Dia de reunião de Direcção. Manel à presidência, o Dr. Lampião de um lado, Leonor do outro e todos os restantes à volta da grande mesa oval.
Os dados da empresa são apresentados, as vendas, os custos, as margens, a evolução dos projectos, elementos relativos a recursos humanos, a assuntos jurídicos e fiscais. Cada um se vai pronunciado sobre a sua área, a reunião vai avançando.
Quando chega a vez de Duarte, que está anormalmente mal humorado, as coisas começam a complicar-se. Engana-se, faz afirmações que não consegue sustentar, desculpa-se sem fundamentação, não consegue explicar porque continua aquém dos objectivos e tudo debaixo de um nervosismo que chega a incomodar. Quando o presidente o confronta e lhe pede que tente conduzir os assuntos de outra forma, com uma inesperada agressividade responde que só se receber ordens por escrito. Os outros entreolham-se, o clima não costuma ser este, as coisas andam complicadas, toda a gente o compreende, mas Duarte parece não se esforçar, ou não se empenhar suficientemente. Parece que há ali qualquer coisa que não anda a bater muito certo.
Quando chega a vez de Duarte, que está anormalmente mal humorado, as coisas começam a complicar-se. Engana-se, faz afirmações que não consegue sustentar, desculpa-se sem fundamentação, não consegue explicar porque continua aquém dos objectivos e tudo debaixo de um nervosismo que chega a incomodar. Quando o presidente o confronta e lhe pede que tente conduzir os assuntos de outra forma, com uma inesperada agressividade responde que só se receber ordens por escrito. Os outros entreolham-se, o clima não costuma ser este, as coisas andam complicadas, toda a gente o compreende, mas Duarte parece não se esforçar, ou não se empenhar suficientemente. Parece que há ali qualquer coisa que não anda a bater muito certo.
Quando diz aquilo de querer ordens por escrito, faz ao mesmo tempo um gesto brusco, como que com vontade de se levantar. Nessa altura, toda a gente em silêncio, Manel diz secamente, Duarte, se não estás bem mais vale que saias da sala.
Duarte levanta-se precipitadamente quase fazendo cair a cadeira e sai, batendo com a porta.
Leonor troca olhares de espanto com Afonso e com o Dr. Lampião. Qualquer coisa se está a passar.
A reunião prossegue sem que ninguém comente o que se passou. Dir-se-ia que nada de incomum aconteceu, todos aparentam a serenidade usual.
Quando a reunião está prestes a terminar, abre-se a porta e eis que Duarte está de volta, sorridente, bem disposto, aquela alegria esfuziante tão sua característica, ainda com o sobretudo, cachecol e óculos de sol, despenteado, percebe-se que deve ter ido dar uma volta. Manel pergunta-lhe, Então, já esfriaste as ideias?
Duarte riu, bem disposto como se estivesse a entrar de novo e viesse para a paródia, Peace and love. Dei vinte voltas ao quarteirão e, com o griso que está lá fora, esfriei logo a cabeça. Estava na esperança que já tivessem acabado para desandarmos daqui e nos irmos atirar ao bacalhau da ordem.
Manel manteve-se sereno, Estamos quase.
Manel manteve-se sereno, Estamos quase.
Até a reunião acabar, Duarte mexeu-se na cadeira, puxou as meias bem até aos joelhos, fez desenhos, meteu-se com os colegas do lado, bebeu água como se não houvesse amanhã, piscou vezes sem conta o olho a Leonor.
Afonso disse, Este gajo tem bicho carpinteiro. Manel riu-se na direcção de Duarte, Eras hiperactivo em criança se bem me lembro, certo?
- Hiperactivo e precoce. Lembras-te da prima Zezinha?
Manel sorriu, Está calado e presta atenção senão terei que te convidar outra vez a ires dar outra curva.
Quando a reunião acabou e iam a pé para o restaurante, Leonor ia conversando com o seu amigo Dr. Lampião, como ela lhe chamava. Viu bem aquele despropósito, Leonor?
Estranho, não foi? As coisas não andam bem com ele. Será que está com algum problema? Primeiro num nervosismo que até contagiava, a seguir entra numa euforia disparatada. E os resultados na área dele andam péssimos e, sinceramente, ainda não consegui perceber bem porquê.
- O Manel tem uma paciência ilimitada com ele.
São primos, é natural que tente não arranjar problemas. É o mal de ter família próxima nas equipas. Ainda por cima o Duarte parece que anda nem sei bem como dizer, desorbitado ou lá o que é.
Estavam eles nisto, aparece o Duarte por trás, põe-se entre os dois, um braço por cima dos ombros de cada um, todo brincalhão, Então os pombinhos…? E dirigindo-se ao colega mais velho, Um dia ainda vou dizer à Maria Alice deste seu affair aqui com a nossa brasa.
Leonor, nem reagiu habituada que está a brincadeiras deste tipo, mas perguntou, Mas então, Duarte, que diabo foi aquele desacerto ao princípio? Passou-se ou quê? E era lá caso para isso? Não percebi.
Duarte riu-se, TPM, Leonor, TPM. Não dizem que toda a gente tem os dois sexos? Pois bem, eu tenho o meu lado de gaja muito activo nestes dias, fico com uma neura que não lhe digo nada.
Duarte riu-se, Com certeza. Vou estar à sua espera. Para não darmos nas vistas, desta vez pode ser naquele hotel da Praça de Espanha?
Leonor sorriu e respondeu, Não me confunda com a sua namorada. ... Praça de Espanha, então? É lá que se encontram? … Mas agora a sério, depois de almoço vou lá ter ao seu gabinete.
Simulando desilusão, ele respondeu, Pronto, se não quer ir ter ao hotel, recebo-a nos meus aposentos. Mas vou ter a lareira acesa para estarmos mais confortáveis, pode ser? E lá foi, rindo, fazendo-lhe adeus, e a meter-se com toda a gente.
Leonor fez-lhe também adeus na brincadeira. E tranquilizou-se. Bem disposto como Duarte estava, a coisa iria, certamente, ficar resolvida.
O almoço foi a boa disposição de sempre. Ninguém abordou, nem sequer ao de leve, o destempero matinal de Duarte.
Entre Leonor e Afonso não transpareceu mais intimidade do que entre quaisquer outros. Manel também não demonstrou qualquer acinte em relação a Duarte e este também não mostrou nem sombra de constrangimento pelo sucedido. O normal, portanto: gente civilizada é assim.
Depois de almoço, tal como combinado, Leonor dirigiu-se ao gabinete de Duarte. Estava ao telefone, todo divertido, contando piadas, rindo. Fez sinal a Leonor para se sentar na mesa de reuniões.
Quando acabou o telefonema, Leonor perguntou, Então, Duarte, é hoje?
Ele sentou-se à sua frente, sério, ar de quem se ia confessar.
Não vai acreditar, Leonor, mas não tive tempo. Não queira saber, aqui, como sabe, é um stress, só chatices, só reuniões, almoços, jantares, um pincel, e em casa, ou é a minha sogra com achaques, ou é a minha mulher que já nem dorme à espera dos telefonemas da mãe, ou são os miúdos, um que chega às tantas da manhã e se balda às aulas, outro que tem treino nem sei onde, ela que muda de namorado como de toilette, ou se põem a discutir uns com os outros e todos com a mãe, uma tourada. Tive lá eu tempo de tratar daquilo… Ora! E não tem mais nada com que se preocupar? Mas também qual é a pressa, Leonor? Já agora gostava de perceber.
Não vai acreditar, Leonor, mas não tive tempo. Não queira saber, aqui, como sabe, é um stress, só chatices, só reuniões, almoços, jantares, um pincel, e em casa, ou é a minha sogra com achaques, ou é a minha mulher que já nem dorme à espera dos telefonemas da mãe, ou são os miúdos, um que chega às tantas da manhã e se balda às aulas, outro que tem treino nem sei onde, ela que muda de namorado como de toilette, ou se põem a discutir uns com os outros e todos com a mãe, uma tourada. Tive lá eu tempo de tratar daquilo… Ora! E não tem mais nada com que se preocupar? Mas também qual é a pressa, Leonor? Já agora gostava de perceber.
Leonor levantou-se, Qual é a pressa? Eu não quero acreditar, Duarte! Está a gozar comigo? Sabe o que é que começo a achar? Que a coisa é séria. E, se é séria, não vai ser ao meu nível que se vai resolver.
Duarte pegou nos papéis que estavam à sua frente e afastou-os com violência. A ameaçar-me? Tem graça isto: a Leonor a ameaçar-me! Ao que chegámos…!
Leonor manteve-se imperturbável. Isto está a arrastar-se para além do razoável. Tenho vindo a dar o tempo que tem pedido mas acho que já passou tudo o que é normal. Não dá, Duarte. O que se passa?
- Não passa nada, caraças!
Caraças?!
- Sim, Leonor, caraças. Vá para o caraças!, e já aos gritos.Mas você está doido… Está com algum problema, Duarte?
- Não me chateie. Não tenho problema nenhum. Ou melhor: tenho um problema sim. Chama-se Leonor. Olhe, ponha-se mas é fora do meu gabinete.
Leonor saíu, tentando conter o nervosismo. Alguma coisa se estava a passar com Duarte, agora já não tinha dúvidas. Que situação. E agora?
Quando foi ter com o seu amigo para trocar impressões, já ele tinha saído. A Secretária disse, Já lá foi de férias, todo contente por ir rever o neto. Leonor sorriu mas pensou na falta que ele lhe ia fazer com os seus preciosos conselhos - conselhos sempre short and sharp mas infalíveis.
Leonor estava francamente preocupada, sem saber o que fazer. Sem querer contar a ninguém, não parava de pensar, um pouco atordoada, Que situação... Caraças!
Quando foi ter com o seu amigo para trocar impressões, já ele tinha saído. A Secretária disse, Já lá foi de férias, todo contente por ir rever o neto. Leonor sorriu mas pensou na falta que ele lhe ia fazer com os seus preciosos conselhos - conselhos sempre short and sharp mas infalíveis.
Leonor estava francamente preocupada, sem saber o que fazer. Sem querer contar a ninguém, não parava de pensar, um pouco atordoada, Que situação... Caraças!
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- Este episódio vem na sequência de um outro, um bocado lá mais abaixo, intitulado 'Leonor, a mulher' que, por sua vez, já era sequência de outros.
(De vez em quando dá-me para escrever em directo, sem rede, estes folhetins blogosféricos. Cada maluco com a sua maluquice.)
- A música lá em cima é Katie Cruel interpretada por Agnes Obel
- Permito-me informar que, já aqui abaixo, poderão ler, ouvir e ver um interessante testemunho sobre a perigosidade da austeridade. É Mark Blyth e podem crer que ele sabe do que fala.
- E, como se não bastasse, muito gostaria ainda de vos convidar a irem de passeio até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Hoje, para além da boa música e vozes africanas, tenho as palavras voadoras sem tecto, sem chão, sem dono, de E. M. de Melo e Castro e o que eu gostei de andar de balouço com ele nem vos conto.
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E, por hoje, por aqui me fico.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma semana muito boa a começar já por esta segunda feira.
Apesar de fria e de ser segunda feira, um dia sempre ingrato, pode ser boa - porque não?
4 comentários:
Isto de existirem seis milhões de Lampiões (uns mais doutores que outros) permite um largo campo de recrutamento para fazer um casting.
Mas, nesta trama e em jeito de "short and sharp",arrisco dizer: Um “Dr. Lagarto”(salvo seja)fica muito melhor...
Agnes Obel é um espanto. Foi bom que tivesse gostado dela.
Abraço
Olá jrd,
A esta hora já não tenho aqui acordado ao pé de mim o meu consultor para matérias futebolísticas. Lagarto presumo que seja coisa de sportinguista e, se for, confirmo que, nestes nos meios em que decorre a história, predomina o Sporting.
Mas acontece mesmo que, de facto, na minha vida real, o meu melhor amigo (agora já reformado) é um indecente lampião. Estou a falar a sério.
Quanto à Agnes Obel há muito tempo que não tinha uma revelação assim. estou encantada!
PS: Agora estou a acabar o episódio de hoje mas estou com dificuldades nas fotos. Ou então já é do sono...
Há algo de Bergmaniano e de emoção tranquila em Agnes Obel e não sou só eu que o digo.
Aproveito para felicitar o seu melhor Amigo pela preferência...
Sabe?! Nem todos os bons são Lampiões, mas todos os Lampiões são bons (passe o exagero vulgar)...
Um abraço
E esta, hein?! O que se passará com o Duarte? Bem me parecia que aquele ar folgazão, sempre a dizer piadas e graçolas, era um disfarce...
Enfim, avancemos na trama...
Bj
Olinda
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