sábado, novembro 16, 2013

Luís Quintais, o Poeta que não gostou da crítica de José Mário Silva no Expresso a propósito do seu livro 'Depois da Música' e que, furioso, disse (e vocês perdoem o meu francês mas vou limitar-me a transcrever): "Dá-me quatro estrelas. Melhor seria que não desse nenhuma. Que as metesse pelo cú acima! Que merda de país é este?"


No post abaixo interrogo-me sobre o Bruno Vieira Amaral: será um galã? Um actor porno? Um simples malandreco? 

Mas isso é a seguir.

Aqui, a conversa é outra. Dado que esta semana andei com a cabeça noutro lado, só hoje afloro um assunto sobre o qual já poderia ter falado antes.






Tenho o livro de Luís Quintais da Tinta da China, o 'depois da música', e dele já aqui no Um Jeito Manso e no Ginjal divulguei alguns dos poemas. Apenas o conheço deste livro e, como já o referi, gosto: acho que, uma vez mais, o Pedro Mexia está a revelar 'olho' para escolher bons poetas. Esta colecção da Tinta da China coordenada por ele está a revelar grande qualidade.


Luís Quintais parece-me um poeta com uma visão especial das coisas, alguém que vê o mundo com uns olhos livres, que sente e pensa de uma maneira muito própria, dá ideia de ser alguém incomum.

Já aqui o disse algumas vezes: a mim não me faz sentido que se faça crítica literária à poesia. Quanto muito admito que se diga que se gosta, que é especial ou incomum, que é melódica ou inspirada ou que é vulgar, preguiçosa, armada a besta, ou banalidades deste género. Uma pessoa pôr-se a dissecar um poema, a interpretá-lo ou a dizer o que quer que seja sobre um poema é sujá-lo, é ofuscá-lo, é retirar-lhe a música e a beleza intrínseca. E, quanto a significados, pretender atribuir-lhe um sentido ou um propósito parece-me uma coisa contrária à própria essência da poesia. Para mim, um poema é uma coisa aberta, cada um que o leia como entender. Acredito que, ao escrevê-lo, um poeta possa, até, nem lhe atribuir nenhum sentido.

Por isso, nunca leio crítica literária sobre poesia como leio sobre outro género: limito-me a ler os poemas que o crítico transcreve.

Neste caso, conhecendo já o livro e andando com ele aqui ao meu lado para o ir espreitando de vez em quando, ao ver a crítica no Expresso da semana passada, tive curiosidade. E constatei que a crítica feita pelo José Mário Silva não apenas não era apelativa, como o que dizia era redutor, afunilava o sentido dos poemas, fechava-os num espaço fechado.


Achei que não fazia justiça ao livro e que mais valia que a não tivesse escrito.

Mas, neste caso em concreto, embora não tenha grande opinião dele enquanto crítico, dei-lhe um desconto; pensei que quem faz crítica literária a obras poéticas geralmente se espalha e que era o que lhe estava a acontecer: tinha-se espalhado.

Por isso, compreendi a reacção de Luís Quintais. O que me surpreendeu foi que o tivesse publicado e a frontalidade do que disse. Mas admito que, se eu estivesse no lugar dele, tivesse pensado o mesmo ao ler a dita crítica.

Escreveu ele:

Chamaram-me a atenção, e fui ler. Uma recensão crítica de José Mário Silva sobre Depois na música no Actual do Expresso. Uma coisa verdadeiramente incrível de mediocridade, preguiça e desonestidade intelectual. Não tem nada para dizer, e num texto de muito poucas palavras, rouba tudo o que pode do meu livro para preencher a inenarrável coluna. No fundo, domesticam-nos assim. Domesticam-nos através de uma presunção de vaidade. Isto vem de alguém que ainda há semanas dizia que o Fernando Pessoa ortónimo era um poeta «sobrevalorizado». Dá-me quatro estrelas. Melhor seria que não desse nenhuma. Que as metesse pelo cú acima! Que merda de país é este?


Ou, dispondo a última parte do trecho de uma forma mais poética, para termos uma verdadeira exaltação ao lirismo dos tempos modernos:

Dá-me quatro estrelas.
Melhor seria que não desse nenhuma.
Que as metesse pelo cú acima!
                  Que merda de país é este?

Não tem papas na língua. Ou melhor: tem língua afiada este Poeta que, entre outros, gosta de Monteverdi e de Chaplin e que diz de si próprio:

Algum do meu trabalho ensaístico actual sobre arte (e esse é um dos meus territórios de eleição) gravita à volta de figuras como Gordon Matta-Clark e Rui Chafes. Através de Matta-Clark e Chafes, pretendo explorar algumas das propostas de Alfred Gell e Tim Ingold. Proponho-me, assim, e com alguma urgência, pensar o mundo da arte, erguer a minha pessoal codificação ou interpretação antropológica da arte. Uma antropologia da arte? Sem dúvida. Mas uma que seja suficientemente interdisciplinar ou transdisciplinar para interessar não apenas os antropólogos, mas também investigadores de outras áreas.

E ainda:   Sou um homem de esquerda, mas sem ênfase. Estruturalmente agnóstico, acredito mais na redenção do que na revolução. E a redenção será poética ou não será!




Um simbolista vencido


Dor em que crescerás - 
a queda das folhas
a que sem limite cederás.





*

Todas as imagens mostram obras de Javier Pérez, excepto a fotografia em versão Warhol do Poeta rebelde. 

A música lá em cima é de Claudio Monteverdi - L'Orfeo, com direcção musical de René Jacobs, Simon Keenlyside como Orfeo e coreografia de Trisha Brown. 

O poema é de Luís Quintais, claro. Para conhecerem outros, poderão procurar lá mais para baixo, do lado direito, a etiqueta 'Luís Quintais'


*

E, depois da poesia, a prosa. Se quiserem ver um galã daqueles com olhar de verdadeiro malandro, desçam, por favor, um pouco mais.

*

PS: Tinha intenção de escrever hoje também sobre a Ascensão e Queda de Passos Coelho segundo Fernando Moreira de Sá nos conta na entrevista na Visão. Aí ele descreve como este, aquele e o outro (alguns cuja escrita acompanho - ou acompanhava), todos esses que, unidos, ajudaram a difamar e denegrir a imagem de José Sócrates para, depois de forjarem a figura de Passos Coelho e de o ajudarem a aboletar-se no governo, irem eles próprios aboletar-se em assessorias e outras mordomias no mesmo governo, o governo mais indigente, mais incapaz, mais perigoso de que há memória na democracia portuguesa. Foram essencialmente pela mão de Miguel Relvas, esse grande estadista. Quero falar sobre isso mas talvez só amanhã, hoje já não dá.


*

E, por hoje, nada mais. Apenas desejar-vos, meus Caros Leitores, uma belo fim de semana.

1 comentário:

margarida disse...

Valeu! O que me ri.E nem costumo rir-me com o vernáculo, mas desta vez, ri-me a valer. Boa, poeta!
Não fosse a UJM, e às vezes dois terços de mundo passavam-me ao lado..., eu precisava de multiplicar as horas. Ou de um milagre.
Mas já valeu, o que me ri...
:)