois nesta idade todos temos preocupações comuns.

A sogra enviuvou há cerca de dez anos. Desde então ocupou-se dando assistencia aos netos. Tinha sempre bainhas para subir, ou descer, camisolas e casaquinhos para tricotar, almoços a horas dispares. Mas os netos ficaram adolescentes, ganharam autonomia.

Há cerca de dois anos começaram as doenças, umas reais e normais, outras chamadas de atenção. O médico do centro de saude era miudo, pouco sabia, os particulares andavam a empatá-la, os comprimidos faziam-na ganhar peso e com isso sentia-se pior.

As lamurias começavam ainda antes da nora ir para o emprego . Poupava o filho pois este tinha uma vida muito ocupada.

Um dia a nora antes que ela se queixasse começou a falar-lhe das dores de cabeça que a impediam de dormir. Sentiu que quando se queixava a sogra acalmava e preocupava-se com quem trataria dela.

Completamente descrente dos medicos, incompatibilizou-se com o medico de familia e a conselho de uma amiga virou-se para a homeopatia e ervanária, onde não há quimicos e é tudo natural, afirma com toda a convicção. A mesma amiga pediu-lhe que desse umas aulas de tricot e costura na obra da junta de freguesia, o que faz com orgulho. Acompanha nos almoços e passeios que a mesma obra organiza.

Hoje anda feliz da vida com tres gotinhas, nem sabe de quê à noite, dorme e acorda bem disposta, quatro ou cinco bolinhas tres vezes ao dia , anda menos queixosa mas anciosa
pela temporada nas termas onde arranjou um grupo de amigos.

O problema é que quase com oitenta anos recusa vacinar-se.

Ao ouvir a minha amiga pensei em si. Porque não tentar mostrar que tambem tem dores e achaques?

É triste pessoas com reformas que lhes permite viverem bem uma velhice, inevitavel mas livres para fazerem coisas novas, não o aproveitem.

Estes males comparados com os que vão pelo mundo...

Um beijinho saude e PAZ





Um Jeito Manso disse...

Olá Paula,

Se calhar o organismo de uma pessoa que vive a vida inteira com outra pessoa e a acompanha até ao fim, 'pensa' que a sua missão perde a razão de ser e entra em declínio.

Não sei.

O que sei é que até há não muito eu admirava a vitalidade da minha mãe. Tratava da casa, do jardim, fazia peças de tricot, preparava grandes lanches quando lá ia a família. E, de repente, em pouco tempo, mudou radicalmente.

Mas mudou de uma forma inesperada, total. Não apenas fica numa ansiedade (e, sim, medo, medo, medo!) que a corrói por dentro e por fora, como é de tal forma exuberante nas manifestações que toda a gente que está por perto fica forçosamente desestabilizada, sem saber o que fazer, sem saber se é de ir a correr para o hospital ou, simplesmente, acalmá-la, tentar convencê-la a tomar um ansiolítico.

Sempre ouvi dizer que os problemas desta natureza afectam não apenas quem deles sofre como aqueles que lhes estão próximos e é bem verdade. Mas, enfim, é o que é. Um dia de cada vez.

Muito obrigada pelas suas palavras, Paula.

Um Jeito Manso disse...

Olá Querida Pôr do Sol,

A minha mãe antes ocupava-se do jardim, fazia tricot, frequentava a universidade sénior, gostava de estar com a miudagem da família. Agora não tem paciência para nada disso.

E não se interessa pelas doenças dos outros pois acha que todas são insignificantes quando comparadas com as dela. Um dia em que eu estava com o cotovelo (direito) muito inchado, sem conseguir mexer o braço, tendo que andar com o braço ao peito, não conseguindo fazer quase nada (por exemplo, sem conseguir abotoar os ténis ou pentear-me como deve ser), não apenas não ligou a mínima como disse que daí por uns dias eu estaria boa, que tomara ela que os males dela fossem assim. Isto, estando ela boa...

No outro dia falei-lhe na vacina pneumocócita, recomendada acima dos 65 e em especial para quem tem maleitas como as dela. Disse-me que nunca tinha ouvido falar em tal, que não ia tomar coisas que ninguém lhe recomendou. Ora a médica de família já lhe deve ter recomendado isso várias vezes. Tem medo de todas as vacinas. Não é contra as vacinas. Tem é medo de as tomar.

Não sei se a homeopatia seria solução para ela pois não acredita em medicamento nenhum e, antes de os tomar, estuda as bulas, lê tudo e mais alguma coisa e na homeopatia aquilo é mais na base do mistério (acho eu...). Mas eu estaria por tudo, talvez se convencesse que as gotinhas e as bolinhas a tratavam e esquecesse as doenças.

Por exemplo, quando lhe receitam anti-histamínicos, em vez de os tomar. faz chás de nabo, de salsa, de casca de cebola, coisas que vê nos seus livros de medicina natural. Só quando está mesmo aflita é que se resigna a tomar os medicamentos mas sempre na dosagem mínima, no mínimo de tempo possível, muitas vezes de tal forma pouco que não faz efeito. Mas depois arranja sempre desculpa para não tomar, geralmente diz que lhe provocam tosse, ou tonturas, ou alergias ou sei lá o quê.

Enfim. Apesar de tudo ainda tenho esperança que suceda algum milagre e que ela volte a ser como era...

Uma vez mais muito obrigada. Saber de casos semelhantes, podendo parecer que não, anima-me, fico a perceber que há mais casos assim e que isto é mesmo complicado para toda a gente (pois, às vezes, penso que eu é que ainda não atinei com a forma correcta de lidar com a situação...).

E tem razão, nada que se pareça com as guerras horríveis deste mundo...

Um grande abraço, Querida Sol Nascente!