quinta-feira, outubro 14, 2021

O dia de uma mulher com o seu pequeno urso

 


E já chegámos a quinta-feira. O tempo voa de uma maneira um bocado desconcertante. Parece que o fim de semana ainda agora acabou e, afinal, o que já estamos é quase no próximo. 

Hoje, estive a trocar mails já sobre o ano que vem. Ainda estamos em 2021 e já estou a tratar de coisas relativas a 2022. Uma aceleração do tempo que me incomoda. 

Desde segunda-feira que temos televisão. Também não havia internet mas isso remediava-se com a internet do telemóvel. Um cabo que, na rua, tinha sido cortado. Veio o técnico e resolveu. Mas a verdade é que continuo sem quase ver televisão. Ontem, ao ver um bocado do telejornal, ouvi notícias que já eram velhas de dois ou três dias. Dá a ideia que o que há de minimamente relevante já apareceu nos onlines. O resto é treta, gente apanhada na rua a quem põem um microfone à frente ou o pequeno carnaval que as reportagens desencantam por onde passam. Não me assiste. A única coisa que me interessa são as imagens do vulcão. Por vezes a ferocidade do planeta faz-se lembrar. Mas, ao ver a lava ardente escorrendo até ao mar, fico na dúvida: será feroz uma terra que, na maior parte do tempo, consegue esconder a febre da paixão que a consome por dentro? 

Almoço em casa, podia ver televisão à hora de almoço. Mas almoço tarde. Trabalho até à uma e tal, depois vou até ao jardim enquanto telefono à minha mãe e enquanto o doggy-doggy tenta morder-me os pés, arrancar relva ou comer alguma porcaria que descobre. Depois regresso a casa, arranjo a comida dele, a minha, e como qualquer coisa enquanto converso com ele, geralmente para zaragatear por não me deixar os pés em paz ou por querer arrancar as franjas aos tapetes. Se calha o meu marido estar em casa a essa hora, dou prioridade à conversa com o meu marido. 

A hora da caminhada é variável, função do nosso programa de festas. Vamos sempre juntos (ou seja, eu e o meu marido; sem vacinas o bebé não pode andar na rua). Já fui uma vez andar sozinha mas fui o tempo todo a pensar que deveria ter levado um pau. Receei que alguém tivesse deixado o portão aberto e saltasse de lá um cão e eu sem ter quem me defendesse, ainda por cima eu sempre de perna ao léu, boa para ferrar. Puxa, só de pensar nisso até me encolho toda. Há com cada fera (das de verdade) do lado de dentro dos muros...

A minha ferazinha agora, mal se apanha no jardim, recusa-se a regressar a casa. Tento enganá-lo mas, mal vê que estamos a aproximar-nos do terraço da cozinha, pára e volta para trás a correr. Se vou atrás dele, foge, esgueira-se, anda em volta das árvores, esconde-se debaixo dos arbustos. As figuras que devo fazer a perseguir o animal devem ser um espectáculo. Hoje, numa das vezes, para conseguir que viesse, peguei-o ao colo. Revirou-se, rosnou, tentou morder-me. Tive que me zangar forte e feio. E ele nem aí, continuando a querer saltar para o chão, debaixo de um persistente rosnido.

Numa outra das vezes, desisti. Vim para dentro, vim fazer um telefonema que tinha que ser feito em frente do computador. Mal acabei, fui buscá-lo. Não o vi em lado algum. Corri tudo, chamei, assobiei, bati palmas. Nada. Desaparecido. Então pensei: querem lá ver que, sem dar por isso, não fechei bem a porta da cozinha para o corredor...? Entrei em casa, chamei. Nada. Fui ao lugar do costume. Lá estava aquele novelo preto de lã macia no tapete ao lado da cama, neste caso do lado do meu marido. Chamei, chamei. Nada, a fazer-se de morto. Tive que pegar outra vez ao colo. Fico feliz quando o tenho ao colo: sinto que está mais pesadinho. O meu instinto maternal que gosta de ver as crianças a desenvolver-se manifesta-se também no little baby dog. Caranguejo ascendente de caranguejo é assim: maternal até dizer chega, nem o cão escapa.

Hoje o meu marido resolveu que ao fim da tarde seria uma altura para irmos à vacina (não a nossa, a do doggy). No carro já não quer ir aninhadinho ao meu colo, agora quer ir de pé a olhar a rua e, de preferência a inspirar o ar fresco da rua. Tenho que ir o tempo todo com ele assim, com as patas de trás apoiadas nas minhas pernas e as patas da frente apoiadas no meu braço, no ar. Só visto. E vamos no banco de trás. O meu marido vai à frente, por enquanto ainda não vestido de motorista. Como daqui a nada estamos no Natal, acho que um dia destes lhe vou dizer que me apetece algo -- a ver se ganho um bombom.

Quando chegámos à clínica, ele (o doggy)  -- que, como antes referi, agora não quer estar ao colo nem por mais uma e que, mal apanha um braço ou perna minha, logo mordisca -- ficou no meu colo, dócil, imóvel, um cachorrinho sossegadinho. Nem parece ele.

Estivemos mais de uma hora à espera. Como não está vacinado, não pode ir para o chão. E, no entanto, não se mexe, bem comportadinho de dar gosto.

A médica veterinária pegou-o, aninhou-o nela, chamou-lhe ursinho, disse que queria levá-lo para casa. Sorria, ela, enlevada, e sentia a macieza deste pêlo macio, mais macio que veludo e seda. 'Um ursinho...', não se cansava de dizer.

Quando lhe deu a vacina, o pobrezinho -- que estava deitado em cima da mesa alta --  ganiu de dor e veio aninhar-se em mim, todo encostadinho, todo a procurar protecção. Quentinho, macio, ultrafofo. Ao contrário da nossa boxer mais linda que era de pêlo curto e o largava por todo o lado, este ursinho peludo não larga pelo. 

(Não havia uma anedota de um certo coelhinho que também não largava pêlo...? -- Adiante, mas é)

De volta, já tão tarde, resolvemos que fazíamos melhor era se nos abastecêssemos pelo caminho. Liguei a perguntar pelos pratos do dia. Bons, os dois. Encomendei. Portanto, ainda passámos por lá, a apanhar.

Quando chegámos a casa já o doggy-dogy vinha todo feliz da vida e todo animado. Só quis fazer chichi no jardim, ou seja, não estava numa de cocó. Estava era numa de entrar em casa. Estava com fome. Dei-lhe logo de comer. Como sempre, atirou-se com entusiasmo mas foi sol de pouca dura, nunca come por aí além. Falei à veterinária: come muito menos do que a dose recomendada. A veterinária disse: 'é um pisco, deixe, ele está bem, não se preocupe'.

Entretanto, nós cheios de fome, cheios, cheios de fome. 

Fui tomar banho e, depois, enquanto o meu marido também tomava, vim até à salinha de televisão ligar o computador e espreitar os mails de serviço. O big bear veio atrás de mim e quis comer-me os pés, depois as pernas e, depois, em desespero de causa, o cabo eléctrico do computador. Zanguei-me a sério, mandei-o embora, 'ai ai, ai ai, menino mais feio, assim a dona não gosta, ai ai, ai ai, vá, saia daqui, a dona assim fica zangada'. Ouvi a voz do meu marido: mas alguém leva essa voz a sério? metes-lhe cá um medo...

Mas a verdade é que parece ter produzido efeito. Desta vez não protestou e foi, saiu da salinha.

Quando o meu marido acabou o banho e fui buscar os pratos para irmos jantar, já depois das dez da noite, cheirou-me a cocó. Acendi a luz da zona central da sala. Um cocó em formato duplo, bem no meio da sala. O que vale é que foi no moleano e não em algum dos tapetes. Always look on the bright side of life.

Portanto, àquela linda hora, cansados e varados de fome, vá de apanhar cocó, lavar o chão. E o curioso é que, apesar de tudo, não me zanguei. Pelo contrário, até pensei: coitadinho, doeu-lhe a barriga e não encontrou nenhuma porta aberta, teve que fazer mesmo aqui. O meu marido pensou o mesmo. Ou seja, estômagos vazios e corações moles.

E, pronto, é isto. Nada mais tenho a reportar.

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Mulheres com cão respectivamente da autoria de: 
Gustave Courbet, Peder Severin Krøyer, Thomas Lawrence, Peder Severin Krøyer, Anthony van Dyck, John Singer Sargent e Giuseppe Cesari.

Enquanto isso Eric Idle interpreta "Always Look On The Bright Side Of Life"
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Desejo-vos um dia feliz
Serenidade. Confiança. Saúde. Alegria

2 comentários:

Estevão disse...

E que tal comprar um osso para o cão?
Não um osso do talho, mas um dos que se vendem em casas de rações, supermercados com comida para animais, etc. ..

E por falar em (não ver) televisão, talvez possa recolher no 4º episódio do ”O Elogio da Luz” (RTP2, quartas à noite) umas dicas para ver melhor o ursinho, à noite, no jardim.
https://www.rtp.pt/play/p9267/e572979/o-elogio-da-luz

Santa tarde!

Um Jeito Manso disse...

Olá Amofinado,

Sim, vamos comprar. Como andou mal da barriga, a recomendação era a de não dar nada a não ser a comida 'gastro' ou de convalescença. Mas, felizmente, já está regularizado e, portanto, vamos dar-lhe os 'snacks' e os ossinhos de roer. A ver se se entretém com eles e não com os meus pés, as minhas mãos, os meus chinelos, as franjas dos tapetes e etc. De resto, com o que come de relva, troncos, pinhões com casca e tudo, já deve ter o estômago preparado para tudo.

Não conhecia o programa de que falou. Já vi um episódio e, claro, gostei imenso. Sabe do que eu gosto, Amofinado... Acerta sempre.

Muito obrigada.

Um dia feliz!