quarta-feira, dezembro 17, 2014

Os Espíritos continuam a assombrar a Assembleia e eu, farta de os ouvir dizer que não sabiam de nada e treuze, piquenos e outras pérolas, mudo de assunto e, de lingerie, ousadamente, sem medo de provocar os deuses, entro numa casa com umas regras muito próprias pela mão do Agent Provocateur.




Não estou muito afim de comentar os senhores que, como estou farta de saber, falam todos com o mesmo tom de voz, pronunciam as palavras da mesma maneira, dizem treuze, têm uma certa dificuldade em acertar na gramática e todos, por igual, dizem desconhecer o que se passava dentro do barco.

E não estou afim porque sei que é tudo demasiado assim e isso dá-me pena porque a verdade é que navios desta envergadura com uma enorme tripulação e inúmeros passageiros a bordo são conduzidos por quem pouco sabe da coisa e que confiam todos uns nos outros, fiando-se que alguém há-de saber ou estar atento caso dê para a borrasca.

Até ao dia em que, atónitos, percebem que a coisa já descarrilou demais.

E, ainda assim, confiam que alguém há-de ter a solução para o sucedido - o contabilista, o advogado, o professor, alguém que o primo arranje. E, sobretudo, acham, na inocência dos simples, que o que há que fazer é tentar esconder o que se passa porque o que se passa em casa, em casa deve ficar, e os dramas domésticos não são para vir para os jornais até para não haver pânico, e para que o prestígio e o nome da família não se enlameie, e há que esperar que a coisa se componha porque ninguém há-de ser tão inconsciente que vá fazer com que todos os accionistas mesmo os piquenos percam tudo ou que milhares de empregos se percam, trabalhadores tão bons, tão fiéis, quase tão bons como a criadagem. 

Mas o drama é que o País está mesmo entregue a gente inconsciente e leviana (e aqui refiro-me às mais altas instituições do Estado), e, se calhar, nem é bem leviana, é mais levezinha, porque leviano é coisa de outro calibre e este é mais na base da inconsciência, é gente que confunde o género humano com o Manuel Germano, que aceita embarcar em aventuras, que confunde ideologia de cão de caça com conceitos de gestão e, na maior irresponsabilidade, aceita ser cobaia e, na volta, ainda agradece ter sido escolhida para cobaia mesmo que a experimentação provoque queda de membros ou colapso de órgãos vitais.

E, então, perante o pasmo geral, de um dia para o outro, tudo se perde, tudo se desmorona. Ninguém percebe porquê mas as televisões logo se enxameiam de gente que afirma cetegoricamente que isto não tem nada a ver com o BPN, que isto não é caso de polícia. Os comentadores e os jornalistas-levezinhos são outra das pragas que atordoam os portugueses.

E agora todos eles, dos vários ramos da família, os primos Espíritos, aparecem, desconcertados, a confessar que receberam milhões mas não sabem bem porquê nem de quem e a reconhecer que assinavam de cruz porque confiavam no primo, e são todos primos dos primos e, de facto, ninguém sabia de nada porque se habituaram a que o primo é que sabia e que não era preciso saber mais que isso, a vida já é trabalhosa demais mesmo sem ter que se saber, muito menos trabalhar: há a vida de sociedade, as viagens, os almoços, tudo isso que dá trabalho e se resolve com dinheiro que aparece na conta sem ser preciso perder tempo com minudências como números, mapas, balancetes, maçadas que se deixam para os empregados, coitados, tudo gente tão boa.


E assim caíu o BES, caem as empresas do Grupo GES, cai a PT, tudo grandes empresas, exemplos de boa governance, tudo empresas com manuais de ética, de sustentabilidades, certificadas sob todas as normas, empresas que pagavam chorudos bónus e elevados prémios de gestão, viagens a jornalistas, bilhetes de futebol lá fora a outras prebendas a clientes - e que, afinal, caem redondas que nem tordos.


Por isso, interrogo-me: comentar o quê? É assim a vida em algumas das grandes empresas em Portugal.

Sempre aqui tenho repetido, quase carpido: o problema deste pobre país nunca foi a legislação laboral que sempre deu para tudo e para o contrário, muito menos os feriados ou a modorrice dos pobres trabalhadores, ou os seus ordenados, sempre tão baixos.

O problema deste País sempre residiu nas suas fracas elites, empresários que tantas vezes não têm formação nem estão habituados a trabalhar, apenas têm pedigree (quando a gente sabe que, para sobreviver com mais saúde, se saem melhor os rafeiros) e cagança, gente que disfarça a sua ignorância contratando assessorias e consultorias (que, na prática, valem menos que zero e apenas servem para se exibir as modas que se seguem). São as fracas elites no empresariado, na gestão, na política, no jornalismo, é a falta de liderança que tudo entorpece, é a cobardia e é também a mesquinhez generalizada. É isso que impede que Portugal cresça.

Um fraco rei faz fraca a forte gente.
(...) esteve perto
De destruir-se o Reino totalmente,
Que um fraco rei faz fraca a forte gente.

Estou a escrever isto e a pensar no que ouvi quando vinha no carro: o Alberto da Ponte no Parlamento. Para começar não percebo o que é que agora anda tudo a explicar-se no Parlamento. Coisas de gestão ou coisas disciplinares em vez de se resolverem no sítio certo, lá vai tudo lavar roupa suja para a Assembleia. 

Depois, o desnorte deste governo de anedotas é tal que demitem uma administração e a administração diz que devem estar mas é a brincar, que se vão catar, que não se demite nem se deixa demitir e ai de quem ousar chateá-los. E eu, já aqui o disse muitas vezes, não sou fã do Alberto da Ponte mas, face a este desvario do Poiares Maduro e à baderna armada pelo Conselho Independente - onde pontua o António Feijó que pode ser inteligente e perceber de literatura mas, ó caraças, ouve-se o senhor a falar e só apetece dizer que esteja calado, é um lírico que olha para a gestão de uma empresa como um boi olha para um palácio - e tenho que achar que ele, Alberto, está a fazer o que é lógico: a defender o seu brio profissional. Já alguma vez o Feijó do AO tinha visto antes um plano estratégico de uma empresa para dizer que está mal feito? Pensaria ele que ia encontrar uma tese de doutoramento com laivos de semiótica e tempero de epistemologia?

Uma paródia, este episódio da RTP. 

A falta de produtividade do País resulta destes encostos, destes malas, destes atrasos de vida, destas nulidades que pululam na gestão de topo, nos ministérios, nas comissões, nos conselhos, nessas tretas, tretas por todo o lado - e não da ronceirice de um ou dois trabalhadores, coitados.

Não tenho, por isso, paciência para gastar com estes fracos reis que fazem fracas as fortes gentes e que quase fazem deitar a perder este país tão pobre e desmoralizado, que aceita ser governado por gente mentirosa, desqualificada, impreparada.


Por isso, meus Caros, permitam que mude de rota.




Mercúrio acompanha a
entrada do ano
indiferente
diurno e
masculino

por isso não se perca tempo com quem
não merece

e tempo será de
um inverno áspero    e os que
nascem neste ano terão
mãos esbeltas e
dedos compridos

procurem com eles dominar
a pedra ou
o metal

sejam
ousados


Sejamos, pois, ousados. Vamos entrar em casas de alto risco. E vamos entrar acompanhados por agentes provocadores. Mas, primeiro, deixem que vos diga quais as regras do Salon.

Nº 1 - Não há reservas 
Nº 2 - As inibições são desencorajadas 
Nº 3 - Deve estar preparado/a para alargar horizontes 
Nº 4 - Os limites são estabelecidos por cada um
Nº 5 - A curiosidade é encorajada 
Nº 6 - Seja você mesmo/a: a discrição é garantida 
Nº 7 - Vista-de de acordo com a ocasião 
Nº 8 - Os espíritos livres são bem vindos
Nº 9 - As Regras da Casa são para ser quebradas
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Raparigas quase nuas divertem-se numa mansão
(sessão fotográfica para o Agent Provocateur)



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não provoques os deuses    ouvi
alguém dizer    e por isso
não houve perguntas para
o teu regresso

que também não durou mais
que um solstício de verão
a cair no rio

um sinal na rua
a passar do vermelho
ao verde
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Se o sinal passou a verde, avancemos então.


Agent Provocateur Outono/Inverno 2014 - Le Salon ‘House Rules' 

(com as modelos Ashley Smith & Dioni Tabbers).



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Os poemas são de Alice Vieira in Os Armários da Noite. O primeiro poema chama-se Borda D'Água. O segundo não tem nome.

NB: O pequeno excerto de um poema em que se refere que fraco rei faz fraca a forte gente é de Camões.

Os vídeos referem-se à marca de lingerie Agent Provocateur. As fotografias que usei para ilustrar o post mostram Naomi Campbell, a gazela negra que mede 1,77 m e tem 44 anos, e que é agora a imagem da marca.


A fotografia das rosas metidas dentro de gelo é de Kenji Shibata.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta-feira. 
A vida recomeça todos os dias.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma análise muito objectiva sobre as razões do nosso atraso económico, entre outros assuntos que aqui abordou, assente como diz na pouca preparação de muito do nosso tecido empresarial, de muitos dos nossos gestores e, naturalmente, da mediocridade dos políticos que nos governam. Muito bem explicado, de forma simples, mas clara.
Este nosso atavismo, no plano empresarial, de gestão e político, já vem de muito detrás, pelo que já poderíamos ter aprendido alguma coisa com a situação e procurado melhora-la.
Não é pois com baixos salários, cortes de feriados e dias de férias, ou revisões constitucionais que se resolve este tipo de problema, que é estructural da nossa economia.
Gostei bastante de ler o que escreveu. Creio aliás que já numa outra ocasião, tinha feito uma observação dentro desta linha e que retive, ao ponto de a repassar por mail.
Se a isto se juntar a falta de apoios públicos, ou seja, do Estado, à Investigação Científica e Educação, em vez de procurando estimular essa vertente, temos a receita para a estagnação em que nos encontramos.
Vejo, nos jornais, que o cabotino do Moedas agora, na UE, se interessa pela Ciência e a Investigação e pasmo, pois o pateta, enquanto por cá andou, contribuiu para os cortes que o governo a que pertenceu até há pouco aplicou à tal Investigação Científica, ás Universidades e à Educação.
Vá lá que nem tudo é mau. Hoje, enquanto conduzia, ouvi na rádio que, apesar de se ter registado alguma fuga de “cérebros” do nosso país para outros, também se tem verificado o oposto, ou seja, a vinda de outros, estrangeiros, para cá, embora em menor número.
Isto que aqui escreveu deveria, por obrigação política, ser do conhecimento dos tolos e irresponsáveis que nos desgovernam, que se limitam, quais galinhas, a cacarejar umas parvoeiras, como o Passos, Portas (desde que subiu a Vice julga-se a Dona Importância), o da Economia, a das Finanças, etc. Infelizmente, não é. Vivem num casulo e dali não saem. Com o prejuízo que tal atitude implica para o país.
P.Rufino