Sobre o que Mário Soares para aí anda a dizer e sobre o que os marcelos, as virgens ofendidas e outros sacristãos desta vida andam a dizer do que Mário Soares anda a dizer. E sobre Adriano Moreira que diz que a fome não é um dever constitucional.

O País decente anda revoltado com o que este desGoverno de gente ignorante e desmandada anda a fazer, vendendo as maiores empresas a empresas estatais de outros países (ainda por cima, países cuja democracia não é um modelo a seguir), destruindo os direitos das pessoas, arrasando a qualidade de vida de quase toda a gente, esmagando a economia e anulando a possibilidade de vir a reerguer-se tão cedo. Mesmo que esta gente desqualificada se vá embora amanhã, a destruição que já levaram a cabo deixará o País bem mais pobre e desgraçado do que era antes de terem chegado (e com uma dívida muito maior!).

Pois bem, há por aí muita gente que acha que, perante esta verdadeira chacina, há que piar baixinho, manter a delicadeza, baixar as calcinhas se for caso disso, pôr-se a jeito de cada vez que tal seja por eles pedido. Ou seja, há por aí muita gente que acha que, por delicadeza, nos deveremos deixar morrer.

Ora bem. Eu, pelo contrário, acho que praticam um acto de cobardia os que, perante o que se está a passar, pactuam com isso, mantendo-se em silêncio, ou exprimindo-se com meias verdades, com inócuas e titubeantes afirmações, muito menos para andar a censurar os que protestam. Acho uma cobardia. Não é momento para chá das cinco, punhos de renda, nove horas, fricotes, salamaleques. Em tempo de guerra não se limpam armas. 

Passos Coelho, Paulo Portas e mais uns quantos, por ignorância, incompetência ou má fé, acham que os fins justificam os meios e os fins, para eles, resumem-se a pagar aos credores estrangeiros - mesmo que, para isso, alienem soberania, expulsem os jovens, amedrontem os velhos, neguem cuidados de saúde aos doentes, degradem a qualidade de ensino. Passos Coelho, Paulo Portas e outros, para estarem de bem com os burocratas que querem pôr a sua tosca pata em cima de nós, não hesitaram em declarar guerra aos portugueses.

E, em vez de todo um País se levantar contra isto, ainda aparecem as beatas do costume, a baterem com a mão no peito, moralistas, armadas em superiores, a criticarem quem destemidamente se expõe e diz o que lhe vai na alma. 

Acho muito bem e acho até um sinal de rara vitalidade que homens de provecta idade como Mário Soares ou Adriano Moreira se cheguem à frente e protestem da melhor forma de que são capazes. Uns com metáforas poéticas, outros com acutilância destemperada. Cada um tem o seu estilo. São corajosos cada um à sua maneira. São patriotas.

Perante gritos de revolta como os de Mário Soares ou Adriano Moreira, em vez de virem falar de senilidade ou falta de modos, as pessoas deveriam agradecer-lhes o exemplo, deveriam pôr os olhos na sua devoção ao País ao denunciarem a gravidade do que se está a passar.

Marcelo Rebelo de Sousa, de quem pouco se conhece como legado de facto ao País, arrogou-se no outro dia, na televisão com a Judite de Sousa, o direito de desdenhar das palavras de Mário Soares e - com ar superior, como se ser velho fosse um defeito de que ele nunca há-de padecer - dar a entender que aquilo a que se assiste é um sinal de senilidade. Senti pena de Marcelo Rebelo de Sousa. Tomara ele chegar à idade de Mário Soares na forma física em que o velho leão ainda se apresenta e tomara que, se chegar, tenha a garra e a coragem de Mário Soares.

Mário Soares excede-se, por vezes, no que diz? Talvez. Está-lhe na natureza, os seus excessos são conhecidos. E daí? Acontece, por vezes, que uma pessoa de corpo inteiro, quando está revoltada, se passe e diga o que lhe salta da boca para fora. 

Foi injusto para com Cavaco Silva? Não sei. Que Cavaco Silva beneficiou de condições privilegiadas e que teve o tipo de lucros que levou  o BPN à situação que sabemos e que andamos todos a pagar, é um facto. Que, sabendo agora o que aconteceu, esses lucros assim obtidos não são medalha que ele possa ostentar, é um facto. Que tem sido um mau presidente da República, é um facto. Deveria ser julgado? Provavelmente não e provavelmente Mário Soares escusava de ter dito isso. Mas isso não deve apagar tudo o resto que vem dizendo e com carradas de razão. E que seja, justamente, um ex Presidente da República a tomar as posições públicas que toma só lhe fica bem. Então, tendo sido toda a vida um patriota, era agora que, perante a gravidade do momento, ia ficar calado ou a falar por meias palavras para não ofender os que estão a destruir o País? Queriam o quê? Que ele se desse ao trabalho de ser brando para com quem destrói o País sem dó nem piedade? Ora, poupem-me.

Por isso, da minha parte, é com carinho e agradecimento que vejo Mário Soares a manifestar-se publicamente, exprimindo o que vai na alma da maior parte dos Portugueses. Continua a ser um combatente e isso só lhe fica bem. 

Tal como sinto admiração por Adriano Moreira, um Senhor, que usa palavras acutilantes como punhais embora pareçam de veludo. A fome não é um dever constitucional - é uma frase brilhante.

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Estava aqui, nesta casa onde me encontro - e que é linda, linda, no meio do campo - completamente longe do mundo, nem televisão há, a transcrever um trecho de um conto de Mário de Carvalho (ler contos para mim, nestas circunstâncias, é mais prático do que romances), quando resolvi interromper para ler os jornais on line e me dei conta de reacções às palavras de Mário Soares e Adriano Moreira. Fiquei mesmo arreliada com o cinismo e a palermice de quem os critica em vez de lhes agradecer e seguir o exemplo. Por isso, de imediato, fiz a agulha e, em vez da história da Matilde que ia com a mãozinha acima do joelho até à virilha do Gerardo, foi isto que escrevi.

Entretanto, já é tarde, estou cansada (felizmente já melhor da garganta e já sem me sentir muito engripada), e amanhã quase que tenho que madrugar. Por isso, fico-me já por aqui e nem vou reler. Por favor, relevem as gralhas que devem ser mais que muitas.

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Desejo-vos, meus Caros leitores, uma bela sexta feira.