Abaixo deste texto poderão encontrar notícias de um fim de semana cheio de mergulhos no colchão e de refeições animadas na casa dos galos. A seguir, poderão ainda ler a minha opinião sobre a notícia relativa à conta de Paulo Portas num banco alemão e, depois, um outro texto com imagens de Kate Moss, a mulher que inspira artistas de cujas obras a Christie's vai fazer um leilão.
Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra.
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Já aqui não tenho comigo o Expresso desta semana, deixei-o, de tarde, em casa dos meus pais. Antes disso, lá o consegui ler com algum esforço e, em alguns pontos, com alguma superficialidade. Contudo, não queria hoje deixar passar o artigo de Clara Ferreira Alves sobre Natália Correia e o luminoso texto de José Tolentino Mendonça sobre Eugénio de Andrade. A conversa era sobre dois poetas de quem muito gosto e, por isso, aqui estou a juntar à deles a minha opinião.
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Natália Correia era uma mulher toda ela carne, sangue, altas temperaturas, excessos. Olhava-se para ela e era um corpo material, belo, um rosto de grande olhos e lábios desenhados, voz cheia, gestos marcados.
Clara Ferreira Alves traça um retrato que refere estes pontos e refere a sua intervenção na política e na sociedade, nomeadamente quer como deputada, quer no seu território de tertúlias, o Botequim.
Mulher de quatro maridos, de poemas sensuais, de opiniões fortes - quando se pensa nela não se pensa em lirismos bucólicos, em ingenuidade, em leveza, em transparências. Eu, pelo menos, não penso.
Para mim, a sua poesia é fêmea, menstrua, grita, chora, interpela, abraça, deseja, esbraceja, proclama. É uma poesia quente, com perfume a mulher.
Tenho ideia dela: exuberante e potente na expressão das suas ideias, um furacão de irreverência, de vontade, de sentimento, de desdém pela mediocridade.
A sua poesia é farta como farta era a sua carnadura, a sua voz, era o seu olhar. Escrevia e dizia poesia como um rio fértil ou como um incêndio
Fisicamente, a imagem mais marcada que dela me ficou é a de uma mulher de boquilha, fumando como se desafiasse o mundo.
Cosmocópula
I
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras
II
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso da água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro
[Natália na voz de Natália]
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De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.
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E depois há o oposto. Eugénio de Andrade. Um príncipe. Um menino. Narcisista, etéreo, generoso, egoísta, vivendo num mundo de luz, sonhos, gatos, todo ele desprendido, todo ele repentes, emoções, recordações.
Com a reverência de quem frequenta também os caminhos da poesia, José Tolentino Mendonça traça dele um luminoso retrato: insolente e límpido, Poeta.
Sou de há muito admiradora amantíssima de Eugénio de Andrade. Gosto de o ler, gosto de o ouvir, gostava da sua voz e gostava dos seu jeito quando aceitava mostrar-se na televisão.
Fisicamente há nele qualquer coisa de um Jorge Luis Borges, acho-os muito parecidos e, no jeito de falar, também: um lado de quem não vê o mundo como ele é, de quem sonha o mundo tal como o viu no tempo em que a inocência o mostrava limpo, branco.
A sua poesia traz a saudade da sua mãe, das mãos da sua mãe, e traz a elegia dos corpos desejáveis dos rapazes, dos rapazes correndo na praia ou no campo como animais, como cavalos jovens, o sexo elevando-se como uma haste, e traz a pureza de uma sombra de verão caindo lisa sobre uma parede caiada, e traz o perfume das maçãs dispostas sobre as mesas, a simplicidade das coisas verdadeiras.
As palavras como gotas de música, como um olhar límpido, como o desejo que nasce puro e etéreo.
Não voltarei à fonte dos teus flancos
ao fogo espesso do verão
a escorrer infatigável
dos espelhos, não voltarei.
Não voltarei ao leito breve
onde quebrámos uma a uma
todas as frágeis
hastes do amor.
Eis o outono: cresce a prumo.
Anoitecidas águas
em febre em fúria em fogo
arrastam-me para o fundo.
[Eugénio na voz de Eugénio, to a green god]
Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelhece
Sobre a palavra
a noite aproxima-se da chama
Assim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura
Na porosa fronteira do silêncio
a mão ilumina a terra inacabada
Interminavelmente
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Nunca falaremos demais deles. Nunca leremos demais os seus poemas.
Nunca nos mostraremos suficientemente agradecidos pelo que nos deixaram.
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Quero desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana, a começar já por esta segunda feira.
Que a poesia e a beleza encham os vossos dias.
Natália Correia/Eugénio de Andrade: verso e reverso.
Dois Poetas maiores.Nunca falaremos demais deles. Nunca leremos demais os seus poemas.
Nunca nos mostraremos suficientemente agradecidos pelo que nos deixaram.
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Quero desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana, a começar já por esta segunda feira.
Que a poesia e a beleza encham os vossos dias.
3 comentários:
Natália e Eugénio: tão diferentes por isso se completaram, tão iguais por isso se entenderam.
Cara UJM
Conheci bem a Natália. O seu retrato está perfeito e era por tudo isso que eu tanto gostava dela. E dos namorados que ela gostava de me arranjar. Alguns bem catitas, diga-se de passagem...
Eugénio de Andrade - como António Botto - mais próximos do que se julga, são poetas com lugar cativo nas minhas mesas de cabeceira.
Olá, UJM
Como não podia deixar de ser, detive-me aqui a ler, a ouvir Natália Correia e Eugénio de Andrade.E, bem o diz, dois Poetas maiores, duas figuras inesquecíveis que iluminam com o seu talento, sensibilidade e paixão as letras portuguesas.
Beijinhos
Olinda
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