segunda-feira, maio 15, 2017

Silêncio e tanta gente


As minhas primeiras memórias da Eurovisão apresentam-se-me a preto e branco. Não havia muita oferta e estas coisas eram um happening que não se podia perder. A noção que eu tinha é que era uma luta desigual: Portugal obtinha sempre votações baixas e parecia que outra coisa não seria de esperar. A máquina da Eurovisão assentava num aparato mediático que rolava sobre engrenagens internacionais bem oleadas e contra as quais os pequenos portugueses jamais poderiam sobreviver. 

As delegações portuguesas, a meus olhos e a esta distância, eram voluntaristas mas havia ali qualquer coisa de auto-condicionamento, como se, à partida, partissem vencidos apesar das palavras de motivação. Mas era uma motivação que, a mim, do que me lembro, me parecia modesta.

Fui agora relembrar as participações portuguesas e lembro-me bem de algumas. Contudo, a partir de há muitos anos, desliguei-me e vejo ali nomes de artistas de que nunca ouvi falar e nem pelo nome da canção lá vou. Desconheço -- e nem a poeira que, na altura, certamente se levantou chegou até mim.

Tudo me parecia uma xaropada sem o mínmo préstimo. Nem a Eurovisão nem o nosso Festival da Canção. Tal como hoje não sou capaz de ver, nem por um minuto, a pangalhada que as televisões passam nas tardes de fim de semana, não sei se apenas ao domingo ou também ao sábado.
Dá-me ideias que são actuações aí pelo país, do mais pimba e rasca que se produz, umas moçoilas descascadas a bailar em cima do palco, uns desconhecidos a cantarem coisas sem cu nem pé nem bico. E as televisões transmitem isso. Um lixo.
Não percebo em que estudos de mercado se baseiam para acharem que é isso que dá share mas eu e todas as pessoas com quem me dou não nos detemos nem um minuto nessas porcarias. O que vejo é de relance e apenas porque, numa de zapping, alguém passa por lá.

Portanto, tal como rejeito visceralmente este tipo de espectáculos estupidificantes, também desaderi dos festivais eurovisteiros -- até a este último.

Mas, do período em que via -- e não querendo desvalorizar algumas que foram canções de óbvia qualidade --, há uma que sempro lembro com admiração. Já aqui a tive e hoje, dia do merecido regresso apoteótico do Salvador e da Luísa Sobral, gostava de a ter de novo.


Maria Guinot, compositora e intérprete de Silêncio e Tanta Gente




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Como ela própria viria a dizer anos mais tarde, a vida por vezes é madrasta e, apesar de sorridente e cheia de vontade, as limitações físicas impediam Maria Guinot de tocar, de compor a sinfonia ou a ópera que ela gostaria de ter composto.

Mas a dignidade da sua presença e a qualidade e sensibilidade da sua interpretação de Silêncio e Tanta Gente no Luxemburgo em 1984 estará, certamente, na memória de muita gente.

No dia em que nos alegramos com o facto de uma canção de qualidade ter rasgado os ditames da mediocridade que impera, é justo que nos recordemos desta outra.

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1 comentário:

bea disse...

Concordo. Foi a canção mais bonita que foi ao festival antes dos manos Sobral. E Maria Guinot pareceu-me uma extraordinária intérprete e compositora.