sexta-feira, setembro 13, 2013

Bárbara. Ri-te. Só para mim. (La fin de journée est si belle)


Bem. Depois de ter esclarecido os Leitores que me enviaram amostras da sua escrita para eu fazer a sua análise grafológica e depois de me ter passado, mas passado mesmo, com este Governo macabro que parece que só sabe fazer sacanices, e com o facto de terem que ser as pessoas decentes do PSD (e do CDS) a fazer oposição, enquanto o Tozé anda por aí a fazer nem sei o quê, tenho que tentar distrair-me. Odeio ir para a cama irritada.

Por isso, se querem saber do que acima falei, é a seguir, no fim disto que agora estou a escrever.

Mas, isso é depois. Aqui, agora, a conversa é outra. Mudança de tercio.

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A maioria das pessoas que conheço, quando tem hipótese de escolha, prefere sentir-se em terra firme, instalar-se na chamada zona de conforto.

Exemplifico: se estamos a passear, a maioria prefere deslocar-se por percursos que conhece e que sabe onde começam e acabam; se estamos num restaurante, a maior parte pede pratos que conhece ou que, pelo menos, antecipa o que é; se estamos numa livraria, a maior parte das pessoas que conheço prefere procurar livros de autores que conhece ou livros de que ouviu falar; se falamos de pintura, a grande maioria identifica-se mais com pinturas em que se percebe ou reconhece o tema.

Para o bem e para o mal, sou o contrário. Se estou a passear, o que me atrai é meter-me por sítios que desconheço, num restaurante, quanto mais imperceptível ou bizarra a combinação culinária, mais vontade tenho de experimentar, numa livraria percorro as estantes à procura daquilo de que nunca ouvi falar e, na pintura, já muitas vezes aqui o disse, quanto mais abstracto ou improvável mais me atrai.

E cada vez mais. Nunca fui conservadora, tradicional mas, à medida que avanço no tempo, mais radical estou: estou cada vez mais farta estou do banal, do déjà vu. Claro que é um radical à minha maneira mas, enfim, radical ainda assim.

Pego nos livros e quase tudo me parece historiazinhas de nada, conversa da treta, vacuidades, habilidadezinhas retóricas, transcrições de coloquialidades sem qualquer interesse, dissertações pseudo-filosóficas, mas uma filosofia a la Margarida Rebelo Pinto, coisa quase de cabeleireira ou de gente a armar em intelectual, chachadas, nem sei. Folheio, folheio e cada vez menos coisas me atraem. Até que, de vez em quando, dou com coisa inesperadas, umas quase malucas, ou, então, apontamentos, notas biográficas ou auto-biográficas mas escritas de forma natural, sem ser a armar, ou textos limpos ou observações escorreitas, ou poemas vindos de lado nenhum, ou entrevistas em que o entrevistado se deixa ir na conversa e fala, mas fala com inteligência ou saudável irreverência. Coisas assim. Podem achar-me estranha ou o que quiserem mas estou a ser sincera quando digo que o que agrada à maioria das pessoas a mim me cansa, me é quase insuportável.

Deve ser por isso que não consigo ver as novelazinhas que os canais generalistas dão, parece-me tudo igual, já não consigo ver aqueles papagaios armados em comentadores a dizerem disparates com ar de quem inventou a pólvora, tudo uma treta que enjoa. O meu marido está na mesma, agora, tirando um ou outro programa com gente mais inteligente (e no post a seguir a este referi dois), prefere ficar-se pelos programas de culinária, de viagens ou coisas assim (e isto se não houver futebol, senão é por lá que se deixa ficar). Eu também gosto de ver o Masterchef e os Portugueses no Mundo.

Mas, voltando aos livros: não sei se estão a ver aquilo por que passo quando, num jantar ou almoço, com cerca de vinte pessoas à volta de uma grande mesa, a conversa vai para o que andam a ler e todos leram coisas que os outros também já leram e que recomendam, todos no mesmo comprimento de onda, e que eu não li, não tenho em casa, nem nunca na vida vou ler? É cá uma situação… Não posso dizer que é literatura de cordel, que conhecer a vida do personagem é coisa que não me desperta qualquer interesse, que acho que aquilo é uma pepineira sem ponta por onde se lhe pegue (e sei disso porque, não apenas me basta ver a capa, conhecer o autor, como geralmente para não ficar com algum peso na consciência, dou uma vista de olhos pelos livros quando vou às livrarias) pois seria ofensivo para eles que estão a gabar a coisa. Mas, não podendo dizer isso, também não quero passar por brutamontes ou pela inculta da companhia. É que, por outro lado, se me arrisco a falar de alguma coisa que ande a ler, a regra é que seja coisa da qual nunca nenhum deles ouviu falar, passo por ter gostos marginais, olham para mim como se não soubesse o que é bom e andasse às apalpadelas à toa, sem acertar.

Ingrato isto de se ser assim.

Vem isto a propósito de quê…?

Nem sei. Comecei a escrever com alguma em mente e, com a conversa, a coisa varreu-se-me. Não faz mal. 

Vou mas é exemplificar com algumas coisas ao acaso, de que gosto, pouco conhecidas (acho eu) e ficamos por aqui.

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Fotografia do fotógrafo checo Jan Saudek


E, nessa mesma tarde, descobri o maior encanto de Bárbara: o seu riso.

(...)

Olhou-me e riu-se. Ela bem sabia o que ia dentro de mim. Percebeu que o seu riso era uma fascinação e isso fazia-a rir cada vez mais e cada vez melhor. Era uma flor tonta, de pétalas ruivas, esplendorosa de mocidade, transbordante de seiva, toda coberta de gotinhas de orvalho, a flor envaidecida que sente próxima a respiração de quem a aspira. Como as flores, contorcia o caule e excitava o pobre insecto que eu então era.




Enchi-lhe a taça desastradamente mas por querer. Apetecia-me despejar garrafas sobre a minha pobre cabeça, sentir na cara o fervilhar da espuma e apetecia-me ter uma língua enorme que me lambesse a cara toda.

Bárbara, entre risos, debruçou-se e estendeu os lábios para a taça com o fim de aproveitar a espuma que sorveu num beijo. Depois ficou-se a olhar-me a rir-se, com a taça na boca, meia bebida e sem ânimo para beber o resto. Despegou-a dos lábios, poisou-a sobre a mesa e eu segui-lhe o movimento da mão. Na borda do vidro, vi um semicírculo húmido que marcava o contorno da boca de Bárbara no sítio onde a tivera colocada. Senti as narinas tremerem e as pálpebras negarem-se a estar levantadas. Peguei na taça dela, ergui-a, rodei-a voltando para mim a marca dos lábios de Bárbara e adaptei a minha boca ao sinal que ela deixara.

Bárbara vira e seguira todos os movimentos que fiz. Bebi golo a golo, freneticamente devagar, com os olhos postos nos dela. Bárbara, que sempre se rira, pusera-se mortalmente séria, com os lábios entreabertos, naquela seriedade aflitiva de quem se entrega. Devia ter sentido o mesmo que eu: um tremor febril e um esvaimento total. Possuímo-nos com os olhos.



(...)


Não há palavras que descrevam o riso de Bárbara. Maior tortura do que esta de não a ter junto de mim é a de ser impotente para reconstituir aquele riso perdido. Gasto horas, no silêncio, a chamar por Bárbara. A pedir-lhe que se ria. Vejo-lhe os cabelos a flutuarem como labaredas, vejo-lhe os olhos inocentes, a graça sem artifício, simples e atraente, vejo as quase imperceptíveis sardas que lhe descobri na pele, vejo-lhe os dentes brancos e certos, a linha infantil dos ombros, a gola do vestido verde, tudo, mas não lhe vejo o riso. Bárbara. Ri-te. Só para mim.



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Excerto do maravilhoso 'Bárbara Ruiva' de Rómulo de Carvalho, com ilustrações de Helena Abreu e Prefácio de Manuel Gusmão da Editora Página a Página].


As fotografias que escolhi para polvilhar o texto, igualmente maravilhosas, são do fotógrafo Jan Saudek que nasceu em 1935 em Praga.


Claro está que a adjectivação revela o meu gosto pelas coisas inesperadas e belas]


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E agora música: Alison Goldfrapp com Drew de Tales of us


(Aconselho que não apenas a ouçam mas que vejam o vídeo. 
Maravilhoso também, diria eu se não temesse repetir-me)




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E, de novo mas, agora, sem tradução, a poesia de Michel Houellebecq



                                                       Un matin de grand clair beau temps
                                                       Tous remplis de pensées charnelles
                                                       Et puis le grand reflux du sang,
                                                       La condamnation essentielle;

                                                       La vie qui s'en va en riant
                                                       Remplir des entités nouvelles,
                                                       La vie n'a pas duré longtemps,
                                                       La fin de journée est si belle.




Pavla Poses for The First and Last Time, 1978

Jan Saudek


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Permito-me recordar que, para temas desagradáveis sobre o infame Governo de Passos Coelho que até quase leva à loucura a ex-líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, é descerem um pouco mais. Mas não sei se será boa ideia. Só se depois voltarem outra vez aqui para tirarem o mau sabor da boca.

Para um esclarecimento sobre grafologia, é ainda mais abaixo.

E nada mais por hoje.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma sexta feira em grande estilo. 

Be happy que isso é que importa, o resto é conversa!

3 comentários:

Anónimo disse...

tem tudo a haver com o custo, até a bem pouco tempo nunca repeti um perfume, e se depois via que não era bem aquele, comprava outro (podia), no restaurante a mesma coisa, na livraria (idem),mas aqui pode-se sempre ir a uma biblioteca ou consultar sites - http://www.estantedelivros.com/ ou este http://www.teresacoutinho.com/registostc/, para se ficar com uma ideia das obras(opinião de outros), nos passeios, único requisito depósito cheio.Isto são exemplos com custos económicos, depois há os outros com outros tipos de custos(riscos).mas é consensual que o ser humano gosta da variedade, em tudo (mesmo), e se não varia é porque o custo é superior ao benefício

Anónimo disse...

Começando pelo fim deste Post, que belíssima trecho musical a UJM foi escolher! Uma pequena maravilha, que eu não conhecia e passei a ser, desde já, incondicional fã. Alison Goldfrapp e o seu “Tales of us” é uma beleza! Quanto a Jan Saudek, tenho um excelente livro dele, que me foi oferecido por uma amiga checa, aqui há uns anos trás (ela sabia das minhas preferências) – daí estar escrito em checo, editado pela Panorama, com um longo texto introdutório escrito por Daniela Mrázková. E aí está também uma das fotos que aqui publica, a rapariga a vomitar, creio, na sanita, com a empregada por detrás. Os checos sempre tiveram uma sensibilidade extraordinária para as artes, quer pintura, arquitectura, fotografia, música. É um país de gente bonita, com uma capital de sonho, das mais bonitas da Europa, romântica, discretamente elegante, com um património de encantar (passear na Ponte Carlos ao fim da de uma tarde de Outono, ou à noite, com alguém que amamos, é um momento que recordaremos sempre), onde se pode ouvir bom jazz, assistir a bons concertos e comer bem e divertidamente, acompanhado de bom vinho e, naturalamente, da sua famosa cerveja Pílsen. Neste livro que possuo em casa (hoje vim mais cedo e daqui a nada talvez vá até á praia com o filho e neto, até ao Guincho, que está sereno), curiosamente, a maioria dos modelos femininos que ele fotografou possuem se não exuberantes, quase isso, pêlos púbicos. E vários daqueles modelos são de mulheres gordas. Muito curioso. Mas são as expressões, as posições, os pormenores, os olhares, as situações, que nos chamam à atenção neste excelente livro. Será que temos o mesmo? Subindo no seu post, também sou um pouco assim, quer no respeitante à gastronomia, quer numa livraria, etc. Na leitura leio muita coisa que por norma as pessoas não procuram. Por mim sempre associei a leitura ao prazer de ler e a vontade em me informar. Sou capaz de devorar um livro, por exemplo, sobre o Impressionismo, ou sobre a história da música clássica, de 900 páginas, e incapaz de ler o J.Rodrigo dos Santos, o Lobo Antunes, etc. Leio hoje cada vez menos romances e cada vez mais ensaios de muita coisa, arte, economia, história, pintura, música, e leio tudo isso com gosto e paixão. Ainda outro dia, ao ler um desses livros achei interessantíssimo a explicação sobre um dos quadros de Renoir, onde se explica quem foram as personagens que nessa sua obra ali se encontram, uma delas, uma bela jovem, que veio a ser a mãe de seu filho, o realizador cinematográfico Jean Renoir, ali sorridente e nua. Quanto aos gosto artisticos na pintura, não direi que divergimos, pois também gosto muito de pintura abstracta (embora tenha reservas quanto a certos autores), mas determinados períodos ou estilos, como o Impressionismo, o pré-rafaelismo, ou mesmo o Barroco, o Romantismo e Realismo, são estilos que muito admiro igualmente. E gosto de andar a pé numa cidade que visite. Sem programa pré-estabelecido. Andar à descoberta da ruas e ruelas, apreciar a sua arquitectura, conhecer os seus restaurantes típicos, etc.
Bom fim de semana!
P.Rufino





Bartolomeu disse...

http://www.youtube.com/watch?v=YjFSOrjNv20
Barbara... onde estou, onde estás... meu amor, vem me buscar...
;)