segunda-feira, abril 09, 2012

Ao som de 'A morte saíu à rua' de José Afonso, suicídios, saúde pública, mercados, e outras mentiras. E para não falar mais de Fernando Leal da Costa, Passos Coelho, Miguel Relvas ou mesmo do desaparecido Álvaro, mudo para Fernando Schwalbach que, nostálgico, nos fala do que era o vício em Lisboa. Como não me ocorreu, para este contexto, pintor português, trago aqui Toulouse-Lautrec que ilustrava o vício em Paris. E Ana Moura vem dar uma ajuda, deitando os Búzios

Música, por favor



O número de suicídios em Portugal está a aumentar especialmente entre os que não têm dinheiro para se sustentar e se tratar. 

Depois de se pronunciar sobre este tema, será fácil a Fernando Leal da Costa ver-se ao espelho?


Fernando Leal da Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, diz que estamos perante um problema de saúde pública.

Saúde pública?! Uma coisa 'tipo' gripe, diabetes, coisa do género? Não ter dinheiro para ter o que comer ou para ir ao médico é uma 'coisa' de saúde pública?

Se isto não é cinismo, então o que é o cinismo?

Li isto e fiquei logo mal disposta. 

Depois desta afronta, vou escrever sobre quê?

Vou aqui, uma vez mais, enervar-me em público referindo o impúdico desgoverno a que Passos Coelho e amigos estão a sujeitar o País, fazendo afirmações contraditórias a cada dia que passa, desmentindo-se uns aos outros, vindo depois dizer que fomos nós que não os percebemos? 

Passos Coelho, tentando suster o nariz e perdido de riso

Agora foi Passos Coelho, a um jornal alemão, dizendo que é natural que Portugal não regresse aos mercados em 2013 e isto depois de ter andado a meter a mão no nosso bolso (mesmo no bolso dos mais necessitados) sem mostrar piedade ou, sequer, decoro, jurando a pés juntos que não precisa de mexer no acordo da troika, que não precisa nem de mais dinheiro, nem de mais prazo. E depois vem o Relvas (tirem-me este homem da televisão, se faz favor, que já nem o consigo ver...!) a dizer que isto foi o que ele sempre disse - e mentem e desmentem e se isto fosse apenas uma palhaçada patética até poderia passar por ser humor nouvelle vague ou uma treta do género - mas o drama é que isto é a nossa vida, isto é o que leva a que o dito problema de saúde pública alastre.

Claro que, a continuar esta política, em 2013 Portugal vai continuar dependente, sem dinheiro, com o desemprego a alastrar como uma mancha assassina, com os suicídios a dispararem, com a economia de mal a pior. E isto que estou a dizer não é política: isto é economia e da mais básica, isto é até uma questão de simples aritmética. O drama é que o País está entregue a gente pouco dada a matemáticas, com conhecimentos rudimentares de economia e os dois ou três que sabem qualquer coisa da poda sabem-no apenas de casos teóricos, de estudos, dos bancos da escola.

Onde está o Alvy?

E a propósito de pobres almas que pouco mais sabem do que conceitos teóricos: que é feito do Álvaro? Alguém o viu por aí? Estas broncas todas do desemprego (oficial) já ir nos 15% e estarem todos muito espantados não são do pelouro dele? Porque não terá a criatura aparecido a dar as suas explicações de meia tigela?

Que neura que isto me dá. Portugal não mereceria mais do que isto, senhores?


Se calhar não. Se calhar isto é mesmo um sítio mal afamado, que, mesmo que o mundo esteja a desabar, não deixa de esgotar concertos de tudo o que é cão ou gato que por aí apareça a cantar (e esgotar com meses de antecedência!), de ir de férias para Cabo Verde e outros sítios do género sempre que há 3 dias seguidos sem trabalhar, de encher hotéis no Algarve pela Páscoa, de encher a barriga de meias torradas, bolos e abatanados com adoçante ao pequeno almoço, em que a suprema ambição de parte das mulheres é fazer nails e ter um PT (leia-se: personal trainer), em que grande parte dos homens vai atrás das equipas de futebol para Chelsea ou para onde calhar ou, não podendo, fica estendido no sofá a fazer zapping. Se calhar isto é mesmo um canteiro de flores de plástico, à beira mar plantado, mesmo feito à medida do pasteleiro de Massamá & Amigos. Que seca, isto.

*****

Tenho que parar com esta conversa, senão ponho-me para aqui a desconversar e isso pode ser uma maçada.

Portanto, mudança de rumo. Vamos divertir-nos porque se há coisa que não suporto é ir dormir em estado de arrelia. Cedo, pois, a palavra a alguém que conheceu o lustre de outros tempos, tempos bem afamados - que eu sou menina e moça demais para lembranças tão requintadas e longínquas:


Onde estão hoje esses bacanais que duravam dias e noites seguidas, onde o amor se afogava e ressuscitava em ondas de champanhe, onde o som claro e estalado dos beijos se confundia com o sacar das rolhas e o glu-glu desse mesmo champanhe caindo nas finas taças que, depois de esgotadas, eram partidas para que outros lábios não as viessem manchar... mais do que elas já estavam?

Beijo na cama, pintura de Henri Toulouse-Lautrec (1864 - 1901) - nobre, boémio, pintor

Onde há hoje, senhores boémios deste século*, uma ceia que vá além das 4 ou 5 da madrugada? Uma ceia daquelas que acabava à hora em que se começava a jantar, e que depois pegava na ceia e assim por três ou quatro dias?

'Rue des moulins', pintura de Toulouse-Lautrec 

Onde estão hoje as tão portuguesas, tão nossas, esperas de touros em que a cavalo ou de trem, ao som do fadinho chorado pela não menos portuguesa guitarra, essas mesmas cocotes chics não se envergonhavam de emparelhar com a Severa, a Júlia Gorda, a Ana dos Cordões e tantas outras suas irmãs no vício, onde a diferença existia apenas do leito de ferro para a cama de embutidos; e que, Campo Grande, Lumiar e Carriche onde havia a obrigatória paragem na Ana dos Melões, se seguia até à Póvoa e depois do levantar do gado aí vinha tudo outra vez junto, abancar a qualquer horta dos arredores, as sedas e os buréis de mistura e com as jalecas e cintas que à noite se substituíam pela casaca e luva branca numa première do S. Carlos.

La Toilette - Pintura de Toulouse-Lautrec

Hoje já não há cocotes de nome, há apenas donas de casas; parece o mesmo, mas não é!



(*) No texto original referia-se o século XX.

Este excerto pertence a 'O vício em Lisboa - antigo e moderno' de Fernando Schwalbach da Editora Tinta da China e, como se vê, este é um País em que sempre existiu um certo conceito do que é a vida.

*
Vamos pois deitar os búzios para ver no que isto vai dar. Música, por favor.

Ana Moura - Os Búzios

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Hoje no Ginjal começa a semana dedicada a Berlioz e a peça de hoje é de sonho e capricho. As palavras à solta esvoaçam sobre um poema de Margarida Vale de Gato numa tarde de sol e amor. Venham dar uma espreitadela...
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E é isto, meus Amigos, vamos esperar que o destino do País mude, que a nossa sorte melhore e, para já, uma boa semana para todos a começar por hoje!

10 comentários:

Anónimo disse...

Cara UJM:
Quatro dias fora da realidade nacional, à proa do navio, a navegar num doce mar de afectos e carinhos, capitã no meu posto de comando, cuidando da família, tão longe da mentira, da miséria da exploração impostas por Passos, Gaspares e Relvas.
Bendita a paz da família e das gentes, rudes e simples, transmontanas.
Mas regressei, e cá estou de volta, à leitura das análises sempre tão acertadas, ao inconformismo à revolta, ao bom humor, à sensibilidade e ao espírito positivo de UJM.
Mas também ao país que se afunda, ao país das elites políticas que vivem em promiscuidade permanente, ao país de políticos inteligentes que não dão conta que deliram cada vez que abrem a boca.
Todos os governos têm os seus ministros menos bons, mas nunca, como neste, houve tantos com uma tão extensa e intensa ostentação de atributos negativos – Todos enfermos das mesmas maleitas: a irreflexão, a insensibilidade, o desnorte, o descomando que conduzem o país para o abismo e a catástrofe.
Mas, falando de coisas belas, trago os olhos rasos de socalcos e vinhedos, repletos de fascinação, que me darão forças para lutar e acreditar em tempos melhores.
E tenha uma óptima semana, acreditando que o destino do país mude para melhor.
Abraço da
Leanor formosa e segura

Maria disse...

Querida jeitinho:
Irra! Que oFernando Leal da Costa, além de tudo é feio.
Estava eu, deliciada a ouvir o Zeca, aparece-me aquela imagem horrenda.
Tudo o que ele diz é horrível. Há mais suicídios? Claro que há, como há mais desempregados, como há fome, como há crianças, que não tomam medicamentos, por não haver dinheiro, para os comprar, como, como... Como. mas enoja-me.
O Passos ri, de quê? das asneiras dele, das dos outros, de nós?
O Relvas não consigo encará-lo.
Isto não vai lá, com panos quentes, nem com governantes destes.
Já estou a ficar agoniada e a esquecer-me, de me portar, como uma senhora.
Querida, as bacanais continuam. Só mudaram os personagens e os gostos.
Nem Toulouse-Lautrec, nobre, artista, boémio, seria capaz de desenhar tanto nojo.
Nem o Vilhena, porco sem vergonha, chegaria a tanto.
Deitemos os Búzios, sim. Ou melhor, ouçamos a incomparável Ana Moura deitá-los.
Está melhor? Eu, além dos ossos, estou com gripe (daí, não dizer nada de jeito), amanhã, vou tratar do telemóvel e na 4ª... "Erros meus, má fortuna, cigarro ardente..." vou a uma consulta para ver se deixo de fumar. Com que dor, me separo do meu companheiro, de toda a vida! Tem que ser e sósinha não vou lá.
As melhoras, amiga.
Maria

Anónimo disse...

Depois de ouvir o jovem Secretário Ricardo Leite, outro dia, julgo ser esse o seu nome, a dizer umas patacoadas para explicar o encerramento da “Alfredo da Costa” (que, ao que ouvi, não o justificaria – a não ser, como penso, que por detrás está negócio gordo e chorudo, para ajudar o Ministério da Saúde - ? ), agora sai-me este marau, ainda pior do que o outro.
Um caso de saúde mas mental, esse Da Costa, diria eu!
Ah, que maravilha esses quadros do velho boémio, Henri. E aquele quadro do casal na cama a beijar-se é de grande sensualidade, sem dúvida. O homem foi um artista magistral! E mais teria produzido se não tivesses deixado este Mundo tão cedo.
Já quanto á “boémia”, temo que hoje até nisso temos de cortar. Uma maçada! De quando em vez uma diversãozinha, numa tertúlia com amigos, mas nem os amigos têm estado de espírito, nem paciência, muitos deles, para tal. Esta crise ainda acaba por nos pôr todos em casa, a contar carneiros!
Quando chegarmos a isso, ainda opto pela vida monástica, sempre preservo o prazer da mesa!
Gosto sempre de ouvir Ana Moura. Canta bem e tem boa cabeça, interessante personalidade.
Assim como gosto sempre de escutar a bela voz de Zeca Afonso.
P.Rufino

Um Jeito Manso disse...

Olá Leanor, formosa, segura e orgulhosa transmontana,

Então andou a banhar os olhos na beleza dos socalcos e vinhedos... e rodeada dos afectos familiares, no remanso do seu navio caseiro, que bom. Nada há de melhor do que os afectos sentidos na terra à qual sentimos que pertencemos, não é?

Não pense ainda nesta gente que para aqui anda sem saber bem o que anda a fazer, deixe-se ficar a recordar a simplicidade das terras e das pessoas rudes e boas.

A ver se hoje me ocorre qualquer coisa de agradável para não contribuir para a angústia colectiva.

Obrigada pelas suas palavras, tão simpáticas como sempre.

Um abraço, Leanor.

Isabel disse...

Fica-se deprimido com o que se lê sobre o país. Não me espanta que as pessoas ao verem-se de mãos e pés atados, sem dinheiro, sem emprego, sem perspectivas, se suicidem. É demasiado doloroso pensar como será estar numa situação dessas. E a vida duma pessoa pode mudar dum minuto para o outro: basta ficar sem emprego.

Gostei muito das pinturas que escolheu e adoro este fado da Ana Moura.
Adoro fado.

Uma boa semana

Um Jeito Manso disse...

Mary, já toda espevitada Mary,

Que já me fartei de rir com essa fúria e rebeldia tão francas e divertidas...!

Nem o Vilhena escapou, achei uma delícia essa de lhe chamar 'porco sem vergonha'. Já nem me lembrava dele... Fazia aquelas sopeiras e secretárias todas muito avantajadas de sainhas muito curtas, não era...?

Essa da gripe é que não ajuda nada. A ver se não me pega também isso...

Quanto às dores, eu acho que isto até parece anedota, nem vou ao médico porque se até a mim me parece um disparate, imagine o médico. Agora a dor, depois de ter percorrido 'as cruzes', os joelhos, os pés, etc, parece ter-se concentrado nas costelas inferiores do lado esquerdo. Dá para acreditar numa dor que vai passeando e mudando de sítio? Não percebo isto. Mas estou melhor, a dor já é suportável. Mas estou a tomar um anti-inflamatório (automedicação, claro... e só espero que não haja nenhum médico a ler estes comentários...). O drama é que só tenho mais um, para amanhã de manhã. Espero que entretanto me cure, senão nem sei o que hei-de fazer (que eu, ir ao médico, é coisa que me chateia, perde-se imenso tempo, não há sítio para estacionar, mandam fazer exames e é, portanto, um incómodo que se multiplica).

Fico muito contente que vá deixar de fumar, vai ver que fica bem melhor. Eu há uns anos (para aí uns 6) deixei de fumar. Andava há muito tempo a pensar que um dia haveria de deixar de fumar, só que esse dia nunca mais chegava. Um dia cheguei ao emprego, vinda das férias de verão e pensei:'é hoje, vou deixar de fumar'. A meio da manhã abri a gaveta da secretária e tinha lá um maço de cigarros. Nessa altura podia fumar-se no trabalho. Por aquela é que eu não estava à espera. Achei um desperdício deitar fora os cigarros que lá estavam, eram 3. Então fumei-os, quase de seguida. E até hoje. Nunca mais peguei num cigarro.

Às vezes, ao princípio, acordava de noite depois de um sonho em que estava a fumar e ficava revoltada porque pensava que me tinha esquecido que já não fumava e tinha fumado. Mas depois percebia que tinha sido um sonho.

Nunca mais fumei nem me voltou a apetecer pois a partir do momento em que fumei o último comecei a pensar no passado: 'eu dantes fumava', coisa ultrapassada.

Espero que tenha também força de vontade, que queira que seja coisa do passado pois, pensando bem, é mesmo uma parvoíce fumar, faz mal à saúde e é caro. E a gente, depois, fica a sentir-se mais limpa, sem sabor a tabaco. Boa sorte Mary e força!

E beijinhos e as melhoras da gripe!

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Depois de me rir com a frontalidade da Mary (comentário acima), chego ao seu e leio essa do 'marau', expressão que já não ouvia há algum tempo e à qual sempre achei um piadão. E fui ver a cara do homem e tem mesmo pinta de marau. O que me rio até a escrever isto. E essa da saúde mental aplicada ao marau, então, é o máximo.

O Toulouse-Lautrec foi um designer gráfico que introduziu modernidade e criou um estilo e, como pintor, retratou com sensibilidade e bom gosto a realidade dos meios boémios parisienses. Se virmos bem, há sempre um olhar compreensivo, terno, cúmplice para com as mulheres que retratou.

Também gosto da Ana Moura, tem presença, ocupa o palco. E quanto ao Zeca, bem, esse acho que foi um compositor extraordinário. As suas composições, aliás, ganham novas texturas à medida que o tempo passa. E a sua voz dava uma emoção especial às suas magníficas composições (ou então sou eu que sinto sempre alguma emoção quanto as ouço).

Obrigada pelas suas palavras, contribuem sempre para animar esta tertúlia (que não é muito boémia, mas, enfim, sempre tem alguma animação)

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel, boa noite,


Ficar sem emprego deve ser uma coisa tenebrosa e eu abençoo todos os dias a sorte que tenho por eu e os que me são mais próximos terem emprego. Nem quero, sequer, imaginar o pavor de quem se vê sem trabalho, a ter que viver de subsídio e a pensar que, se calhar, não torna a arranjar trabalho.deve ser uma angústia, um desepero. E as pessoas verem-se sem dinheiro, e não querendo viver às custas da caridade alheia, deve ser um suplício.

Perante todas estas dificuldade e medos, eu acho que uma das grandes prioridades da governação deveria ser estimular a economia e o desenvolvimento para que passe a haver esperança em relação ao futuro.

Mas vou tentar hoje escrever sobre outra coisa qualquer porque até a mim, que escrevo sobre isto, me angustia...

A Ana Moura é fantástica e eu também gosto imenso de fado, é a nossa música e temos belíssimos intérpretes.

Um abraço, Isabel e obrigada pelas suas palavras!


PS: Gostei da poesia que escolheu lá nas suas Palavras Daqui e Dali.

Isabel disse...

Foi ver?
Obrigada.

Um Jeito Manso disse...

Claro que fui, Isabel.

(E hoje já lá estive a ver os seus marcadores. Bem bonitos. Deduzo que colecciona)