quinta-feira, setembro 13, 2018

Na Beira, quase no Alentejo, quase em Espanha




Descansar é bom e estar in heaven, naquele abençoado lugar que, na terra, eu posso sentir como meu, como se lá estivessem as minhas raízes, como se lá fosse o meu ninho, como se fosse o meu refúgio e o meu eterno sonho é melhor ainda.

Mas quem não está habituado a estar sossegado, sossega um, dois dias, e logo fica com vontade de arranjar o que fazer mesmo que, estando de férias, o ter que fazer possa não ser senão ir passear. E somos os dois assim. 'Vamos fazer o quê?' -- pergunta-me ele, quando se deita, descansado, ou quando acaba de desramar azinheiras ou aroeiras. Outras vezes sou eu que, ao sol, na espreguiçadeira, lhe pergunto, porque parece que temos que ter sempre o que fazer. É absurdo mas é o que é.


E, portanto, assim foi. Noutras alturas, iríamos para outras paragens. Ainda hoje, ao jantar, ele dizia que há já algum tempo que não vamos a Madrid. Efectivamente era nosso costume irmos várias vezes por ano a Madrid e eu até achava que poderia viver lá. Aquelas ruidosas e amplas avenidas, aqueles animados passseios largos, aquela gente faladora e perfumada, os parques com cedros gigantes, faziam-me sentir bem, perfeitamente integrada.

Um amigo foi para lá viver, alugou um apartamento numa praça junto a um jardim, mesmo no centro, perto da empresa onde trabalhava. Um dia em que lá fui em serviço, levou-me a ver a sua casa, decorada com bom gosto, com pinturas, objectos de arte. Fomos à varanda. Ao fim do dia os pássaros no jardim cantavam com toda a energia e ele estava feliz. 


Mas, entretanto, qualquer coisa em mim mudou. Aliás, acho que não foi em mim. Foi o avc do meu pai, é o estado de dependência em que vive, é a idade dele e da minha mãe, é a dificuldade que, por isso, tenho em ir para longe. E são os meninos. Pode ser preciso estarmos por perto. Ou melhor: preciso de estar por perto. 

Por isso, agora o nosso destino é quase sempre o nosso país, tão cheio de lugares lindos, tão diverso e raro.

Hoje andámos num sítio onde já passámos algumas vezes, uma das quais a pé, por caminhos montanheiros, fazendo um pic-nic num lugar ermo e de uma beleza assombrosa. Foi há uns anos, há muitos, eram os meus filhos ainda miúdos. Fomos com um grupo de amigos, todos com filhos mais ou menos da mesma idade. Um dos amigos tinha os livros da Gulbenkian que apontava percursos especiais. Na altura não havia GPS. Era ele e o livro, eram mapas antigos e mapas recentes, era o sentido de orientação. Deixávamos o carro e entrávamos por carreiros à procura do sítio onde se alcançava a vista mais prodigiosa. Não sei como nos aventurávamos a andar em caminhos pedregosos, a subir e a descer com as crianças atrás, sacos com farnel. Lembro-me do medo que tinha, o meu filho sempre tão afoito e irrequieto, aquelas rochas, aquelas alturas. Mas aventurávamo-nos e era uma festa.


De então para cá, tem sido de carro. Mas é um passeio sempre muito bonito, sempre cheio de recantos por descobrir.

Não andámos hojes pelas escarpas mas por lugares mais seguros. E valeu tudo, até andarmos os dois de gaivota num lago de águas repletas de limos e de peixes, a apanharmos sol, eu a fotografar, feliz como um dos muitos patos que por ali também andava a nadar. 


Também eu nadei. Não no lago -- que não sou pata -- e aqueles limos e peixes a ensarilharem-se-me nas pernas haveriam de me dar ânsias. Nadei em águas límpidas e salgadas, a olhar a paisagem, nadei quando o sol batia de frente, nadei quando o sol começou a pôr-se e a luz dourada pousou sobre o lago, nadei quando os pássaros já tinham largado numa alegre cantoria à desgarrada.


E à noite andámos a passear às escuras, apenas o céu iluminando os nossos passos, apenas o silêncio por companhia.

Agora, ao ver as fotografias feitas à noite, detecto pontos que não percebo o que são. A lente está limpa, já o confirmei. Seriam pontos de luz despenhando-se do céu? Fragmentos não sei de quê entontecidos pelo flash? Não sei.

Se calhar não estávamos tão sozinhos como pensávamos. Nunca sabemos tudo. Aliás, o que sabemos é nada. 

E ainda bem que assim é.


E desçam, por favor, a ver se descobrem qual o castelo amaldiçoado que abaixo vos mostro

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