Com a devida autorização do autor, reproduzo na íntegra e tal como recebi por mail o texto que o Leitor J. me enviou na sequência do meu post de ontem.
Penso que a discussão à volta de cenários alternativos, a análise de vantagens e desvantagens, de riscos e oportunidades, é muito proveitosa e esclarecedora. Quanto mais pensarmos e ouvirmos os outros, mais fundamentamos as nossas opiniões. Assim, agradeço, e muito, o texto. Contém matéria útil, interessante e que nos faz pensar e, mais importante, antever o futuro.
Obrigada, Caro J.
Obrigado pela resposta, mas já agora alguns comentários.
O exemplo dos 100 euros mostra bem a fragilidade de um sistema suportado na alavancagem financeira. A relação entre o dinheiro que circula no sistema financeiro e a riqueza criada é inacreditável e é assustador pensar que é tão frágil, basta “alguém querer o dinheiro de volta” no momento errado para o efeito ser desastroso. Basta haver uma crise no imobiliário, para cada casa hipotecada gerar um buraco financeiro dez vezes superior ao seu próprio valor.
Talvez por isso me custe acreditar na crença que dinheiro existe sempre, desde que haja um investimento em vista que se julgue reprodutor de riqueza. É claro que o Keynesianismo já se provou válido no passado, por exemplo quando suportou a saída da Grande Depressão. Mas a realidade portuguesa não é a americana. Nós não temos um sistema produtivo forte que aproveite o dinheiro para gerar mais dinheiro.
Dos exemplos de investimento citados por UJM refere-se: “Por isso, os primeiros investimentos deverão ser públicos e em áreas que permitam que o dinheiro se distribua pelo território (reabilitar edifícios públicos, reforçar pontes, etc) e que façam com que, atrás desses projectos, nasçam necessidades de outros bens e serviços,”.
E lá está, o investimento possível e referido é sempre na área da construção.
É muito difícil encontrar outras áreas onde o Estado possa investir de forma directa quando se pretende estimular a economia. O Estado não pode comprar acções de indústrias ou empresas de serviços, o Estado não pode exportar, o Estado não pode cultivar terrenos abandonados e o Estado definitivamente não pode empregar mais ninguém. Então sobra o investimento em infraestuturas, que já é a receita desde Cavaco, foi também do Guterres e Barroso, e sem dúvida de Sócrates.
Os argumentos são imbatíveis, o sector da construção é forte em Portugal, gera emprego directo no curto/médio prazo, estimula serviços satélites e no longo prazo ficamos com infraestruturas que promovem o progresso do país.
Mas a realidade recente prova o contrário, e ninguém duvida que a última década, com muito investimento público em infraestruturas foi, na melhor das hipóteses, anémica em crescimento.
Eu conheço o mercado da construção e percebo o porquê disso. O orçamento de uma obra reparte-se em 3 partes: financiamento do empreiteiro, contratação de mão de obra, aquisição de materiais e equipamentos.
Agora explico porque é que este dinheiro não se instalou na economia como se esperava, multiplicando-se à moda de Keynes.
Os empreiteiros cresceram tanto, numa verdadeira crise de superprodução marxista, que tiveram que investir massivamente no estrangeiro. Grande parte das verbas arrecadadas nos últimos anos serviram para deslocar os centros de produção para países em vias de desenvolvimento, com pouco retorno para o nosso país, uma vez que a maior parte dos serviços e equipamentos, na construção, são adquiridos num raio relativamente pequeno. Portanto essa parte do investimento teve muito pouco de vantajoso para a nossa economia.
No que se refere a mão de obra, o funcionamento actual nos empreiteiros é do mais selvático que existe. Subcontratação sob subcontratação até que se chega ao emprego temporário, quando não clandestino. Os empreiteiros, astutos, recusaram-se a engrossaram as fileiras de trabalhadores contratados, e mantiveram na miséria milhares de operários da construção. Claro que as margens dos subcontratantes se mantiveram e enriqueceram muita gente “honesta” que ia buscar a malta ao Campo Grande, à jorna, às 6 da manhã.
Por fim equipamentos e materiais, bem, esses são praticamente todos importados, especialmente quando a obra é financiada pelos dinheiros comunitários. A nossa indústria é fraca, fraquinha.
No longo prazo obviamente que as infraestruturas trazem vantagens. Mas parece-me que as infraestruturas servem para viabilizar o investimento, não são nem podem ser em si um fim. Não são um activo. São um passivo, massivo, que só se justifica se estiver ao serviço das populações e da economia. Não é o caso.
No que refere à industrialização não acredito que uma politica que gere procura seja, de per se, bem sucedida.
A China ou Índia que são exemplos de uma rápida industrialização recorrem a politicas fortemente intervencionistas e proteccionistas. A política económica destes países prevê a protecção ao investimento, o estabelecimento de políticas nacionais de crescimento industrial, etc.
Num exemplo histórico os EUA ou a URSS ou a Alemanha, na Segunda Guerra, recorreram ao investimento público massivo na indústria, para conseguir um forte incremento da capacidade industrial num curto espaço de tempo.
Obviamente que em Portugal, com um economia de mercado social livre, não se pode recorrer a estas ferramentas. Tem de se manter o Estado higienicamente longe do mercado. Então sobra muito pouco. Bem, sobram os dinheiros comunitários em troco de quotas de produção e declarações de intenção, ou súplicas.
Podemos investir em educação e investigação académica. Nunca tivemos tantos licenciados e bolseiros, mas também nunca tivemos tanta emigração qualificada.
Podemos investir em infraestruturas. Nunca tivemos tantas vias, mas também nunca tivemos tanta desertificação do interior.
Podemos ter muitos simplexes, mas nunca tivemos tão pouco ou tão caro financiamento da banca para abrir um negócio.
A meu ver nada irá funcionar que não seja a aposta massiva na instalação de capacidade produtiva no nosso país. Não me refiro à “desvalorização fiscal” da força de trabalho como forma de estimular o crescimento da produção.
Refiro-me à identificação de fileiras industriais que apresentem vantagens competitivas face aos nossos parceiros dentro da EU e lusófonos.
Refiro-me ao investimento directo em indústrias dispostas a modernizar-se de acordo com as orientações centrais e dispostas a contratar licenciados da área tendo em vista a I&D.
Refiro-me ao estabelecimento de uma diplomacia externa “canina” na defesa dos interesses da economia portuguesa (como acontece com a Espanha ou França, ou sem dúvida com os Chineses). Basta visitar um site de uma embaixada Norte Americana em qualquer país do mundo para ver os reports sobre oportunidades de negócio, formas de penetrar no mercado, avisos, etc para perceber como um Estado, até o mais liberal de todos, pode de forma eficiente servir de facilitador.
É preciso estabelecer marcas nacionais de grande escala, organizadas em colectivas de produção, como já acontece com grande sucesso na agricultura.
É preciso premiar quem mantém e investe na força de trabalho e se esforça em procurar novos mercados para escoar a produção.
O Estado tem de disponibilizar Capital de Risco, a fundo perdido, para novos projectos. Uma Autoestrada deve corresponder a milhares de novos projectos. E bastam, sei lá, 5% desses projectos serem bem sucedidos para termos melhores resultados da economia no longo prazo.
Mas acima de tudo o Estado tem de se ver a si próprio como um elemento dinamizador do mercado, absolutamente crucial numa fase destas. Tem de deixar de lado dogmas liberais que já não nos servem. O Estado tem de sair para a rua e perceber as necessidades dos empresários. O Estado tem de erradicar a gestão familiar e mesquinha das indústrias deste país. O Estado tem de por a máquina em movimento.
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A inclusão da imagem é da minha responsabilidade e o autor é Wassily Kandinsky.
4 comentários:
Um texto muito interessante, o do comentador "J".
Só um pequeno "áparte": não temos, ao que se sabe, nada desse tipo, ou modelo, de "diplomacia económica". Pena.
P.Rufino
Caro P. Rufino,
Também gostei imenso deste texto que veio por mail porque não coube num comentário, conforme o Leitor J me referiu, e gostei tanto que pedi autorização por o destacar como um post.
Dá que pensar e dá para perceber como este país poderia ser um local aliciante se fosse governado por gente com cabeça.
E dou-lhe razão, P. Rufino. Estamos neste momento a anos luz do que aqui se refere. Qual diplomacia económica? Zero. Mas nem há isso, nem estratégia, nem conhecimento do que deveriam ser as fileiras onde apostar, nada.
Está tudo por fazer.
Li este texto do comentador "J",com muito interesse e atenção e também concordo que estamos a "anos luz" para ver estas sugestões tornarem-se realidade. De qualquer maneira agradeço, este belo texto futurista, deste inteligente e pensador comentador.
Maria Eduardo,
Fico muito contente que tenha comentado este texto. O mundo visto pela perspectiva de uma pessoa inteligente é um mundo em que apetece viver.
O texto do Leitor J, que publiquei com todo o gosto, contém matéria com a qual aprendemos e que nos dá que pensar, não é?
Agradeço em nome dele (embora não tenha recebido procuração para isso...)
Um beijinho Maria Eduardo!
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