domingo, dezembro 19, 2021

Ghislaine Maxwell e Jeffrey Epstein, dois personagens ainda por desenhar

 


Haverá documentários, filmes, séries. Nuns casos os holofotes incidirão nele, noutros incidirão nela. 

Não tenho tempo para acompanhar de perto. Vou apenas lendo os títulos, tentando estabelecer as ligações, perceber de que se trata. Por isso, posso não ser muito precisa no que vou dizer. 

Se dele poucas dúvidas restam de que se tratava de um simpático e cativante predador, riquíssimo, rico para além do usual, socialmente bem aceite apesar de se lhe conhecerem as preferências, já dela, quanto mais sei (e quase nada sei), menos percebo. 

Qual o papel dela? Que necessidade tinha ela de se prestar àquele papel? E o que me parece é que não o fez por necessidade mas por prazer. Ou talvez eu não esteja a colocar bem as coisas, talvez devesse dizer que não o fez por estar a ser compelida a isso por ele mas porque necessitava disso para se sentir completa. Talvez gostasse de ser angariadora de meninas, talvez gostasse de tocar o corpo de meninas, talvez gostasse de assistir a violações. Talvez seja, apenas, a cúmplice de Epstein. Não a namorada mas a amiga, a companhia dedicada.

Talvez tão doente fosse ele como ela o é.

Ele convidava Trump, Clinton, o Príncipe Andrew e tantos outros -- e eles iam. Iam no avião particular dele, iam para a sua ilha privada ou para uma das suas mansões. Porque iam? Porque ele era muito rico e estarem na companhia de uma pessoa muito rica faz bem ao ego de algumas pessoas? Acho que talvez seja mesmo isso. 

Conheço algumas pessoas muito ricas. Um deles, muito, muito, muito rico gosta de cozinhar para os amigos chegados, gosta de convidá-los para as suas casas e para o acompanharem nas suas viagens. E os que são convidados alimentam-se dessa amizade como se merecerem esses convites e merecerem estar perto e partilharem a privacidade de um homem tão rico fosse o alimento de que necessitam para se sentirem igualmente importantes. Sujeitam-se aos horários exigentes e à hiperactividade desse homem muito rico, sujeitam-se a tudo, e sujeitam-se voluntariamente e felizes por isso, porque, genuinamente, se sentem como se estivessem sentados à direita de deus-pai-todo poderoso.

Não será exactamente assim mas apenas um pouco assim para os que frequentaram as casas de Jeffrey Epstein. Alguns terão partilhado também as adolescentes que eram abusadas pelo multimilionaríssimo Epstein. Outros talvez apenas as boas casas, o bom vinho, as piscinas, as praias, o deboche das conversas sobre dinheiro e sobre mulheres.

Oriundo de uma família de poucas posses, Epstein foi subindo, subindo, foi empregado, foi despedido, muita ambição, muita sedução e sorridente assertividade, depois já era consultor financeiro e finalmente já era dono de empresas que negoceiam fundos, nomeadamente os hedge funds e outras cenas perversas geradas e alimentadas pela especulação. Andando movido a adrenalina, alimentado pelo poder do risco e da movimentação de muitos milhões, com uma sexualidade que pedia carne nova, Epstein devia viver naquela realidade paralela na qual vivem os que enriqueceram muito e muito depressa e que começaram a habituar-se a ter à sua volta muita gente disposta a servi-los ou a acompanhá-los.

Mas...e Ghislaine? O que a movia_?

Rica de berço, filha do magnata Robert Maxwell com quem trabalhou, Ghislaine conhecia, desde sempre, o conforto das boas casas e o conforto que uma carteira recheada proporciona. 

Quando o pai morreu, mudou-se do Reino Unido para os Estados Unidos, criando um grupo sem fins lucrativos para proteger os oceanos. E, em paralelo, começou a colaborar com Epstein. Mas a colaboração era uma colaboração invulgar. Se Epstein tinha muito dinheiro, Ghislaine conhecia tudo o que era gente rica e importante. Uma colaboração virtuosa, assim parecia.

Só que a colaboração aparentemente não tinha a ver com negócios. Andando frequentemente juntos e abraçados, muita gente os tomava por namorados. Tinham-no sido, em tempos e, ao que parece mantiveram-se bons amigos. Ela casou-se e teve filhos mas a bizarra proximidade a Epstein manteve-se. 

Mas o que se passava é que Ghislaine sempre fez tudo para agradar a Epstein e, para lhe agradar, nada melhor do que angariar meninas para satisfazer o seu apetite voraz. Via meninas aqui e ali, contactava-as, prometia-lhes que lhes apresentaria uma pessoa que gostava de realizar sonhos.

E levava-as até às suas casas. Lá parecia ser a governanta. Ghislaine não apenas levava as meninas até às ricas mansões como até aos seus quartos. Até às suas camas. Muitas vezes ficava a assistir, muitas vezes participava nas sessões de massagens altamente erotizadas.

Pelo meio, ameaçava as jovens de que correriam risco de vida se falassem no que ali se passava. Ele fazia o mesmo. Ameaçava-as, obrigava-as a obedecerem a Ghislaine. As jovens sentiam-se presas, amedrontadas, culpadas. Calavam-se e obedeciam.

Até que um dia algumas começaram a falar.

Jeffrey Epstein foi julgado, foi preso. E um dia apareceu morto.

Ghislaine foi presa mais recentemente. Está agora a ser julgada. As meninas que angariou são agora mulheres adultas que descrevem o que ela fazia e dizia. Desejam a sua prisão, dizem-na perigosa, dissimulada, egocêntrica.

Diz-se que se arrisca a apanhar trinta anos de prisão.

Ninguém consegue explicar o que a levou a fazer aquilo. Tara? Pancada da pesada? Um narcisimo agudo que a levava a ignorar as consequências dos seus actos? Qualquer coisa ainda por descobrir?

Não faço ideia.

O que agora achei mais surpreendente é que, estando a ser julgada por tráfico sexual de menores e sendo proibidas as filmagens ou fotografias na sala de tribunal, é permitido que sejam feitos desenhos do que lá se passa. Jane Rosenberg é a desenhadora oficial. É através dos seus desenhos que a comunicação social consegue ilustrar as notícias do julgamento.

Pois bem. Para espanto geral não apenas Ghislaine se apresenta descontraída dizendo que não vai defender-se porque os acusadores ainda não apresentaram nenhuma acusação de jeito como pediu papel e lápis de cor e agora, em vez de se concentrar exclusivamente no que lá se passa e na sua defesa, também desenha. Desenha a desenhadora.

Enquanto Jane Rosenberg a retrata, Ghislaine retrata Jane a desenhá-la a ela. E isto, sim, isto eu acho ainda mais extraordinário.

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Para quem não esteja a par deste caso que ainda terá muito que contar, aqui ficam dois vídeos.

Inside the wicked saga of Jeffrey Epstein: the arrest of Ghislaine Maxwell | 60 Minutes Australia


Ghislaine Maxwell accuser shares new details of alleged torture in new book


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Quem tiver a explicação para isto, que se chegue à frente e diga.

Desejo-lhe, a si, um belo dia de domingo

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois, esses ricaços já se esqueceram que a felicidade encontra-se nas pequenas coisas. Essas pequenas coisas que a UJM tão bem relata e que, segundo me parece, tão bem desfruta.