E que tal deixar de alimentar o monstro? [Conhece bem todos os riscos que corre ao usar o Facebook ou o Instagram?]
Quem por aqui me acompanha sabe que não estou no Facebook ou Instagram (que são basicamente a mesma coisa embora com aparência distinta). Desde o primeiro momento, achei que o modelo de negócio é escuso, enganador, perigoso. Aplica-se na íntegra aquilo de que quando não percebes qual o modelo de negócio é porque o negócio és tu.
Poderia dissertar aqui sobre o perigo que é haver milhões e milhões de pessoas a alimentar aquele imenso reservatório e processador de informação com os seus dados pessoais, as suas fotografias, as suas preferências, os seus contactos mas, afinal, já quantas vezes o fiz antes...? É que o grave não é apenas isso, o mais grave é que é possível cartografar e indexar toda a informação. É possível saber por rua, por bairro, por cidade, por pais, de que gostam e desgostam as pessoas. É possível dar uma volta ao cubo e saber a mesma coisa mas agora por profissão. Ou por empregador. Ou por estado civil. Ou por faixa etária. Ou pelo que se quiser. É possível mapear cada pessoa e os seus contactos e os contactos dos seus contactos e por aí fora, percebendo até onde pode chegar uma informação que cada um, na sua inocência, julga que trocou de forma privada. Esquece-se que essa pessoa pode partilhá-la, privada e secretamente, com outra e assim sucessivamente. As pessoas não percebem (ou não querem perceber) que plataformas assim são uma guloseima para quem queira prejudicar, manipular, chantagear ou ameaçar alguém.
Na melhor das hipóteses são o terreno fértil onde a publicidade pode ser plantada. Ou a falsa informação.
Uma geração que mal lê e que se alimenta de notícias truncadas, mal processadas, mal digeridas, falseadas, uma geração que se alimenta de casos e, a partir de casos individuais, constrói teorias, é uma geração que desperdiça parte da sua vida alimentando um mega-monstro, enquanto distorce a sua personalidade. Ocupadas a ver as fotografias dos outros ou as partilhas das partilhas das partilhas,, as pessoas abdicam de se informar correctamente, abdicam de se cultivar, abdicam de pensar genuinamente nos outros, entretidas que estão a autofotografar-se ou a fazer reportagem das suas irrelevantes acções. Tornam-se frívolas, autocentradas.
Tem coisas boas? Claro que terá. A informação pode circular livremente e, quando é boa informação, claro que isso é bom.
Mas sendo uma ultra poderosa, ultra ubíqua, ultra ramificada e totalmente desregulada rede com milhões de pontos de acesso é um perigo que não será possível de controlar.
Começam a aparecer denúncias e, a mais alto nível, começam a surgir preocupações. Mas vêm tarde. O gigante já colocou as patas em tudo o que era sítio e, em todo o sítio, é diligentemente alimentado pelos seus fiéis seguidores.
Por razões que não alcanço, as pessoas parece que sentem necessidade de mostrar à sua rede de 'amigos' todos os sítios por onde andam como se a sua existência dependesse de os outros saberem disso ou, talvez, dos gostos e corações que os outros lá deixam. As pessoas parece que se tornaram como o cão de pavlov, colocando fotos e esperando a recompensa de um smile ou de um coração como se fosse uma guloseima. Não percebem que estão, simplesmente, a alimentar o monstro. E não percebem que o grupo de amigos se está nas tintas para o que lá põem, a não ser no que se refere à bisbilhotice que é também fomentada e diligentemente alimentada, mostrando aos outros onde se foi, com quem se foi, como se estava vestida ou penteada. Futilidades.
E, nessa ânsia de mostrar aos outros as mais completas irrelevâncias, esquecem-se que estão apenas a fornecer elementos úteis para o funcionamento da máquina amoral que é o Facebook e o Instagram.
Quando vejo que algumas empresas assentam a sua publicidade e, por vezes, até o seu negócio em plataformas como estas penso que não devem estar cientes que aquilo pode deixar de funcionar, que tudo o que lá põem pode ser perdido ou mal usado e que depois, se se quiserem queixar, podem muito bem ficar a chuchar no dedo.
Poderão dizer que também escrevo no blog. É verdade. Mas o modo de funcionamento da plataforma do blog nada tem a ver com a da plataforma do Facebook ou Instagram. E não coloco os meus dados pessoais, não tenho redes de 'amigos', não há partilha em modo de grafo (como nas redes sociais), não sou campo em que o blog possa plantar publicidade. E ainda assim, apesar de não haver comparação possível, sei os riscos que corro.
Seria bom que os matemáticos, na Academia, desenvolvessem modelos que demonstrassem ao público, em especial aos que pensam que só estão a partilhar informação pessoal com os sues 'amigos', a total devassa que são estas redes. Seria ainda interessante que demonstrassem, com situações facilmente compreensíveis, o poder arrasador e descontrolável que plataformas como o Facebook ou o Instagram podem ter na propagação de notícias falsas, notícias que espalhem o pânico, o ódio, a desinformação em geral.
Quem pense que estou paranoica lembre-se de como a campanha (bem sucedida) do Brexit foi conduzida com recurso a marketing político dirigido com base em informações 'sacadas' ao Facebook. A população, grande parte dela totalmente ignorante das consequências do Brexit, foi conduzida a votar sim à saída da União Europeia. Deverão estar lembrados que no dia seguinte ao voto favorável à saída, o google foi bombardeado por parte dos britânicos com a pergunta: O que é o Brexit?
Qualquer matemático que goste de modelos fica a salivar perante o manancial de possibilidades que os dados e metadados residentes nessas plataformas podem proporcionar. Digo-vos: poderá fazer-se o que se quiser. Nas mãos de gente doida ou mal intencionada, aquilo serve para o que se quiser.
Uma vez que a regulação já não é possível, só há uma maneira de se vencer a besta antes que a besta nos vença a nós: deixar de a alimentar.
Tal como a Greta Thunberg teve o mérito de pegar na bandeira da causa das alterações climáticas, seria bom que emergissem figuras que soubessem erguer também bem alto a bandeira do fim das redes sociais tais como hoje as conhecemos.
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