segunda-feira, agosto 16, 2021

Um fds de tareia

 



O meu marido, ao fim do dia, disse-me: Tu olhas para mim e não vês um idoso... mas olha que sou...'. E sorriu, dúplice. Estava em cima do escadote a colocar um varão metálico, enorme e pesadíssimo. Respondi-lhe que, de facto, o vejo como sempre vi: um homem à altura das circunstâncias. Riu-se e fez que sim com a cabeça, como quem pensa: está bem, abelha; dá-me música

Ficaram os três varões colocados e as cortinas levezinhas de uma das salas também mas os cortinados pesados já não deu. Estiveram ao sol, sacudimo-los, mas achamos que devem ser aspirados. São uns reposteiros de um tecido muito encorpado e, ainda por cima, forrados. Pegar neles requer músculos frescos e, ao fim do dia, a canseira já se fazia sentir. Deixei-os estendidos no chão da sala, a repousar, a ver se não se amarrotam. Quando lá voltarmos logo tratamos deles.

Ainda há muita coisa para arrumar. Como toda a casa foi pintada por dentro, na prática só lá ficaram os móveis. Bibelots, louças, roupas, livros, quadros, espelhos, tapetes, almofadas... tudo foi para o estúdio. 

Agora que já limpámos e lavámos a casa, começámos a trazer as coisas. Mas deparam-se-nos dúvidas. Como quero ter muito menos tralha à vista, há que arranjar local para guardar a remanescente. Não quero deitar fora coisas boas e de que gosto pois quem sabe um dia não me apetece voltar a ter algumas coisas à vista. No entanto, já foi fora imensa coisa.

Depois há os brinquedos e jogos que, por acharmos que os miúdos gostam de os ter à vista quando lá vão, estavam numa das salas. Agora acho que já estão grandinhos e, sobretudo, gostava de ter menos coisas que dificultem a limpeza. 

Acontece que a minha casa, por características arquitectónicas muito particulares, tem pouca arrumação. Também são opções decorativas minhas. Não gosto de móveis grandes que encham as casas, deixando-lhes pouco espaço para respirar. Já contei que, quando lá chegámos, in heaven, a casa era soturna, escura. Havia móveis escuros em toda a casa. 

Os anteriores proprietários tinham-se separado. Ele gostava daquilo e de fazer obras e melhorias em casa. Ela odiava a vida no campo, a pasmaceira, e o marido sempre entretido em coisas que pouco lhe diziam. Lembro-me de um vizinho contar que ela, às vezes, saía a correr de casa, como se quisesse fugir daquele fim de mundo. Divorciaram-se e deixaram tudo para trás. E o que deixaram revelava bem o desinteresse pela harmonia e a tristeza que a habitavam (melhor: que os habitavam a eles também).

A sala da lareira era tristíssima. Para começar, a própria lareira era acanhada, tímida. Mas o pior é que a parede maior estava preenchida com um daqueles móveis modulares, em mogno escuro, que, em tempos, se usaram. Portas em cima, portas em baixo, nichos, estantes, bar -- tudo aquele móvel tinha. Devia ter quase uns três metros de comprido e, de altura, não sei bem, talvez uns dois ou mais. Em madeira escura. De facto, aquilo tinha arrumação para tudo e mais alguma coisa mas tornava a sala sorumbática. Foi logo para a despensa. Vai de parede a parede e do chão ao tecto. E está cheio de brinquedos, de livros infantis, de trabalhos dos meus filhos de quando andavam na escola, de garrafas, de material de revelação de fotografia... sei lá. Um dia que me reforme hei-de dedicar-me a pesquisar o que por lá há... e certamente encherei vários sacos de lixo. Mas isto para dizer que o único móvel com arrumação está atafulhado, já não cabe lá mais nada, acho que nem um alfinete. 

Há ainda, cá fora, a casinha das ferramentas mas está na mesma, a precisar de arrumação à séria. Disse isso ao meu marido: Havíamos de arrumar a casinha a ver se arranjamos espaço. Respondeu-me: Força, estás à vontade. Calei-me pois aquilo não é petisco para uma lady, muito menos alone

Portanto, agora temos uns três caixotes com coisas que não sabemos onde pôr. 

Já tenho uma ideia mas não consegui expô-la cabalmente pois o meu marido ficou logo arreliado: não estejas sempre a arranjar coisas para eu fazer...  Não disse coisas, claro, utilizou uma palavra menos perfumada.

Agora, enquanto escrevo, reparo que ainda não consegui tirar a tinta toda de mim, ainda tenho um ou outro salpico no braço e uma unha quase toda coberta.

Já pintei uma mesinha de branco. Mas o branco é ingrato. Gastei quase uma lata de spray e o escuro do mogno não ficou bem coberto. Com as outras cores tem sido mais fácil.

Tinha também daqueles pequenos móveis que acho que se chamam colunas, umas mesinhas minúsculas, com pés fininhos, altos, com uma prateleirinha em baixo. Eram das minhas avós. Pintei uma de cor-de-rosa pastel, pálido, e outra, a maior, de um verde que pensei que ficasse mais pálido mas que, ainda assim, não ficou mal. Os móveis ganham logo outra graça e a casa também.

E ainda tenho mais umas duas ou três para levarem igual tratamento. 

Tinha, na parede da casa de banho maior, uma moldura escura em volta de um azulejo pintado à mão. Não gostei de ver. Pintei-a também. Mas deu luta pois tem um friso dourado que tentei preservar; não foi fácil. Tenho que arranjar fita-cola de pintor. Usei fita-cola larga normal e rapidamente percebi que não é a mais aconselhável.

Tenho umas outras que vou ver se arranjo spray dourado ou prateado para as aclarar e iluminar. 

Na sala da lareira também já há um tapete novo, mais claro que o anterior que foi para outro sítio.  A sala está muito mais alegre, iluminada, envolvente. Para a cozinha foi um outro que estava quase escondido. Talvez seja mais pequeno do que devia mas é bonito. Tenho que ver se me habituo à sua dimensão.

Não temos tido um minuto de descanso entre ir comprar o que nos faz falta e limpar, arrumar, colocar. 

Por exemplo, atrás das portas do quarto e das casas de banho, portas que eram de madeira escura, havia uns cabides de madeira, aparafusados às portas pelo lado de dentro. Agora com as portas branquinhas, nem pensar em atarrachar-lhes aqueles cabides. Entã,o fomos este domingo de manhã comprar uns branquinhos, daqueles que se põem a passar pela parte de cima da porta, não sendo preciso parafusos ou pregos. 

Nas mesas de cabeceira tínhamos uns candeeiros de pé dourado e com abat-jour de papel de tipo pergaminho com filet dourado. Dantes eu gostava sobretudo de coisas elegantes. E não pensava se eram ou não frágeis. E geralmente eram. Com o tempo, os frágeis abat-jours queriam separar-se do aro dourado que os sustinha e tínhamos que andar sempre a obrigá-los a um equilibrismo. Então, resolvemos dar-lhes tréguas. Comprámos uns simples e aparentemente indestrutíveis. Já lá estão. As mesas de cabeceira, tal como a cómoda, já não são escuras: são agora de um branco com toque a verde-água. Com o tampo em mármore, tudo fica clarinho a sereno. Os candeeiros ficam lá muito tranquilos, sólidos e, ao mesmo tempo, discretos.

Fomos no sábado e trabalhámos no duro até que, ao fim do dia, interrompemos para irmos visitar a minha mãe e virmos jantar a esta casa (a lindas horas, diga-se...). De manhã, neste domingo, estava eu a dormir o sono dos justos, acorda-me ele: 'estive aqui  pensar que, se calhar, o melhor era voltarmos lá para ver se damos cabo daquilo'. Não costumo ser receptiva a propostas desonestas quando sou acordada no primeiro sono mas, assim como assim, a ideia pareceu-me boa. Arranjei os mantimentos e fomos, parando para irmos às referidas compras. 

De facto, como balanço, posso dizer que ainda não foi desta que demos cabo daquilo. Mas trabalhámos alarvemente. Como de costume, andei descalça e não apenas andei de balde e esfregona como andei a lavar à agulheta uma série de coisas. E a pintar e a arrumar e a sacudir almofadas e tapetes. E sei lá que mais,

Viemos de lá tardíssimo, estafadíssimos. O que nos valeu é que os figos já estão bons senão também teríamos vindo varados de fome. 

Aliás, com este calorão, quer-me cá parecer que estão a ficar maduros à força, quase cozidos, sem terem tempo de crescer. 

Apanhei os que estavam à sombra, mais à fresca, e, logo ali, despachei o assunto. Estes aqui acima, que são os que estão mais perto de casa, são dos pardinhos, encarnado-rubi por dentro, doces que só visto. Depois de ter a barriga cheia, apanhei mais uma mão cheia deles para levar ao ancião que andava a esfalfar-se lá dentro. Isto por umas duas vezes.

Chegámos tarde e más horas e logicamente ainda fomos tomar banho. Portanto, jantámos (restos) bastante tarde. 

Passado um bocado de aqui estar deitado, adormeceu. Eu também estou capaz disso até porque já é tardíssimo mas, antes de me ir deitar, gostava de ainda ver um episódio da série que tenho andado a ver, o Bodyguard. Estou a gostar. O mundo dos Serviços Secretos interessa-me.

E ainda vou seleccionar umas fotografias quer feitas aqui quer in heaven. Já viram que consegui captar o pica-pau que por aqui estou sempre a ouvir?

E, pronto, é isto. 

Esta segunda-feira é dia de trabalho. Com sorte, consigo restabelecer-me da tareia que foi este fim-de-semana. 

[Tareia mas tareia da boa, note-se. É disto que eu gosto: de mudar, de limpar, de arrumar, de varrer, de lavar, de pensar em tornar a casa mais acolhedora, mais bonita]


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Desejo-vos uma semana muito boa.
Saúde. Alegria. Motivação.

1 comentário:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Também anda em arranjos e melhorias, por aqui também, só que em modo "vai-se fazendo", até porque se resume mais a pinturas neste momento.

Calor...Coisa que aqui não chega - 20-22 ºC e vento a 20 e bastantes com rajadas até 50 e tal km/h. Pelo menos trabalha-se com menos estafa.

Boas obras e decorações! Depois mostre os resultados, deve estar a ficar tudo bem bonito.

Um rico serão.