domingo, outubro 17, 2021

Isto é uma mama

 



Quando estive grávida as roupas eram largas, as então chamadas 'roupas à mamã'. Por minha conta e risco ousei uma coisa na época infrequente: uma adaptação das calças normais, abrindo-as do lado e unindo as partes com um elástico largo que ia sendo ajustado. E depois usava uma espécie de camisas quase normais mas em largo, umas camisas com motivos florais. Mas, na maioria, os vestidos eram daqueles que desciam largos a partir do peito. Para a praia também havia os fatos de banho à mamã. Desses nunca tive nenhum. Pedi à minha mãe que prendesse uma espécie de cortina na parte da frente do soutien do biquini, em tecido parecido com o do biquini. Na altura, era impensável usar o biquini normal com o barrrigão à vista. 

À luz do olhar de hoje tudo isto é absurdo. Que pudor haveria em mostrar um ventre dilatado, com uma criança dentro?

Hoje exibem-se orgulhosas barrigas e ainda bem que assim é.

Tenho ideia que foi com a fotografia da Vanity Fair de uma Demi Moore gravidíssima que Annie Leibovitz ajudou a acabar de vez com o estúpido tabu.

Agora é com naturalidade e, diria eu, ternura que se olha o belo corpo de uma mulher grávida. Vejam-se estas duas que encontrei aqui: Féminin pluriel : la mode célèbre toutes les silhouettes:




Acho uma maravilha. Só tenho pena de não ter fotografias minhas assim. As fotografias que tenho quando estava grávida são sempre completamente vestida. O que a vida era antes, na maior parte dos aspectos, era um atraso de vida. Não se celebrava a vida. Pelo menos, não em festa, não com orgulho.

Com a amamentação era outra tourada. 

Amamentei a minha filha até quase aos treze meses. Andava, falava, levantava-se sozinha de um lado do colo quando esvaziava um peito e mudava de mama por sua alta recreação dizendo: 'a outa'. O meu filho acabou mais cedo. Apenas mamou até mais ou menos aos quatro meses e depois, por insistência minha, talvez até aos seis ou sete, nem sei bem. Era um desatino, era muito sôfrego, engasgava-se, depois incomodava-se, não queria. Cedo começou a querer comida normal, odiando leite, papas e tudo o que fosse apropriado para bebé. Para conseguir que bebesse leite tinha que o apanhar bem ferrado para lhe dar um biberon sem ele dar por isso. Senão, mal lhe enfiava a tetina na boca, desatava aos vómitos.

Na altura, eu usava soutiens de amamentação, uns soutiens em que a parte da frente se prendia por um colchete, descendo quando era a hora. Usava camisas que pudesse desabotoar, depois abria a parte da frente de cada lado do soutien e, com a criança a mamar, punha uma fralda (que, na altura, eram de pano branco) que descia do ombro e cobria a criança. Desta forma encobria a mama. Até aqui tudo bem. O pior era quando o meu filho se engasgava e era preciso pô-la rapidamente ao alto, soprando-lhe e tentando que se desengasgasse. A manobra tinha que ser tão rápida que não dava tempo a encobrir a mama. Pior ainda: eu sempre tive mais leite que uma vaca leiteira. Como ele mamava com sofreguidão, ainda mais estimulava a produção do leite. Então, quando interrompia por estar engasgado, a mama continuava a esguichar. Mas esguichava com força, muitas vezes molhando-o todo, deitando-lhe leite para os olhos o que o fazia chorar com toda a força. 

Agora imagine-se quando isto se passava fora de casa. Tinha que procurar um lugar escuso, tinha que me isolar. Não podia correr o risco de ficar de mama de fora e, ainda por cima, a jorrar leite como um fontanário.

Hoje, felizmente, tudo isto é uma coisa mais natural. Uma mãe que amamenta não tem que se esconder ou ficar num stress com medo de expor o seio nu.

Para além da questão da amamentação, já fiz muito topless embora, confesso, sempre me sentisse mais à vontade em praias pouco frequentadas. Acho que há qualquer coisa de íntimo na exposição dos seios pelo que nunca achei muita graça à banalização de andar de mamas ao léu no meio de multidões. Mas a verdade é que não era pelo topless que procurava praias pouco populadas, era mesmo porque, para mim, estar na praia tem que ser um contacto muito livre com a natureza e isso não é compaginável com estar numa toalha e com pessoas desconhecidas a cercarem-me, toalha com toalha, a ouvir-lhes as conversas, a respirar o seu cheiro. Isso para mim é a antíteses do que é bom na praia.

Vem isto a propósito do que li no Madame le Figaro. Parece que uma fotografia de uma marca francesa de artigos para mães e filhos foi censurada pelo Instagram por, justamente, aparecer uma mama com uma gota de leite (a primeira fotografia deste post).

Des tétons et des femmes allaitantes affichés dans Paris pour contrer une censure d'Instagram

Tajinebanane - Manifesto

Num movimento de protesto, em várias ruas de Paris apareceram cartazes com essa fotografia juntamente com mães a amamentar.

E eu que sou a favor da amamentação, a favor do corpo da mulher, a favor do direito a fazer com ele o que se quiser, que abomino os enredos que envolvem os conceitos de pecado e de culpa associados ao corpo da mulher, daqui deste meu insignificante poiso, junto a minha voz a todas as mulheres que, em qualquer parte do mundo, lutam pela dignidade do seu corpo e pela liberdade de o afirmarem.

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[E estou a ilustrar com fotografias com mulheres grávidas ou a amamentar mas o direito ao respeito pelo corpo e o direito a fazer com ele o que se queira (desde que não se esteja a fazer mal a outrem) podem apresentar-se de muitas outras formas. E não há que querer escondê-lo como se fosse um gerador de pecado. Pelo contrário, o nosso corpo é das poucas coisas nesta vida que temos como verdadeiramente nossa. Não teremos nunca razão para escondê-lo ou sentir vergonha dele. Seja uma mama a pingar leite, seja um ventre rasgado por cicatrizes, um seio amputado, seja o que for]

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O José Afonso está aqui a cantar o 'Menino d'Oiro' pois foi certamente a canção de ninar que mais entoei para os meus filhos. 

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Desejo-vos um belo dia de domingo

4 comentários:

Anónimo disse...

Escreve-se "alta recreação" e não "alta recriação". De nada.

atalhos disse...

Já viu Les Valseuses, ou o Irreversível, UJM? Um par de mamas pode ser belíssimo, mas, infelizmente, o mundo não é. Costumo apanhar sol praticamente nua na minha açoteia, enquanto leio, porque sei que ninguém me vê. No entanto não acharia graça nenhuma que me fotografassem ou filmassem sem eu perceber, e que andassem por aí a divulgar o meu corpo. Mas cada um/uma é que sabe o que quer fazer com a sua nudez. Vivemos numa sociedade cada vez mais perigosa e a exposição é sempre um perigo.
Um belíssimo dia para si.

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/A,

Alterei logo que vi o seu alerta. Tem toda a razão, claro.

Agradeço sinceramente e só espero que todos quantos detectem gralhas sejam sempre igualmente generosos e me alertem pois custa-me pensar que por distração, troca de mãos ou ignorância dou pontapés na língua portuguesa que possam induzir alguém em erro.

Muito obrigada.

Uma boa semana!

Um Jeito Manso disse...

Olá Teresa,

Não vi, não. Já estive a dar uma espreitadela no youtube. Gosto do título de Les valseuses. Promete. Ainda por cima com o Depardieu.

Eu também, quando não sou vista, gosto de apanhar sol à vontade. Quando estou no campo, no verão, se não estamos com ninguém lá, ando frequentemente nua. Uma boa selvagem.

E igualmente não suportaria a ideia de que, sem minha autorização, alguém me 'capturasse'. A tecnologia torna tudo fácil demais, até à invasão do nosso espaço e o respeito pela nossa privacidade. O mundo novo afigura-se-me muito pouco admirável.

Outra coisa: no post que acabei de escrever, mostrei como as minhas romãs estão a estalar de doçura. Mas não ficam encarnadas por fora, tem graça. Cai o sumo no chão. Doces, doces. A casca nem aguenta a pressão da doçura do sumo.

Uma boa semana para si. Dias felizes, Teresa.