Era um dia normal.
Quando regressava do almoço, no carro, ligaram-me a saber se eu estava a ouvir rádio, se sabia o que se estava a passar nos Estados Unidos e falaram-me num avião que tinha de encontro a uma torre. Eu vinha a ouvir música, não sabia de nada e, como estava a chegar, já não deu para ouvir a TSF.
Estava a dirigir há pouco tempo um novo serviço, com uma nova equipa, e tinha marcado uma reunião geral para fazer um ponto de situação.
As instalações eram recentes, não havia televisão e, nessa altura, a internet ainda não era o que é hoje mas, mesmo assim, quando cheguei ao gabinete consultei alguns sites, tentando perceber, mas ainda não havia nada de muito preciso.
Entretanto, iam chegando outros do almoço, e alguns tinham visto na televisão do restaurante e descreviam um avião a embater numa torre, uma grande explosão, muito fumo, e era tudo muito estranho.
As pessoas já estavam a ir para a sala de reunião, sabem que gosto de começar a horas; mas eu sentia-me inquieta, levei o telemóvel comigo, coisa que não costumo fazer. Quando lá cheguei, o meu telemóvel tocou e eu atendi, coisa normalmente interdita. Diziam-me que outro avião tinha caído no Pentágono e eu repeti-o, em voz alta, pressentindo que qualquer coisa de grave se estava a passar. Depois, quase logo a seguir, uma pessoa assomou à porta da sala e, pedindo desculpa por estar a interromper a reunião, perguntou se sabíamos do que se estava a passar.
Apeteceu-me suspender a reunião.Um dos meus colaboradores ia começar uma apresentação e eu pedi para ele não começar, para ver na internet, para projectar. Nessa altura as pessoas da minha equipa ainda se conheciam relativamente mal e algumas também mal me conheciam. Notei que estavam admirados por eu estar a perturbar uma reunião de trabalho com uma coisa que talvez não tivesse muito interesse.
Alguns dos meus colaboradores eram na altura muito jovens e eu estranhei que estivessem tão pouco interessados. Eu estava inquieta e queria perceber o que se passava e eles estavam era preocupados no que tinham preparado para me mostrar na reunião, com os problemas que me queriam apresentar.
O que se via na internet era ainda inconcludente e eu, para não os decepcionar, llá comecei a reunião. O primeiro apresentou o power-point e eu, mal ele acabou, disse-lhe para virar aquilo outra vez para a internet. Senti que alguns trocaram olhares: a chefe a querer ver internet no meio de uma reunião, how bizarre.
As torres estavam a cair. Gelei. Não era possível. Nem nos filmes se lembrariam de fazer implodir as torres gémeas. Ninguém ia atacar a América no seu coração.
E não se sabia ainda a extensão do que acontecera no Pentágono. E depois outro avião. E os meus colaboradores olhavam-se sem perceberem se eu ia continuar com a reunião ou não. Tinham todos preparado a sua intervenção e não estavam a perceber a minha atitude mas também começavam a ver que a coisa era estranhamente assustadora. Apenas os mais novos pareciam não ligar muito, como se fosse apenas mais uma cena de um filme de ficção, de um jogo de acção. Ainda hoje me interrogo sobre a indiferença que mostraram. O projecto que tínhamos em mãos, de criar um novo serviço, motivava-os sobremaneira e isso mobilizava-os totalmente mas nunca pensei que, para eles, aparentemente isso se sobrepusesse a uma tragédia tão esmagadora.
Resolvi que apenas se falaria muito sumariamente dos aspectos mais críticos e que logo convocaria uma nova reunião. Mesmo assim, só consegui regressar ao meu gabinete a meio da tarde.
As pessoas andavam fora dos gabinetes, uns tinham ido ao carro ouvir a rádio, outros estavam a acompanhar via internet.
Nessa altura já era claro que os EUA tinham sido atacados, que havia muitos mortos, muitos desaparecidos, que alguém tinha trespassado o coração dos EUA com um punhal de ódio, e que os americanos responderiam certamente com um 'there will be blood'. Estávamos todos inquietos.
Entretanto, uma pessoa da família estava a trabalhar num banco lá, mesmo ao pé. Começámos a trocar telefonemas entre nós, não se conseguia falar com ele, havia um medo frio no ar. Mais tarde soubémos que estava bem, felizmente.
Não me lembro se no dia seguinte ou apenas uns dias depois, resolveu-se que em todo o mundo se cumpriria um minuto de silêncio pelas vítimas.
Então, toda a gente, lá no meu trabalho, combinou que àquela hora nos juntaríamos no grande open space.
Quando eu estava para ir, recebi, no meu gabinete, um telefonema. Era a minha filha. 'Mãe, está tudo bem?'. Estranhei a pergunta. 'Mãe, vou dizer uma coisa. Mas calma, está bem?'. E eu admirada com aquilo. 'Estou, está tudo bem, mas porquê? E despacha-te lá que é agora o minuto de silêncio e eu tenho que ir para lá'. Mas havia uma hesitação na voz dela, e talvez um leve tremor. 'Mãe, morreu o avô velhote'. O meu avô.
Sabendo que sou uma maricas nestas situações, que me emociono muito, sabendo que eu gostava tanto do meu avô, sabendo que alguém tinha que me dar a notícia, a minha mãe achou que amorteceria o impacto se me fosse transmitida pela minha filha.
Fiquei em silêncio. O meu avô já tinha 92 anos, sempre cheios de saúde e energia, mas estava com uma pneumonia e, nestas idades, já se sabe que é de temer o pior. Mas eu, apesar de saber isso, e apesar de, entre nós, explicitarmos esse receio, não me tinha preparado para o pior. Se calhar nunca nos preparamos.
'Mãe...?' porque eu tinha ficado em silêncio; e eu a fazer um esforço para lhe responder, 'Sim' e sem ser capaz de dizer mais nada. Entretanto, à porta, chamavam-me para o minuto de silêncio, que já estavam todos.
Disse que ia já e disse à minha filha que tinha que ir, que logo lhe ligava.
E fui.
Tinham todos formado um grande círculo e estavam todos sérios, de olhos baixos, todos sentiam a dor e o susto dos americanos, todos estavam revoltados pelo infame ataque terrorista.
E eu ali, o coração apertado, sem ninguém saber o que se tinha passado comigo. Mas o que era aquele meu desgosto pessoal face ao drama infinito que se tinha passado na América, no Mundo?
Baixei também o olhar mas senti que as lágrimas me começaram a correr pelo rosto, baixei o rosto para que ninguém visse mas as lágrimas não paravam. Percebi que alguns olhavam discretamente para mim, acho que não percebiam que a queda das torres gémeas me pudesse provocar aquelas lágrimas.
Decorrido esse triste minuto de silêncio, em que só pensei no meu avô, voltei ao meu gabinete. Fechei a porta e chorei. Liguei ao meu marido, já sabia claro, liguei ao meu filho, também já sabia, voltei a ligar à minha filha: estavam preocupados comigo, conhecem-me, nestes momentos preciso que me amparem, a minha força habitual evapora-se. Combinei que ia ter com os meus pais, encontravamo-nos todos lá, mas pedi que fossem eles a avisá-los, não fui capaz de falar eu com os meus pais, ia desatar a chorar ainda mais, ia preocupá-los porque iam ficar a pensar que eu ia conduzir naquele estado, ia fazê-los sofrer para além do que já estariam a sofrer nessa altura, e, sobretudo, receei que estivessem também a chorar e não gosto de ver ou ouvir os meus pais a chorar.
Peguei na mala, limpei os olhos, tentei disfarçar e, o mais discretamente, informei que tinha que sair.
Faz agora 10 anos.
16 comentários:
Que belo e emocionante texto e que jeito manso de contar duas dores em simultâneo!
Muito obrigada, Helena.
Olá
Excelente texto, no dia em que se recorda a tragédia que mudou o mundo.
E além disso, um desgosto familiar a acontecer... e procurando forças para gerir tudo (sentimentos, trabalho) ao mesmo tempo.
Estive a passear pelos seus outros blogues.Gostei muito dos textos, das fotografias, dos poemas.Voltarei para os apreciar melhor.
Agradeço-lhe as palavras que me deixou no meu blogue.
:)
Olinda
Desculpe se o meu jeito é pouco manso mas, on s'en doute, o epísódio prontamente crismado 9/11 é dos poucos a gerar tamanha polémica e! depois dele, a afamada Al Qaeda nunca mais atacou na América do Norte e! logo a seguir a América do Norte invadiu, atacou, desencadeou uma guerra no Iraque que ainda não acabou -nem é para acabar, nesta fase.
Além de tudo o que pr'aí se lê sobre a fabricação do acontecimento, que se pretende com alcance histórico, tal como o enigmático assassinato do tal presidente amigo da loiraça, leia lá este detalhe, por favor
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/perfil/TESTEMUNHA+INCONVENIENTE+CINEGRAFISTA+DO+1109+VIVE+REFUGIADO+NA+ARGENTINA+_206.shtml?utm_source=
Do seu escrito de hoje, ressalta a encenação acrítca a que se prestou e ressalvo a evocação do sentimento de dor, pela morte do seu avô. Os afectos valerão sempre mais que as poses de grandiosidade.
Gostei do seu post. Eu, ao tempo, vivia em New York e trabalhava, há muitos anos, na Wall Street. Ainda tenho nos ouvidos os sons daquele terrível dia, pois tinha chegado ao meu banco minutos antes do primeiro estrondo. Foi trágico!
Gostei da forma como descreve a humanidade da vivência da chegada até si das notícias, a par com sua própria tristeza seguinte. Mas também quero dizer-lhe – e já estive a ponto de o fazer outras vezes, que a senhora continua a ser um mistério para mim, quando a par com posts destes, escreve o anterior, ou quaisquer outros relativamente ao actual governo – antiga oposição. Aí transforma-se, perde o jeito manso, descamba para linguagem rasca, e vem “o Miguel cada-vez-mais-Esbugalhado-Macedo”, “o Mangas aka Gas-pa-ri-nho De-va-ga-ri-nho das Man-gas Gran-des”, “o demagogo do Paulo Portas, perigosamente demagogo, tanto mais perigoso quanto é exímio na interpretação dos papéis” e claro, o “DJ Pedro Passos Coelho, o doce PPC, o bom maridinho PPC expert em farófias, o menino PPC”, etc. De facto, minha senhora, este estilo não é coerente com a forma como trata todo o resto.
Portanto, gostando deste seu blog como gosto, atrevo-me a sugerir-lhe que faça um novo blog, para o tema Pedro Passos Coelho Portas, Macedo, Relvas & Co., a que chamaria, por exemplo, “UM JEITO AGRESSIVO”
Assim, o actual ficaria para todo o resto, até mesmo política, quando, por exemplo, falasse de José Sócrates, esse grande homem de quem, como diz, “toda a diabolização que dele foi feita foi politicamente injusta e pessoalmente muito cruel”; o tal que, quando se demitiu, fez, segundo a senhora, uma “despedida muito digna de um homem corajoso e o merecido descanso do guerreiro”; esse mesmo a quem a senhora deixou esta linda mensagem: “Da minha parte, sinceramente desejo a José Sócrates boa sorte para a sua nova vida. Desejo que consiga ser um homem normal, simples e feliz. Bem o merece! sic”. Respeitoso, bonito e manso. Portanto, digno de figurar neste seu tão interessante e manso blog.
Cumprimentos
Carlos J. Costa
Btw, eu, porque vivi muitos anos nos USA, também falo português de-va-gar, got it?.
Cara Olinda,
Agradeço-lhe a sua visita e as suas palavras. Volte sempre a qualquer das minhas casas, blogosfericamente falando (o que vale é que não pagamos IMI por cada blogue que temos... mas mais vale eu não dizer nada não vá estar a dar alguma ideia aos senhores dos impostos...)
Obrigada!
Pirata-Vermelho, agora na sua face de pirata!
Pois não sei. Estive a ver a notícia que consta do seu link. Pode ser mas soa-me a teorias da conspiração e tendo a não ligar muito a isso. Nestes dramas surge sempre a versão conspirativa e muitas vezes sustentada por indíviduos que se sentem incompreendidos, perseguidos.
Pode ser que seja verdade. Toda a guerra do Iraque, estamos fartíssimos de o saber, foi fértil em ficções, mentiras, perseguições a quem as denunciava, e fez-se a guerra porque se faria de qualquer forma, fossem quais fossem os argumentos e as provas. Muitos milhares de pessoas morreram e continuam a morrer à custa de uma invenção.
Mas, uma coisa não iliba a outra.
Pode até acontecer que o atentado fosse antevisto e que até tivessem tomado providências como salvar documentos, sem cuidar de salvar as pessoas.
Ainda assim o atentado aconteceu e não foram os EUA que o provocaram. Tal como aconteceu nouro fatídico dia 11 em Madrid e tal como tantos têm acontecido por tanto sítio.
Este é um mundo em que não há inocentes.
Mas, apesar de toda a culpa que possa pairar por aí, inclusivamente junto de alguns dos governantes dos países vítimas, não posso deixar de lamentar pelo atentado brutal, pelos mortos, pelos feridos, pela devastação, em NY, em Madrid e em todos os locais em que pessoas normais que vão trabalhar, que andam a passear, inocentes, se vêm envolvidos em momentos de susto, sofrimento e dor.
Temos todos que tentar ser compreensivos e generosos. O mundo tem que ser um sítio bom e não um sítio perigoso.
É o que eu acho, Pirata.
Caro Carlos Costa,
Há que tempos que aqui não vinha dar-me uma palavrinha. Gostei.
Com que então também fa-la de-va-ga-ri-nho...? E isso é porque quem fala uns anos em língua inglesa fica com a língua presa? Mas olhe que nem todos. Mas está bem, vou ter isso em consideração.
Quanto a eu fazer outro blogue já não me é possível, já tenho 4 dos quais 3 alimento quase diariamente, já não consigo ter outro.
Mas, Caro Carlos, no sub-título do Blogue eu parafraseio o Alexandre O'Neill dizendo que 'há palavras que nos beijam' mas acrescento que outras nem por isso.
Quanto ao resto: basta ver os meus blogues para ver que eu sou, de facto, pluridimensional, digamos assim. Posso apreciar a poesia, o humor, a política, ser compreensiva e tolerante mas, também, ter directa, brusca, quase impiedosa. Depende das circunstâncias e do tema sobre o qual falo.
Se falo de Pedro Passos Coelho, Relvas e tal, é um facto: não tenho complacência. Eles fazem-me saltar a tampa. Para se ocupar determinadas posições é indispensável ter competência, cultura, experiência de vida, tudo o que acho que este grupo que gira em volta dos que referi não tem.
Por isso, ao vê-los, tenho dificuldade em levá-los a sério. Impreparados, a fazerem de conta que sabem, que são capazes e a gente a ver que nem pouco mais ou menos. Dá-me vontade de rir, de parodiar, o que é que quer...?
Quanto a Paulo Portas, a conversa é outra. Disse-o várias vezes aqui neste blogue que fez uma competente campanha eleitoral e acho que, do actual governo, é o mais competente, o mais capaz, de longe o mais preparado.
No entanto, é também, de facto, um mestre na encenação. Dá gosto vê-lo em acção, ele é exímio no uso da palavra e da entoação e da expressão certa no momento certo e isso, se não é ao serviço de uma boa causa, corre o risco de ser apenas demagogia; e tantas vezes o vimos já em puros exercícios de demagogia, tanto mais sofisticados quanto é um homem arguto, inteligente, rápido na compreensão e na argumentação.
No entanto, à medida que os anos passam, vamos assistindo a um inteligente e interessante amadurecimento e está mais aberto, mais consciente, mais humano.
Como diz o Ricardo Costa no Expresso desta semana, é falta de inteligência de Passos Coelho não valorizarem e não potenciarem a competência de Paulo Portas.
Quanto a Sócrates é, também um facto: apesar de às vezes o criticar, tendi sempre a apoiá-lo ou tentar compreendê-lo. Cometeu erros, não tenho dúvidas - mas teve ambição para o país, teve determinação, foi voluntarista, tentou modernizar o país, tentou melhorar a educação, a economia. Depois foi arrastado pela força da crise internacional e aí foi um problema. Mas lutou como um leão. Em condições difíceis, lutou como um leão e isso é uma coisa que se deve valorizar - e saíu dignamente e também se vê a raça de um homem na forma como sai de cena.
Mas agora, Caro Carlos, fiquei espantada com a quantidade de citações minhas que você colecciona. Não me leve tanto a sério. Olhe que eu própria não o faço.
Quanto ao resto, sou um mistério para si, diz você?
Mas isso é bom, não é?
Por isso, Carlos, volte sempre e vá dizendo de sua justiça que eu gosto de quem me dê luta; da minha parte vou tentar continuar a surpreendê-lo.
Cumprimentos (e vou ficar à espera).
O atentado de Madrid(!), sem antecedente nem consequente, tal como o outro, ter-se-ia destinado-se a 'isso mesmo', dar a ideia que você agora mesmo deu (já reparou que nunca se encontrou uma autoria ou explicaão plausível?).
Só que...
passaram dez anos e nunca mais aconteceu nada e é isso que torna tudo muito claro. Por outro lado, nem sempre surgem 'teorias da conspiração' associadas a acções vilentas e desta vez apareceram uma data de factos inexplicáveis, não 'teorias'.
Argumento de refúgio: 'Nunca os americanos fariam isso em casa própria', declamam as pessoas sem qualquer fundamento e esquecendo-se de que 'os americanos' fazem mais que aquilo de modo diferido, em ordem À obtençãode vantagens finaceira e de afirmação hegemónica. A forma como os presumíveis principais autores morais e materiais -Rumsfeld e Cheney- exploraram o sucesso indicia claramente que se trata de uma acção clandestina de uma envergadura incompreensível para o homem comum, espectador de televisões 'iguais', com os mesmos donos, em países pequenos.
(mais uma vez, desculpe o caracter apressado do comentário)
Este dia de 2001 foi, de facto, um dia de espanto. Também estava em trabalho e as notícias foram chegando, aos poucos, confusas e suscitando comentários muito inquietantes...
Quanto à sua dor, só posso enviar-lhe daqui um grande abraço.
Pirata, conheço esses argumentos e creio que há muita preversão, muita ganância, muitos e cruzados interesses e, por causa disso, muita maldade em estado puro, muita indiferença perante o sofrimento individual.
Mas olhe que atentados da Al Qaeda tem-nos havido e muitos outros tentados mas descobertos a tempo. Não fizeram este em NY e depois o outro na Atocha para disfarçar e mais nada. Não. Actuaram antes e bastante sangrantemente e actuaram depois. Na ânsia de diabolizar a ganância pelos petrodólares, não caiamos no extremo oposto de branquear o terrorismo da Al Qaeda et al.
(E não precisa de se desculpar por escrever à pressa porque isso não prejudica a qualidade do que escreve)
Muito obrigada, Leitora da Excelente Matéria dos Livros.
Ainda hoje a minha mãe, ao ver na televisão as imagens das torres, me disse, 'Isto foi uma coisa. Foi nesta altura que o avô..., lembras-te? Já faz 10 anos'.
Disse-lhe apenas que sim, que me lembrava muito bem.
Gostei muito deste relato quase simultâneo de dois dramas. Muito bem descrita a angústia provocada pelo esforço de aparentar calma, e espalhar segurança, quando, interiormente, existem nuvens densas sobre nós. E nesse dia, para além do "negrume do mundo", existiu esse imenso rasgão da alma, provocado pela perda de alguém que se ama, e que partilha connosco com tanta sobriedade.
Leonor,
Muito obrigada pelas suas simpáticas palavras.
Descreveu muito bem o que senti, foram momentos de ansiedade, complicados para mim. Ainda hoje, quando penso na tragédia global, não consigo deixar de pensar na minha perda familiar que, a nível global, é um facto sem importância nenhuma. É tudo tão relativo.
Obrigada, Leonor.
De facto, aquele 11 de Setembro, e o seguinte, foram dias complicados para si e descreve-o de uma forma bonita, traduzindo a dificuldade de ser uma executiva fria, quando o seu coração estava tão duplamente magoado.
Para mim, esse dia também não foi simples, mas, ao contrário, pude livremente soltar a emoção. Estava in “my heaven”, a apanhar sol e a ler, quando os nossos telemóveis começaram a tocar, com os amigos, que conhecem a nossa paixão por NY, a confirmarem se estávamos cá ou lá. Entrei em casa, e fiquei pregada ao televisor . Conhecia bem os edifícios por dentro, sabia dos milhares de pessoas que lá trabalhavam e da multidão que sempre estava, quer no Top of the World, na Torre Sul, quer no restaurante Windows on the World, na Norte. Por isso, quando as torres colapsaram ficamos em estado de choque, sem conseguirmos articular quaisquer palavras: milhares de pessoas tinham acabado de ser assassinadas.
Tínhamos lá estado em Agosto no restaurante, que era ponto obrigatório em todas as visitas, não tanto pela excelência das ementas, mas pela vista deslumbrante, ali pelo hora do crepúsculo.
Sempre vamos a NY antes do Natal, porque gostamos das luzes, da árvores iluminadas, das músicas que andam no ar e que encaixam no nosso imaginário desde os filmes de infância. Mas os dias que se seguiram ao 11 de Setembro, foram de tanto pavor, pelas muitas ameaças de que os media davam notícia, que hesitamos. Tínhamos medo de outro ataque, principalmente da guerra biológica, que era a ameaça mais repetida. Mas parecia-nos tanta ingratidão abandonar aquela cidade, precisamente quando ela tinha sido tão ferida, que decidimos ir. Só o meu filho, que sempre viajou connosco, nos compreendeu e só não foi porque tinha casado, entretanto, deixando de integrar regularmente o nosso grupo “excursionista”.
Tinham passado escassos 2 meses e meio. O avião, sempre esgotado, levava cerca de 30 pessoas. O nosso hotel habitual em Times Square, estava vazio. Foi um choque enorme o primeiro contacto com o agora chamado Ground Zero. Uma emoção ao enfrentar a inesperada destruição de toda a área circundante, num raio enorme: edifícios à volta desmoronados, tudo preto, tudo molhado, um horror. E aquele cheiro? Centenas de camiões começavam a transportar os destroços que sabíamos compostos de matéria inerte e bocados de corpos. Arrepiava olhar. Milhares de pessoas colocavam ainda apelos de esperança, com fotografias dos que amavam, em árvores, em muros, na Grand Central, etc… Ursinhos de peluche e brinquedos com as mensagens mais tristes e lindas, que eu já vi. Uma estranha sensação de que milhares de almas pairavam sobre nós, dava-nos um sentido do efémero que, afinal, toda esta aventura de viver representa. Havia uma estranha calma, nesse ano, nos nova-iorquinhos. E os nossos olhares fixavam-se uns nos outros, e todos esboçávamos um triste sorriso de cumplicidade. Com a vida? Com a morte? Não sei bem.
Fizemos muito bem em ter cumprido o nosso dever de gratidão com NY, naquele ano. E, entretanto, tem sido bom ver aquele espaço a ganhar forma e constatar que o ambiente de “santuário”, mantém-se na zona: ninguém grita, nem fala alto e continuam a trocar-se olhares cúmplices.
E mais: instintivamente, elevamos os olhos ao céu, numa solidariedade cósmica, como que na tentativa de estendermos a imortalidade do Universo a todos quantos, nesse soalheiro dia 11 de Setembro, saíram das suas casas na intenção trabalhar em paz no seu escritório, como nós fazemos diariamente e, afinal, partiram para a eternidade, barbaramente assassinados. RIP.
Magnólia,
Muito lhe agradeço o seu belo e emotivo texto.
Tal como escrevi há dias num comentário, penso que as recordações de todos nós relativas a este acontecimento, cruzando-se num espaço, constituem um fantástico memorial.
A sua descrição do espaço, do ambiente, está tão vivida que, ao lê-la, todos nós conseguimos muito bem imaginar exactamente as reacções das pessoas, a cala magoada, a magia do lugar que se perde e se reconquista, os cheiros, a beleza maculada e de novo renascida.
Muito obrigada, Magnólia.
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